quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Três textos

 Por Emanuel Medeiros Vieira
LEMBRANDO PRESTES

Agildo Barata estava numa cela com Luiz Carlos Prestes, em 1945. Notou um opúsculo de capa verde. Na capa: “Pensamentos de Augusto Comte”. No interior: aforismas estóicos, que Prestes traduzia do grego para passar o tempo. E dizia que como a capa era de Comte, os milicos não iriam tomá-la.
Conclusão de Barata: quando penso em Prestes, penso sempre num livro de máximas estóicas e de capa positivista.

“Que sacada, hein”, interpreta o meu velho amigo Flávio Aguiar (desde 1962, no Colégio Anchieta, em Porto Alegre, companheiro da AP nos seus tempos românticos e heróicos), editor do boletim “Carta Maior”, e que agora vive em Berlim.
Quando me lembro de Berlim me emociono: é que a conheci antes da queda do Muro, e lá varei noites conversando com Luiz Travassos, tomando muito vinho. Existente.

Eu, ele e o também saudoso Alberto Albuquerque - a neve caindo - caminhávamos até perto do Muro.

Ele lá exilado. Eu fugido da “ditabranda”, segundo a Folha.
Voltando ao líder comunista: quando penso em Prestes penso mais num pensamento granítico e positivista de um homem íntegro, profundamente digno (às vezes equivocado, mas nunca desonroso).
Por exemplo: sua aliança (“Constituinte com Getúlio”) com Getúlio Vargas (que o deixaria muitos anos preso nas mãos do perverso Filinto Miller) foi um erro ou uma necessidade naquele momento, em função de um projeto político maior?

Em termos éticos não se justifica. Foi Filinto quem entregou Olga, a mulher de Prestes, para a Gestapo.

Sim, para a Gestapo.
Prestes era mais positivista que comunista.  Estou equivocado?
David Nasser escreveu um livro chamado “Falta Alguém em Nuremberg”.
Esse alguém era Filinto “carrasco” Miller, que foi presidente da ARENA, o “maior partido do Ocidente”, segundo o inesquecível Francelino Pereira.

Francelino foi quem fez a nunca respondida indagação: “Que país é esse?”
Lembrando: a polícia política do Estado Novo (1937-1945), chefiada por Filinto Miller, arrancou com torquês um dente de Carlos Marighella.

Marighella, segundo o juízo insuspeito de Jarbas Passarinho (que fez a célebre proclamação no dia da promulgação do AI-5, 13 de dezembro de 1968: “às favas com os escrúpulos, Senhor Presidente”), teria sido o homem mais corajoso que existiu no Brasil no enfrentamento da tortura.

 

Saint Exupéry: Aviador por profissão, escritor por vocação (e devoção)


Antoine de Saint Exupéry (1900-1944) deve estar no vasto Mediterrâneo. Nunca acharam o corpo deste aviador por profissão e escritor por vocação (e devoção).
Não importa. Ele é do mar e de todos nós.

O grande Antoine um dia desceu em Florianópolis  – na Ilha de Santa Catarina –, no Campeche (felizmente, antes de sua favelização).
Não, não é, como muitos pensam, um escritor das misses que, com suas curtas massas encefálicas, nunca o entenderam. É maior. Leiam o final de “Terra dos Homens”, na tradução de Rubem Braga.
Traduzi trechos do livro de Saint Éxupery.

Mas a versão do maior cronista brasileiro de todos os tempos é perfeita.
Leiam: “O que me atormenta, as sopas populares não remedeiam. O que me atormenta não são essas faces escavadas nem essas feiúras. É Mozart assassinado, um pouco, em cada um desses homens. Só o Espírito, soprando sobre a argila, pode criar o homem.”


 PARÁFRASE DO PADRE ANTÔNIO VIEIRA

O ladrão que furta para comer não vai para o

inferno, mas para a cadeia.
Os outros, de maior calibre, furtam sem temor nem

perigo.
Os elevados, furtam e enforcam.
Os que roubam e despojam povos – e esperanças –
recebem comendas e prebendas.
São promovidos, enaltecidos, empregam a prole,
festejam e são festejados – e sorriem.
O anônimo rouba um homem.
O maior – íntimo dos palácios – rouba cidades e reinos.


Nei Duclós deixou um novo comentário sobre a sua postagem "Três textos":

Prestes e Olga deram um golpe de estado num governo eleito em 1933 por Assembléia Constituinte, por sua vez eleita pelo voto direto (pela primeira vez no Brasil com o voto da mulher). Olga era estrangeira e por isso foi repatriada, conforme os acordos internacionais que existiam entre a Alemanha e todos os países antes da II Guerra. Os campos de concentração só foram descobertos dez anos depois, em 1945,pelos russos. Olga era procurada no seu país de origem e para lá foi remetida, depois de cometer um crime contra instituições legais e legítimas no Brasil.
O golpe de 1935 foi uma quartelada, desencadeada antes da hora porque um movimento por salário da Força Pública de Natal precipitou os acontecimentos, pegando Prestes e o resto da cúpula do movimento (financiado pelos russos) de calça curta. Nos anos 30, conforme verifiquei pessoalmente nos arquivos do Deops paulista quando fiz História na Usp, havia grande agitação e propaganda dentro dos quartéis do Exército e da Força Pública, com formação de células comunistas. A instituição militar , via Dutra e Goes Monteiro, buscava a unidade depois da ruptura em 1930. A quartelada foretaleceu a linha nazista das Forças Armadas e da Política, que preparam o golpe contra as eleições marcadas para 1938. Vargas, com a porção nacionalista do Exército, gorou o golpe em 1937, mantendo-se no poder via Estado Novo(de onde saiu por força de um golpe militar em 1945). Por isso foi punido pelos integralistas, que queriam o poder e promoveram um putsch fracassado em 1938. Vargas abriu o Nordeste para os Aliados, mudando a sorte da guerra na Africa, conforme depoimento de general americano recentemente, e mandou a FEB lutar de armas na mão contra o nazifascismo.
A lei marcial é comum quando há violência contra instituições estatais. No caso de 1935, um governo democraticamente eleito. A tortura é execrável em todos os sentidos mas o episódio Olga Prestes não ficou restrito a um evento policial, pois trata-se de um acontecimento político importante, com consequências até hoje. Precisamos entender a complexidade da história para não reforçar versões consagradas, nem sempre corretas.
Prestes cometeu duas traições. Uma em 1930, quando ficou com o dinheiro que era para a revolução, negando-se a assumir o comando militar do movimento. Outra em 1935, quando, escolhido presidente de honra da ANL, um movimento de masssas democrático e de amplo espectro ideológico, optou pela quartelada. 

Um comentário:

  1. Prestes e Olga deram um golpe de estado num governo eleito em 1933 por Assembléia Constituinte, por sua vez eleita pelo voto direto (pela primeira vez no Brasil com o voto da mulher). Olga era estrangeira e por isso foi repatriada, conforme os acordos internacionais que existiam entre a Alemanha e todos os países antes da II Guerra. Os campos de concentração só foram descobertos dez anos depois, em 1945,pelos russos. Olga era procurada no seu país de origem e para lá foi remetida, depois de cometer um crime contra instituições legais e legítimas no Brasil.


    O golpe de 1935 foi uma quartelada, desencadeada antes da hora porque um movimento por salário da Força Pública de Natal precipitou os acontecimentos, pegando Prestes e o resto da cúpula do movimento (financiado pelos russos) de calça curta. Nos anos 30, conforme verifiquei pessoalmente nos arquivos do Deops paulista quando fiz História na Usp, havia grande agitação e propaganda dentro dos quartéis do Exército e da Força Pública, com formação de células comunistas. A instituição militar , via Dutra e Goes Monteiro, buscava a unidade depois da ruptura em 1930. A quartelada foretaleceu a linha nazista das Forças Armadas e da Política, que preparam o golpe contra as eleições marcadas para 1938. Vargas, com a porção nacionalista do Exército, gorou o golpe em 1937, mantendo-se no poder via Estado Novo(de onde saiu por força de um golpe militar em 1945). Por isso foi punido pelos integralistas, que queriam o poder e promoveram um putsch fracassado em 1938. Vargas abriu o Nordeste para os Aliados, mudando a sorte da guerra na Africa, conforme depoimento de general americano recentemente, e mandou a FEB lutar de armas na mão contra o nazifascismo.

    A lei marcial é comum quando há violência contra instituições estatais. No caso de 1935, um governo democraticamente eleito. A tortura é execrável em todos os sentidos mas o episódio Olga Prestes não ficou restrito a um evento policial, pois trata-se de um acontecimento político importante, com consequências até hoje. Precisamos entender a complexidade da história para não reforçar versões consagradas, nem sempre corretas.

    Prestes cometeu duas traições. Uma em 1930, quando ficou com o dinheiro que era para a revolução, negando-se a assumir o comando militar do movimento. Outra em 1935, quando, escolhido presidente de honra da ANL, um movimento de masssas democrático e de amplo espectro ideológico, optou pela quartelada.

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