quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Valsa Eleitoral no Abismo Brasileiro

por Eduardo Guerini
O aspecto mais desolador dos “debates” políticos na televisão, nessa campanha eleitoral é que não há debate. Para que debate houvesse, seria necessário que os partidos fossem partidos verdadeiros, com doutrina e projeto de nação. (José de Souza Martins. O poder oculto. Valor, 24/08/2018)
  
A conjuntura econômica brasileira continua se deteriorando em face ao desenrolar da campanha eleitoral de 2018. Os últimos dados da PNAD contínua, demonstra que o universo de brasileiros desempregados continua alto (12,4%), com elevação da força de trabalho subutilizada, representando hoje aproximadamente 27,6 milhões de brasileiros no drama socioeconômico da falta de emprego e renda.

   Os planos de governo expostos pelos candidatos apresentam programas que denotam a distância entre a realidade da maioria da população e os desejos dos partidos políticos e suas lideranças. As sucessivas sabatinas e debates com os presidenciáveis não conseguiram retirar o eleitor do desalento, tal como o universo de brasileiros que desistiu de buscar um posto de trabalho para sair da informalidade. As projeções de crescimento econômico divulgados semanalmente no boletim Focus, destronam qualquer perspectiva de melhoria no curto prazo.

   A propalada geração de empregos com a famigerada reforma trabalhista, redundou na precarização do mercado de trabalho, com aumento de pessoas buscando emprego há mais de dois anos (3,162 milhões),e, outros trabalhadores tentando uma vaga há mais de um ano (1,857 milhões). Os dados da flutuação do emprego observados no CAGED referente ao mês de julho de 2018, comemorados como melhor mês desde 2012, não são alentadores, estamos gerando menos postos de trabalho, em detrimento ao desemprego aberto de 13 milhões de pessoas.

   Neste cenário devastador, as perspectivas econômicas encolhem, o crescimento prospectivo para os anos vindouros do próximo presidente da República, se estreitam, com previsão de elevação do PIB na ordem de 2,5%, no período de 2019-2021. A desesperança tomou conta do eleitorado, fruto de uma corrupção generalizada, descrença nos candidatos e nos partidos, sejam de esquerda ou de direita.

   A demonização da política e dos políticos, resultado da falta de ética e compromissos desceu de patamar para a antipolítica, fruto do excesso de demagogia com mistificação, de beneplácitos e compadrio, familismo e patrimonialismo entre elites dirigentes que cotidianamente dão prova cabal de descompromisso com o interesse público, com construção de um projeto de nação.

   Neste cardápio eleitoral indigesto e putrefato, não há nenhum programa de governo, que toca nas questões da reforma do Estado brasileiro, no aprofundamento da democratização das decisões fundamentais que afetam o cotidiano dos brasileiros, tais como consultas públicas, plebiscitos e referendos. Todos os problemas estão embrulhados num pacote de maldades ofertados pelos agentes de mercado, ou, no pacto de bondades do Estado, com candidatos mais ou menos servis ao grande interesse da estrutura partidária, construir um projeto de poder.

   O projeto vitorioso brindará com seus comparsas, festejando uma vez mais, o estelionato eleitoral que foi elaborado por marqueteiros de plantão e suas pesquisas de opinião qualitativas, distribuindo as sobras do banquete durante os próximos quatro anos. Assim, seguimos valsando no abismo eleitoral, com nossa política de gado, num povo marcado, um povo infeliz!!

quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Memória e Linguagem

por Emanuel Medeiros Vieira ("Em memória de João Otávio Neves Filho (Janga)").  
Quero falar da memória não como algo mecânico, mas como base de toda a identidade.
   Memória como instrumento de justiça e de misericórdia.
   Não por acaso, na mitologia grega, Mnemosine, a memória, é a mãe das Musas, ou seja, de todas as artes, do que dá forma e sentido à vida.
   Sim, ela protege a vida do nada e do esquecimento.
   A literatura não deixa de ser (também) um instrumento de transfiguração de um momento (eternizar a memória).
   Uma busca de perenizar o instante para convertê-lo em sempre.
   O ato da lembrança é ao mesmo tempo caridade e justiça para as vítimas do mal e do esquecimento.
   Muitas vezes, indivíduos e povos desapareceram no silêncio e na escuridão.
   Muitos devem se lembrar das ditaduras que, apagando as fotografias dos banidos querem, em verdade, apagar a sua memória.
   A memória é resistência a um tipo de violência: àquela infligida às vítimas do esquecimento.
   A memória é o fundamento de toda identidade, individual e coletiva. Guardiã e testemunha, a memória é também garantia da liberdade.
   A linguagem é edificada para a construção dos textos que querem eternizar nossa brevidade, a nossa finitude.
   Como observa a filósofa e historiadora, Regina Schöpke, “quanto mais inconsciente ou subliminar é a linguagem, mais fortemente ela age sobre nós, mais ela nos domina e nos dirige.”    Os filósofos e filólogos sabem disso.
   Estes últimos, veem nela não apenas uma ferramenta da razão para dar conta do mundo, mas, sobretudo, uma segunda natureza.
   “Algo que, de certa forma, produz o mundo, e não apenas o representa”, como observa a autora citada.
   Os gregos já enfrentavam a questão.
   Nietzsche – que além de filósofo era também filólogo – chamava esse universo da linguagem de “duplo afastamento do real”, de “segunda metáfora”.
   Porque aí os homens lidavam com conceitos e não apenas com o mundo em si.
   A linguagem pode ser instrumento de dominação, estimulando um preconceito racial, como fizeram os nazistas, alimentando o fanatismo e o preconceito, gerando um horror como raramente (ou nunca) se viu na História.
   Todo sistema com ambições totalitárias, como detectou a pensadora, tem necessidade de produzir um discurso, uma mitologia e palavras de ordem.
   É um exercício mental doloroso, mas assim a gente pode entender como uma cultura que produziu tanta beleza com Goethe, Beethoven, Nietzsche, Hegel, Wagner e outros, tenha mergulhado, com o nazismo, na mais profunda irracionalidade, onde o Mal apareceu com toda a sua força, ou melhor, em toda a sua plenitude.
   Tento meditar sobre esses assuntos, entre outras razões, porque a falta do estudo da filosofia para quem tem menos de 60 anos, criou um tremendo vácuo cultural.
   Fundou-se o universo utilitário, da posse imediata. Só vale o que tem valor contábil. 


   Faço minha a proclamação de Michel Foucault: “Não se apaixone pelo poder.”

quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Eleições 2018: Um deserto de ideias

por Eduardo Guerini
Se um país é regido pelos princípios da razão, a pobreza e a miséria são objeto de vergonha. Se um país não é regido pelos princípios da razão, a riqueza e as honras são objeto de vergonha. (Confúcio, Século V a. C.)
   

   No caminho das eleições presidenciais no Brasil em 2018, o que se observa objetivamente são candidatos que desconhecem ou fingem desconhecer a realidade brasileira atual. A crise atual é de legitimidade do processo de escolhas partidárias que relega aos filiados a condição de espectador, e, para os eleitores em geral a condição de um idiota funcional.

   As primeiras sabatinas e debates dos candidatos tem demonstrado que prospera nas elites políticas um vazio existencial deixado no rastro da corrupção que se generalizou no aparato estatal brasileiro, os projetos de poder dos partidos e coligações valem mais do que um projeto de nação. Em nenhum momento o programa de governo, o desenho institucional, ou ainda, a forma de planejar o futuro do Brasil foi destacada pelos candidatos. Apenas um deserto de ideias dispersas e disparatadas que transforma o eleitor em espectador desesperançado e desalentado com o futuro mandatário da nação.

   Na turbulenta e desesperadora condição da economia nacional que continua apresentando estatísticas que deserdam os trabalhadores, os candidatos que se alinham no espectro da centro-direita, tratam de expor noções de Estado mínimo, redução dos direitos sociais, e, fundamentalmente retirada de investimentos em educação, saúde, segurança e saneamento. É a tal da eficiência de uma máquina que alimenta o sistema financeiro com juros polpudos, e, empobrece cada vez mais os seus concidadãos. A economia patina, com taxa de desemprego e informalidade se mantendo em patamares inaceitáveis para uma realidade sofrível de milhões de brasileiros.

   Na centro-esquerda, a fragmentação em prol do exclusivismo do Partido dos Trabalhadores tentando salvar a herança retrospectiva dos governos de Lula e Dilma, propagará novamente a divisão para perda de hegemonia do discurso de inclusão social. A lógica de integrar uma base social excluída e marginalizada do progresso econômico pelo aumento do padrão de consumo naufragou. A ausência de uma política de redistribuição de renda não encanta mais o cidadão tragado pelo turbilhão da crise.

   A situação socioeconômica brasileira continua inspirando cuidados, mas os candidatos vivem sua “valsa à beira do abismo”, com frases de efeito carecendo de “senso de realidade”, com diagnósticos imprecisos, sustentando posicionamentos para agradar os agentes de mercado. Os candidatos e suas coligações tratam os arranjos pragmáticos em prol de seu instinto fisiológico de sobrevivência, na base de troca de favores e loteamento de cargos antes mesmo da decisão final das eleições, é um caminho em prol da polarização das velhas estruturas alicerçadas em alianças conservadoras.

   No cenário desértico que se transformou a disputa eleitoral, os brasileiros se vem atados na lógica de legitimar um “mal menor”. As reformas estruturais essenciais: tributária, social e política, são esquecidas nos programas, mantendo a velha estrutura de castas corporativas associadas as elites político-empresariais na luta encarniçada para manter privilégios.

   Neste difícil momento de decisão em prol de candidaturas que ofertarão um rosário de promessas, os presidenciáveis seguem com seu escapulário, onde os fiéis defendem cegamente propostas vazias para salvar uma nação de deserdados e desesperançados!! 


segunda-feira, 13 de agosto de 2018

BOLA FORA

Desinformado, candidato do PMDB ao governo gera conflito com declarações sobre carreiras militares em SC
   
Uma declaração do candidato Mauro Mariani (MDB) em entrevista à Gazeta de São Bento do Sul, na última sexta-feira (10) gerou a primeira polêmica da eleição 2018. Ao comentar que, caso eleito, vai combater o que classifica de “corporativismo”, Mariani usou como exemplo os policiais e bombeiros militares.
   
   Afirmou o candidato do MDB: “(...) não se pode permitir mais que policiais militares se aposentem com 40 anos de idade e no dia da aposentadoria sejam promovidos para ficarem em casa e recebendo salário mais alto”.

   A reação foi imediata. O ex-comandante geral da Polícia Militar, Paulo Henrique Hemm, usou as redes sociais para criticar duramente o candidato, a quem acusou de “nunca ter visto a cor de uma carteira de trabalho”.
   Afirmou o ex-comandante: “Lamentável quando um postulante a um cargo eletivo sem conhecimento de causa, que há muito tempo fez da política uma profissão, sem nunca ter visto a cor de uma carteira de trabalho querer legislar sobre a previdência e  tempo de serviço de profissionais que se dedicam 24 hs do seu tempo em proteger a população. Lamentável também que se utilize meios de comunicação para transmitir à sociedade que Funcionários só representam encargos para o bolso dos contribuintes.”
   Ferdinando Gregorio, presidente do sindicato dos agentes penitenciários, também criticou a manifestação de Mauro Mariani. Em grupos de WhatsApp de praças e oficiais as declarações também foram o assunto dominante no fim de semana.

   Desinformação
   O que mais irritou os militares, da ativa e da reserva, foi a desinformação do emedebista com relação a questões básicas de duas das mais relevantes carreiras públicas, que são as dos policiais e dos bombeiros.
   Isso porque militar não se aposenta, vai para a condição de inativo na reserva remunerada da respectiva corporação depois de ter cumprido, no caso dos homens, tempo total de 30 anos de contribuição.
   Ou seja, para ir para a reserva com 40 anos, como acusa e critica Mauro Mariani, o militar teria que ter começado a trabalhar com carteira assinada com 10 anos de idade. Além disso, quando o militar é movimentado para a reserva remunerada não existe promoção alguma, ao contrário do que afirma Mariani. O militar vai para a reserva com o mesmo posto, se oficial, ou a mesma graduação, se praça, que possuía na ativa.

quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Voando às Cegas

por Eduardo Guerini

“Eu vejo o futuro repetir o passado
Eu vejo um museu de grandes novidades
O tempo não para
Não para não, não para.”
(Cazuza. O tempo não para) 
 
    As eleições estão se aproximando. Os partidos e suas lideranças políticas se movimentaram internamente para realização de convenções, assim como, formação de coligações, linhas de apoio. Porém, as coalizões pretendidas nas principais candidaturas ao pleito presidencial, continuam afastando mais do que aproximando o cidadão comum, o eleitor que legitimará o processo democrático brasileiro. Um processo que sofre de déficit de legitimidade, tamanho o nível de desconfiança da sociedade brasileira.

   As coalizões partidárias no contexto brasileiro, num arranjo de caciques regionais e nacionais transformaram as convenções em convescotes, sem conteúdo, sem gosto ou sal, tal o afastamento da classe política daquilo que é desejado e desejável para uma democracia representativa, representantes verdadeiros e confiáveis (identificabilidade ideológica e programática).

   A falta de clareza e responsabilidade nos arranjos partidários, indica que seguimos voando às cegas com um cenário de incerteza futura sem precedentes. O flerte de partidos de direita e esquerda, com um condomínio centrista, conduzido por partidos fisiológicos e oportunistas, reproduz a velha novidade que todos renegam: os candidatos e suas alianças queriam capilaridade e tempo de TV. É o aprofundamento da crise do “presidencialismo de coalizão” que se transformou na republiqueta tupiniquim em “presidencialismo de cooptação”.

   A sociedade brasileira continua flanando no abismo econômico, com dados que comprovam que a recessão histórica, continua produzindo desemprego, informalidade, desalento e desesperança de jovens e adultos. Na contingência da falta de um projeto de recuperação do Brasil, a rejeição a construção de consenso, potencializa as saídas autoritárias e populistas. No transformismo de candidatos à direita e à esquerda, o Centrão tomou posse das candidaturas presidenciais, mantendo o loteamento futuro do condomínio político em Brasília.

   No fantasioso apelo do Tribunal Superior Eleitoral que todos os brasileiros deverão votar para que haja democracia, o primeiro ensaio demonstra que os partidos políticos continuarão pouco representativos, as alianças políticas pouco expressivas, as campanhas primarão por uma lógica de realismo fantástico. O conteúdo de obscuridade e opacidade dos programas das coalizões e candidaturas em curso, inequivocamente expõe o pragmatismo dos partidos e suas lideranças no alinhamento dos projetos de poder que negligenciam as demandas crescentes neste país miserável que prima pela exclusão da maioria da sociedade dos mínimos éticos constitucionais em busca da cidadania.

   A falta de renovação política somada à manutenção do “status quo” dos grandes partidos invocam novamente a polarização que embretará o eleitor brasileiro a velha lógica da escolha funcional das sobras de um processo fragmentado, sem “outsiders” ou “novidades”, mantemos um voo sujeito a incertezas, instabilidade e crises.

   É a continuidade de um caminho percorrido desde 1988, que bradamos por uma Constituição Cidadã, com déficit crescente de cidadania para uma sociedade que clama por justiça social. A bandeira brasileira tremula pela “Ordem e Progresso” numa realidade de caos e retrocesso!!