sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Como se roubam nas eleições americanas

 



 
                por Natalia Viana, codiretora da Agência Pública 
   
   Quando, na noite de quarta-feira, o estado americano de Nevada interrompeu sua contagem com apenas 8 mil votos de diferença, anunciando que só atualizaria os números na quinta pela manhã, senti um frio na espinha.

   Imediatamente me vieram à cabeça duas eleições recentes no continente. Em 2018, em Honduras, quando a apertada contagem de votos para a disputa presidencial foi suspensa por uma “queda no sistema” e dois dias depois o presidente apareceu reeleito, seguiram-se diversos e violentos protestos. No ano passado, a suspensão temporária da contagem rápida para as eleições bolivianas levou a protestos, acusações de fraude e ao exílio do presidente Evo Morales.

   Seria diferente, se os Estados Unidos da América fossem ainda a mais sólida democracia do continente. Mas basta ouvir as ameaças contínuas de Donald Trump e de seus eriçados seguidores para perceber que o país do norte está tão à mercê de aventuras autoritárias quanto os nossos.

   Donald Trump tem se aprimorado em desestabilizar a democracia dos EUA de maneiras sem precedentes. Muito antes do dia de votação, já avisava que não ia aceitar nenhum resultado que não fosse sua vitória – e que ia entrar na justiça para isso. Durante a dolorosa milonga em que se transformou a contagem dos votos, entrou com processos contra as normas da Pensilvânia e para pedir a recontagem de votos em Michigan e Wisconsin.

   Nada novo para Trump, que vem há décadas subvertendo o sistema americano com a sua matilha de advogados bem pagos e sem caráter. No livro “American Oligarchs”, a jornalista investigativa Andrea Bersntein demonstra como ele repetidamente evadiu milhões de dólares em impostos, fugiu de investigações, comprou testemunhas e contratou a altos salários procuradores que antes o investigavam. Foi assim que conseguiu montar seu império de entretenimento, que vai de hotéis e cassinos de luxo e campos de golfe, sempre com a marca do terrível mau gosto – império esse que, conforme apontam diversas investigações, pode ser apenas uma grande lavanderia de dinheiro para oligarcas russos.

   Mas Trump não está sozinho nessa. Há pelo menos uma década são exatamente as Cortes que vêm apoiando a derrubada de presidentes na América Latina. Foi a Suprema Corte de Honduras que deu legitimidade ao golpe de estado contra Manuel Zelaya em 2009, quando ele foi sequestrado da sua casa no meio da noite. No Paraguai, depois de um impeachment que durou 24 horas, a Corte Suprema, parcialmente financiada pelos EUA, também deu seu aval. Aqui, nem se fala.

   A verdade é que os juízes do continente também estão bem contentes com o protagonismo que lhes tem sido dado. Afinal, em meio ao esfacelamento da democracia, a política tem virado um caso para os tribunais.

   Vale lembrar que, há 20 anos, foi a Corte Suprema americana que suspendeu a recontagem de votos na Flórida, permitindo que Bush ganhasse o estado – e a presidência – por apenas 537 votos. Dessa vez, Joe Biden já avisou que vai até o fim: os democratas reuniram milhares de advogados voluntários para a batalha legal que começa agora. E que deve ser longa.


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