quinta-feira, 15 de maio de 2014

DEPOIS DE AMANHÃ

Por Emanuel Medeiros vieira

Compreendeu que morrer era nunca mais estar com os amigos – lembrou-se de um conto de Gabriel Garcia Márquez.


Depois de amanhã?
Depois de amanhã.

Nunca mais veria aquela árvore ou escutaria o canto dos pássaros,
O futuro fora interrompido – era isso morrer?
Um presságio.
Restará algo? Algum encantamento?
“Sou em grande parte, a mesma prosa que escrevo." (Fernando Pessoa, “Livro do Desassossego”)

“Como ele gosta de citar”, adverte um promotor interno,
Prosa poética?
Só dúvidas, e tudo agora é noite, nunca mais sentirá esses cheiros, como daquela tangerina, o sol da manhã na pele, ele, o papel e o lápis rompendo a aurora – é de outros tempos, dos últimos humanistas epistolares.

“É evidente a autopiedade”, reclama um anjo torto.
“É pessimista, triste”, reforça outro.
“Ele sempre espera o pior”, insiste o primeiro anjo.

Outro – mais severo com os seus pares – afirma: “Mas sua geração nasceu no meio de escombros de uma guerra, de ruínas, de caos, de fragmentos (nunca da totalidade), de sonhos desfeitos, de desterros. E ainda assim, valoriza o que parece tão pequeno, e tem sempre o mar no seu coração”.
Indaga-se: quem ainda se interessa pela literatura? Pela verdadeira, orgânica, não por fama, prebendas, sonhos de glória.
A velhice é um massacre?
Só contempla magias, busca raivosa de dinheiro, drogas, ódios, fugas aparatos tecno-eletrônicos – assim, as pessoas acreditam que vão suportar o cotidiano (esta vida).

“Ele precisa de silêncio, longe do insensato mundo” – outra voz.
“Sente na pele o ocaso das utopias” – outro observador.

Monologa: monetarização de tudo, busca intensa de exposição – ser celebridade.
Máquina infernal de hierarquias, extorsões, carnificinas –, tudo erigido pela violência.

“O severo moralista manifesta-se de novo”, ri outro anjo.
“Toda cabeça está doente, todo coração extenuado (...) Vossa terra está desolada, vossas cidades queimadas” (Isaías, 1-5/7).

E depois de amanhã, acabarás.
E serás apenas pó e memória.
Apenas? É tanto.

Mas siga assim mesmo, sempre – até depois de amanhã.

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