segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Chuvas alagam obras do novo prédio do MP-SC (Casa Rosa)

   Matéria que recebi do leitor Márcio Jose Fidencio

   Segue em arquivo anexo, foto tirada na manhã deste sábado, 14/02/15, do alagamento ocorrido nas escavações dos 3 sub-solos de garagens do prédio comercial em construção, que o MP-SC adquiriu na Rua Bocaiuva, ‎conhecido como "terreno da Casa Rosa", da construtora "Becker Construção Civil Ltda", de Paulo Roberto Becker.

   O referido alagamento deverá causar ainda mais atrasos no cronograma de entrega da referida obra, que, mesmo 14 meses após assinado contrato de construção, e pago de entrada de mais de 30 milhões de reais, ainda se encontra apenas na fase de escavação dos sub-solos de garagens.

   Moradores do predio em frente, estão apreensivos com a possibilidade do alagamento vir a atingir a estrutura do ‎predio comercial existente ao lado do terreno.

‎   O que provocou o alagamento total dos 3 sub-solos das obras do novo prédio do MP-SC, localizado na Rua Bocaiuva (Casa Rosa), no centro de Florianópolis, foi, além da chuva de sexta e sábado na capital, foi o aumento de vazao do riacho que existe no local, que atravessa o terreno, e que foi indevidamente canalizado pela construtora "Becker Construção Civil Ltda", de propriedade de Paulo Becker.

‎   Segue também, em arquivo em anexo, outras 2 fotos tirada do mesmo local, na tarde de ontem, domingo. O cenário no local continua o mesmo, mas, existe uma bomba fazendo a drenagem. Repare na segunda foto, que parte do muro ao lado da Casa Rosa caiu, e talvez tenha a água invadido as garagens do sub solo do prédio vizinho, e, afetado a construção antiga tombada existente (a casa rosa).

   Sobre esse assunto do "riacho" que corta o terreno, leia o Editorial do Jornal "O Riosulense", que trata desse assunto:

O “riacho da Malária”, o Ministério Público e os 123 milhões de reais
   Riacho da Malária”, rio do Carreirão, ou canal da Rio Branco, são diferentes nomes de um antigo curso d’água que por décadas passou tranquilo pelo centro de Florianópolis. Sua existência já era reconhecida no Plano da Vila de Desterro de 1777 e o seu percurso ganhou mais precisão na Planta Topográfica de 1876: nascia em algum lugar próximo ao atual Ceisa Center e era o coletor natural das águas que seguem pela Gama d’Eça até a Casa do Barão, onde fazem uma deflexão, passam pela Travessa Carreirão e desembocam no mar.

   A cidade foi sendo urbanizada e o riacho, canalizado. Os curiosos que queiram conhecer o Rio do Carreirão ainda podem vê-lo passar espremido entre edifícios da rua Presidente Coutinho, entre a rua Esteves Junior e Avenida Gama d’Eça, ou talvez nos fundos de um imóvel na travessa próxima à avenida Beira Mar.

   Hoje, este mesmo riacho que cruzava as chácaras da elite local de outrora, está no centro de uma polêmica que relaciona questões ambientais e urbanísticas, a defesa do interesse público e suspeitas de corrupção por parte da Prefeitura de Florianópolis e do Ministério Público de Santa Catarina. Tal riacho cruzava o quintal arborizado da “Casa Rosa”, na Avenida Bocaiúva, onde um edifício comercial, ainda a ser construído, foi comprado pelo MP pelo valor de 123 milhões de reais.

   A polêmica se deve basicamente a irregularidades no licenciamento da obra e ao escandaloso valor de compra, envolvendo questões técnicas e políticas: suspeita de superfaturamento; alto custo do imóvel; compra sem licitação; licença de construção expedida no “apagar das luzes” do governo Dário, em desacordo com estudo ambiental da Floram (que nem chegou a ser concluído); corte de dezenas de árvores; desvio de curso d’água; falta de aprovação dos departamentos de patrimônio histórico antes do início das obras; etc.

   Uma CPI acaba de ser criada na Assembleia Legislativa e deve investigar a compra do imóvel pelo Ministério Público. O inquérito, inédito sobre o MP no estado, tenta pôr luz sobre pontos obscuros da negociação: valores de referência do m2 superestimados; potencial construtivo sobredimensionado; dúvidas sobre a data da formalização da compra (oficialmente do final de 2012, mas há indícios de que negociações ocorriam pelo menos desde 2010).

   Algumas questões urbanístico-ambientais do projeto aprovado, por outro lado, permanecem obscuras e não se extinguirão até que a Prefeitura suspenda (de novo) a licença de construção. Vamos nos concentrar em algumas destas questões e contrastá-las com o projeto aprovado no final de 2012. O resultado é impressionante. O projeto não apenas subverte os pareceres ambientais e de proteção ao patrimônio contrários, como transcende as próprias solicitações da construtora manifestada à Prefeitura, indo além do analisado tecnicamente e do discutido juridicamente. Vejamos alguns casos.

   A polêmica “rio x esgoto” – Uma guerra de nomenclaturas esteve presente em todas as fases do licenciamento. Enquanto a Floram adotava o nome “Canal da Rio Branco” nos seus estudos e sempre exigiu o afastamento de no mínimo 15m em cada margem do curso d’água (com apoio do próprio Ministério Público, à época), a construtora em todos os documentos técnicos se referia ao canal como “esgoto” ou fazia alusão à alcunha “Riacho da Malária”. Assumindo que um rio deve ser protegido e ter as suas margens não-edificáveis (o que fatalmente reduziria o potencial construtivo e os lucros esperados com o empreendimento), o primeiro argumento da construtora foi negar o reconhecimento de que aquele fosse um rio.

Após o embargo judicial que suspendeu a obra, a defesa da construtora misturaria este argumento com outro, o de que o rio em questão se encontraria antropizado. Fosse ele um esgoto ou um rio vítima da urbanização voraz da cidade, o canal da Rio Branco não mereceria ser protegido.

   Da cobertura da vala ao desvio do curso d’água – Mesmo aceitando os (ambíguos) argumentos da construtora, o seu pedido inicialmente manifestado à Prefeitura, e que foi objeto tanto de parecer técnico privado quanto do inconcluso estudo da Floram, não corresponde ao que se vê no projeto aprovado. O solicitado e analisado era a “cobertura do canal”, mantendo a sua seção de 2m de largura e dispensa do afastamento de 15m.

   O projeto, no entanto, vai muito além. O projeto desvia o canal (que deveria continuar pelo terreno vizinho, atual quartel do exército) e encaminha as suas águas diretamente para a rede de esgotos na avenida Bocaiúva, passando em seção fechada (reduzida a 1,5m), pela lateral do primeiro subsolo, como se pode ver no corte do projeto do edifício. Tal medida deve-se a necessidades do projeto arquitetônico. Para viabilizar a construção de três subsolos de garagem, as águas enclausuradas não poderiam passar perpendiculares ao edifício, mas ao seu lado.

   Ou seja, não satisfeita com poder desconsiderar afastamentos, a construtora pretende desviar as suas águas e conectá-lo ao esgoto. Juridicamente, a questão fundamental é que os pareceres técnicos usados pela construtora (de 2010 e 2011), se referiam a questões específicas solicitadas previamente (cobertura do rio e dispensa de afastamento) e não ao desvio do riacho e conexão à rede de esgoto, algo novo que surgiu no projeto aprovado e que não foi objeto de análise dos estudos de impacto ambiental.

   De curso d’água a esgoto: os riscos – Além da irregularidade jurídica, a licença concedida sem base em estudo técnico apropriado traz riscos ao esgotamento hidro-sanitário da região. O Canal da Rio Branco faz a drenagem de uma área de cerca de 370 mil m2 do centro de Florianópolis, o que supõe um enorme volume de água nos dias de chuva. A conexão de águas pluviais ao esgoto pode provocar um colapso da rede. Se há suporte para tal, deve ser feito um estudo neste sentido que o comprove. Mas, como vimos, este tema não foi previsto pelos estudos feitos em 2010 e 2011. Curiosamente, a solução é inversa à típica ilegalidade cometida em Florianópolis de se conectar esgotos ao coletor de águas pluviais. Neste caso, consentida pelo município, que aprovando o projeto, acabou por decretar a extinção do riacho.

   A função social da propriedade x o direito de construir: a raiz do problema – Caso fosse respeitado o afastamento de 15m em cada margem do rio, como determinado na Lei nº 6.766 /79, o potencial construtivo do terreno seria bastante limitado, o que teria como efeito direto a redução dos lucros esperados pela construtora com o negócio, como já foi dito. Cabe lembrar um outro tipo de afastamento que incide e limitaria o projeto: o afastamento de 20m desde a fachada dos fundos da Casa Rosa, um bem tombado.

   É esse o afastamento mínimo exigido, de acordo com os pareceres dos órgãos de patrimônio histórico consultados. Tal afastamento, não é seguido no Termo de Compromisso assinado entre o município e a construtora. O termo alega questões de volumetria para estabelecer que o novo edifício esteja no mesmo alinhamento dos edifícios da Casa do Barão, o que resultaria em um afastamento de apenas 10m entre os fundos da Casa Rosa e a fachada do novo edifício.

   É absurdo que o município tenha proposto que um critério menos restritivo tenha se sobreposto ao mais restritivo (de patrimônio histórico). Se fosse respeitado o afastamento de 20m e mantido o gabarito, isso implicaria em uma redução da área de todas as lajes do empreendimento, com grande impacto sobre o valor geral de venda do imóvel. O potencial construtivo do imóvel poderia estar sobredimensionado também de acordo com outros critérios.

   Cabe lembrar que os estudos de viabilidade realizados em 2005 permitiam um potencial construtivo de 12 mil m2 para o terreno e que o projeto aprovado em 2012 prevê uma área construída de 20 mil m2. O que se vê é que o direito de construir do proprietário prevaleceu em todos os casos, em detrimento do meio ambiente e da proteção ao patrimônio histórico. A função social da propriedade, regulamentada pelo Estatuto da Cidade, implica ônus ao proprietário, como restrições de exercício do direito de construir.

   Foi garantida na Constituição justamente para promover o aproveitamento racional e eficiente, com a adequada utilização doss recursos naturais e a preservação do meio ambiente. A função social é inerente ao exercício da propriedade.

   Tanta polêmica deveria servir a uma reflexão mais ampla sobre urbanismo e meio ambiente, que não se limite a “permitir” ou “proibir” a contrução do edifício, ou à “compra” ou “não compra” pelo MP. É lícito que a construtora recorra ao caráter antropizado do rio como argumento para flexibilizar as restrições ambientais.

   O papel dos rios urbanos, muitos deles “invisíveis”, debaixo de ruas e edifícios, é uma discussão necessária que, no entanto, deve ser coletiva e liderada pelo poder público, e não manipulada para auferir ganhos imobiliários privados. Sem uma política de macrodrenagem em Florianópolis e um plano diretor para os cursos d’água, os critérios para as decisões e os parâmetros para ocupação serão sempre pontuais e sujeitos a variações, de acordo com a persuasão do poder econômico e a complacência do município.

   Quem deveria mediar o debate entre a sociedade, o município e a legislação ambiental? Quem defende o interesse coletivo difuso em um caso como este? Como é sabido, o papel cabe em grande parte ao Ministério Público. Advogado e réu, neste caso, colocando-nos diante de uma equação atípica. No entanto, já sabemos que sem atender ao interesse público, o desenvolvimento imobiliário privado segue a sua própria lógica. Busca a todo custo maximizar o potencial construtivo dos seus empreendimentos, ainda que o resultado empobreça as cidades... e transforme os rios em esgotos.‎


Comentário do leitor:
Canga, 
Pela Resolução 004/2011 da AGESAN, artigo 113, item VIII, "Constitui infração a prática decorrente da ação ou omissão do usuário, relativa a qualquer dos seguintes fatos:
VIII- Lançamento de águas pluviais nas instalações ou coletores prediais de esgoto sanitários".
Portanto, o Rio do Carreirão não poderá ser interligado na rede coletoras de esgotos, pelos motivos óbvios relatados quanto a capacidade da rede e das estações elevatória de esgotos, que foram dimensionadas para transportar e bombear volumes de esgoto e não volumes das águas pluviais.
Abs
Afonso Azevedo

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