por Marcos Bayer
O ministro de saúde
Luiz Henrique Mandetta recomenda à população uma reflexão, neste final de
semana, sobre o Corona vírus e suas consequências.
Eu faço a minha e
inicio pedindo um exercício de antecipação do futuro sobre a água potável e o
mar. Recentemente na cidade do Rio de Janeiro vimos o que pode acontecer com o
abastecimento depois de um surto de poluição nas nascentes e na bacia hidrográfica
da região. Em Florianópolis, na Lagoa do Peri, fonte de abastecimento parcial
para a Ilha, centenas de pessoas banham-se e provavelmente urinam no
reservatório natural que deve ter uma determinada capacidade para suportar
impurezas. (carrying capacity).
No mar, observamos
imagens da quantidade de matéria plástica poluindo os oceanos, além da morte de
animais, peixes e aves, que se alimentam destes resíduos. Em algum momento
futuro encontraremos situações limites para tais questões.
Disto isto, vamos às
pandemias. Ao longo da História ocorreram diversas. De maneira alegórica, até
as Dez Pragas do Egito. Na Idade Média, vários surtos epidêmicos, muitos deles
relacionados aos excrementos de animais pelas ruas dos burgos e alimentos
apodrecidos nas feiras livres, não vendidos e deixados ao relento.
Os rios, grandes ou
pequenos, foram transmissores de diversas pestes. Talvez ainda sejam...
A realeza europeia
aliada à Igreja detinha grande parte do Capital até a Revolução Francesa.
(1789). Ambos eram sustentados pela população de pequenos produtores agrícolas
e criadores de animais domesticados. Sabe-se que nem a realeza, nem a Igreja
trabalhavam na produção diretamente. Em troca dos tributos coletados nas vilas,
cujo valor era estipulado pelo nobre senhor feudal, ofereciam proteção contra
possíveis invasores e um lugar nos céus, respectivamente. Além da confissão e
do perdão, alívios para a alma.
Importante deixar
gravado que sempre foram os pequenos produtores agrícolas e artesãos
(sapateiro, padeiro, ourives, ferreiro, construtores de casas e etc) que
movimentaram a economia de forma mais rápida e eficiente. Mesmo com o advento
da indústria surgida na Grã Bretanha, do tear até a locomotiva (1826) a linha
Manchester até o porto de Liverpool para levar têxteis para o mundo, os
pequenos produtores e comerciantes são imprescindíveis na cadeia produtiva. Nem
as grandes corporações do século 21 são mais eficientes do que esta cadeia de
pequenos produtores e comerciantes sua capilaridade.
Com o fim da
monarquia na França e o Iluminismo, o nobre foi substituído pela elite
nascente, chamada de burguesia, em razão da organização comercial dos burgos.
Adam Smith (1776) propôs o
liberalismo econômico confirmado por Hayek e Milton Friedman com seu famoso
“não existe almoço grátis”.
Karl Marx (1848) dividiu a produção entre patrões
e empregados, propôs a união destes últimos e salientou a necessidade de
coletivizar os meios de produção (fábricas e etc).
Com a crise de 1929, o governador de Nova York,
Franklin Delano Roosevelt, busca nas ideias de John Maynard Keynes a solução
para tirar a América do buraco. O New Deal é a intervenção do Estado no
processo econômico.
São destas três
fontes que bebe o mundo.
A Europa, depois de
duas guerras mundiais, apesar de algumas monarquias (Reino Unido, Espanha,
Dinamarca, Noruega, Suécia e os Principados de Mônaco, Luxemburgo, Andorra e
outros) souberam se adaptar às relações entre capital e trabalho de maneira
mais equânime. A Europa sentiu a fome, a miséria, a tortura, o estupro, a
dilaceração dos corpos, a doença e desta tragédia surgiram governos mais
equilibrados, onde a distancia entre a elite e o povo diminuiu. A social
democracia foi responsável por parte disto.
A reconstrução europeia
financiada pelo EEUU através do Plano Marshall mostrou que o Estado é a mola
propulsora do desenvolvimento. O valor do Plano Marshall, atualizado, é de U$
100 bilhões de dólares. O Brasil gasta com juros da sua dívida pública R$ 400
bilhões de reais por ano. Mas, junto com o Estado que ampara nas horas de
crise, é preciso seriedade nos três pilares do poder. Executivo, Legislativo e
Judiciário.
Não por acaso, a
Europa é a melhor parte do mundo para se viver.
Educação de
qualidade, assistência publica de saúde, segurança, lazer, cultura, arquitetura
histórica preservada, gastronomia, bebidas de qualidade, sistemas de transporte
publico, rodovias, ferrovias e aerovias, navegação de cabotagem e turismo.
Guernica de Picasso que
estampa os horrores da Guerra Civil Espanhola está em Madrid. A
Colheita de Van Gogh que retrata a fartura está em Amsterdam. Os lados
da vida...
Existem corrupção
politica, negociatas, fraudes e grandes assaltos na Europa. Existe violência
domestica. Sim, existe tudo isto. Mas existe um sistema judiciário que pune a
todos.
Pois bem, voltemos ao
Brasil e ao bichinho da morte. O Corona vírus não é tão letal quanto foram as
duas guerras mundiais. Não é tão feio quanto foram as imagens daquelas guerras.
Não será mais trágico do que Nagasaki ou Hiroshima.
O Brasil elegeu um
novo presidente em 2018, depois de passar a limpo uma parte da sua História.
Diversos membros de partidos políticos saquearam empresas públicas em consorcio
com empresas privadas. A operação Lava a Jato mostra isto. A elite saqueou o
povo.
Quem é a elite? São
os que governam ou governaram, julgam ou julgaram, legislam ou legislaram.
Parte desta elite, aliada a setores empresariais, é podre. Diria até que parte
da mídia também é podre. Os donos do capital formam as elites e pagam seus
representantes políticos.
O Brasil não sofreu
guerras, nem grandes catástrofes ou mortandades. Sofreu ditaduras. Sofreu.
De repente aparece o
Corona vírus em escala mundial e chega ao país. Instala-se no Palácio do
Planalto e no Congresso Nacional.
Começa seu ataque
pelas elites. Numa rapidez fulminante o governo monta um gabinete de guerra
elogiável, cria-se em 48 horas um sistema de votação à distância para aprovação
senatorial da situação de calamidade pública e a mídia bombardeia com as
medidas dos governadores.
O bichinho da morte
pode estar em qualquer lugar, inclusive no centro do poder.
Quando ocorre uma
tragédia como em Brumadinho - MG, fazem sobrevoos, batem fotografias e liberam
alguma verba pública. É o que a elite pode fazer. E o povo que fique entregue à
sua própria sorte. Até hoje procuram pelos corpos...
O ministro da
economia anuncia uma ajuda de R$ 200 reais por mês para os “autônomos” que
ficaram sem renda durante a crise.
Ele mesmo admite, são
38 milhões de autônomos mais 11 milhões de desempregados. Temos quase 50
milhões de brasileiros a ver os navios da elite. Isto é um quarto da população.
E são estes autônomos
que movimentam a base da economia, como já vimos anteriormente. A indústria não
reagirá se não houver compradores. E os compradores surgem com os autônomos.
Mesmo o setor público
poderá sofrer revezes salariais. Isto aumenta a dificuldade da recuperação
econômica.
Nós perdemos o ano de
2019, inteiro, para aprovar um regime de previdência que tirou de quem já teria
pouco para ter menos ainda.
Os juros da dívida
pública consomem 50,7% do orçamento
de 2020. Ou seja, a metade. A elite retirou dinheiro da previdência para poder
honrar a dívida pública. As carreiras de Estado continuam com seus regimes
integrais, mas quem paga a previdência deles é o trabalhador autônomo, esse que
vai receber R$ 200 reais na crise.
Voltando ao ministro
Mandetta, espero que a reflexão seja mais intensa nas elites, pois se não for
por compaixão, será por compulsoriedade.
Pois se o sistema
quebrar ou quando quebrar, os que mais perdem são os que mais têm. As elites!
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