quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Jornal português entrevista primeiro delator da Lava Jato

Denunciante do maior caso de corrupção no Brasil garante que dinheiro passou pelo BES
Magnus regressou ao Brasil para testemunhar (Foto Nuno Santos)
Cristina Ferreira e Paulo Pena
03/02/2015 - 07:22
   Hermes Freitas Magnus é a testemunha-chave do caso Lava Jato, que deu origem a várias investigações da justiça brasileira, levou para a prisão alguns responsáveis de grandes empresas e tem na mira mais de uma dezena de políticos. Contou ao PÚBLICO como tentaram fazer com que transportasse ilegalmente dinheiro de contas no BES.

   Hermes Freitas Magnus é um "gaúcho", descendente de alemães e portugueses. “Inventor”, como gosta de se definir, e empresário, envolveu-se num dos casos mais complexos da história política brasileira. Em 2008, depois de ter feito uma sociedade com um conhecido político do Paraná José Janene, resolveu denunciar à justiça um esquema de corrupção que, seis anos depois, se transformaria no maior escândalo político-empresarial daquele país.

   De passagem por Lisboa, onde fez uma curta escala a caminho do Brasil (onde se encontra para depor no processo judicial), contou ao PÚBLICO que há uma ligação entre os três casos que marcaram os últimos anos no Brasil - "mensalão, lava jato e petrolão". E que há um elo português nesta história: “José Janene tinha dinheiro aqui, no BES.” Dinheiro que, alega, se destinava a ser “lavado” e regressar, depois, ao Brasil. No final de 2008, pouco antes de começar a denunciar o caso à Polícia Federal, Hermes Magnus foi contactado para servir de “mula”: “Queriam que eu levasse para o Brasil dinheiro de contas do BES, no Porto. As contas eram dele [Janene], para lavar dinheiro em Portugal, mas ouvi dizer que estavam associadas a sociedades off-shore .”

   Magnus recusou, e o seu substituto nessa operação acabaria por ser preso, num aeroporto brasileiro, com mais de 600 mil euros escondidos na roupa interior. Todos estes factos, incluindo a utilização do banco português, foram transmitidos por Magnus às autoridades brasileiras.

   O empresário teve de “fugir do Brasil”, onde foi ameaçado, vítima de perseguição e de fogo posto na sua casa. Só seis anos depois de ter denunciado o caso, viu, “pela televisão”, que os homens que referira à justiça estavam a ser presos. Entre eles está o “doleiro” (cambista ilegal) Alberto Youssef, parceiro de José Janene, e principal elo de ligação entre os vários casos de corrupção entre dirigentes políticos, grandes empresas e sociedades de fachada. Uma destas propôs sociedade à empresa de Magnus, a Dunel, e foi assim que tudo começou. Hermes Magnus assumiu-se como vítima do processo Lava-Jato e pediu ao juiz federal, o brasileiro Sérgio Moro, que proteja os seus interesses. O PÚBLICO teve acesso em primeira-mão àparticipação entregue no tribunal no passado dia 30 de Janeiro e onde o empresário relata o seu papel como denunciante e os prejuízos que alega ter sofrido de reputação, morais e financeiros.

   As suas denuncias demoraram seis anos a produzir efeitos. Sabe porquê?


A ficha caiu, como se diz, este ano. No início de 2014, estava eu vendo TV, passa Alberto Youssef algemado [o “doleiro”, cambista ilegal, envolvido no “mensalão” e na operação Lava Jato, é um dos principais “arrependidos” do processo]. Eu conheço esse aí! Comemos churrasco juntos. Nessa mesma hora mandei um e-mail para o juiz que investiga o caso. E ele me respondeu: 'As informações que nos enviou foram fundamentais para esse processo.' Foram as minhas informações que deram origem à Lava Jato.

Mas as suas primeiras denúncias foram feitas em 2008. Na altura ninguém percebeu o que estava a denunciar?
Diziam: “Mais um caso…” Diziam que era uma briga comercial minha com o José Janene [político brasileiro, líder do Partido Progressista na câmara dos deputados em Brasília, e dirigente do Estado do Paraná, acusado no caso “mensalão”]. Com todas as provas que juntei, como vi que não adiantava de nada, fugi do Brasil, no final de 2008. Fui para a Suécia. E em Abril de 2009 fui para os Estados Unidos. Onde fui perseguido também. Não aguentei a pressão no Brasil. Puseram fogo em minha casa, assaltaram o meu carro, esvaziaram minhas contas no banco. Em Fevereiro comecei a dar depoimentos à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal. Mas fiquei brigando sozinho. Foi uma sensação horrível. Fui recomeçar a minha vida numa garagem nos EUA. Fui começar do zero. Produzir equipamentos de teste para certificação eléctrica.

Mas antes disso contactou o juiz Sérgio Fernando Moro, que conduziu as investigações na operação Lava Jato?
   A conselho de um delegado que eu conhecia, que estava prestes a entrar na reforma, juntei todas as provas e entreguei para o juiz Sérgio Moro. Foi no início de 2009. Ele me deu o e-mail do juiz e eu enviei. O juiz me respondeu, agradecendo. Eu já vinha falando com a Polícia Federal desde 2008, mas o caso não andava… José Janene era “dono” daquela parte do Estado do Paraná.

E quando se apercebeu de que estava a ser envolvido num esquema de corrupção?
   
   Foi logo na segunda semana. Andava à procura de um investidor. E eles apareceram, dizendo: vamos investir na sua empresa e pode ser via bancos do Governo ou com dinheiro nosso, de empresas de construção, o que dispensa burocracias. Como eu e a minha sócia éramos inexperientes, não levámos o projecto a um advogado. Até porque eles nos disseram: é pegar ou largar. E aceitámos. A partir de certa altura, eles começaram a colocar gente da família deles na empresa e começaram a fazer compras estranhas. Por exemplo: precisávamos de um quilo de alumínio e eles compravam cem quilos. E depois transferiam para as empresas deles ou vendiam. O Alberto Youssef sempre esteve ligado ao Governo. Ele levava negócios ao Governo para que este desse garantia de que os aceitava. Havia uma extorsão de dinheiro ao Governo. Eles investiam um milhão e ficavam com 50% da minha empresa.

Leia entrevista completa: Beba na fonte.

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