domingo, 1 de abril de 2012

Luisa, o gelo e Aureliano Buendía


Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo. Macondo era então uma aldeia de vinte casas de barro e taquara, construídas à margem de um rio de águas diáfanas que se precipitavam por um leito de pedras polidas, brancas e enormes como ovos pré-históricos. O mundo era tão recente que muitas coisas careciam de nome e para mencioná-las se precisava apontar com o dedo. Todos os anos, pelo mês de março, uma família de ciganos esfarrapados plantava a sua tenda perto da aldeia e, com um grande alvoroço de apitos e tambores, dava a conhecer os novos inventos.

    Jamais esquecerei este primeiro parágrafo de Cien Años de Soledad do Gabo, aquele que levou uma porrada no Vargas Losa, por ciúmes...dizem.
    Morava em Santa Maria, anos 70, com um amigo chamado Luiz Alberto Hebeche. Era de Quaraí, como eu, a diferença é que o cara era extremamente inteligente e lia pracas.
    Um dia, na minha frente, recitou o início do romance de Gabriel Garcia Marques. Cheguei a ficar em dúvida se o que falou era de sua própria lavra. Honesto, rapidamente me disse que assim começava Cien Años de Soledad. Li, reli, e leio até hoje. Macondo é Quaraí. Aqueles fantasmas todos já habitavam a minha mente...a añares.
     Hoje, fazendo um assado em casa, abri o isopor onde estava a cerveja, e a minha neta Luisa colocou a mão no gelo e gritou: aiiii! Riu e voltou a colocar a mão no gelo e voltou a rir daquela sensação nova, estranha que me remeteu imediatamente ao Coronel Aureliano Buendía quando diante do pelotão de fuzilamento havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo. 
    Bem, o meu amigo, aquele lá de Quaraí, o Hebeche, hoje é doutor em filosofia e escritor, dos bons. A minha neta está cada vez mais linda. O gelo, bem, o gelo continua eterno na sua fugacidade. Eu? tomei toda a cerveja!

Comentário de Luiz alberto Hebeche:
Olá Canga. Foi muito legal ter lido alguma das tuas recordações, principalmente detalhes que eu havia esquecido por completo como a leitura do começo de Cem anos de solidão, quando estávamos em Santa Maria naquele apartamento na Avenida Rio Branco lugar, aliás, de muitas das nossa aventuras e, enfim, quando éramos tão jovens que o futuro nos causava vertigem. Também gostei de - pela surpresa da tua neta diante do gelo - teres também lembrado de Quaraí, nossa Macondo. Foi lá que passamos nossa infância, meu chapa. E foi lá que descobri que o Canga seria sempre o Canga: talentoso, criativo, provocador e, enfim, o desafiador das convenções e das coisas estabelecidas. Vamos tomar outras cervejas, e lembrar, pois só que que lembram podem seguir adiante em meios às trevas do nosso tempo. Um grande abraço do Hebeche.  
 

3 comentários:

  1. A Luisa ainda vai render um Nobel...

    Saludos de José Arcadio.

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  2. Muito bom, caro Canga, teres lembrado da nossa infância em Quaraí (Macondo) e dos nossos anos dourados da juventude em Santa Maria (Paris). E continuas a ser o que sempre fostes: criativo e polêmico. Um abração do Hebeche.

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  3. Linda sua sua associação com o gelo de Aureliano Buendia, este guerreiro incansável que nem para morrer teve descanso, eis que morreu urinando em pé. Peço um visita a meu blogue.

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