domingo, 25 de março de 2018

EU NUNCA SOUBE...


conto de Emanuel Medeiros Vieira

Eu nunca soube se seus cabelos eram oxigenados ou naturais.
No fundo, ela sempre quis uma casa.
                     
Uma porta aberta, um vaso com flores, gentes, quintal, uma família.
Repito: uma família.
        
Cadeira de balanço, panelas no fogo, chaleira fervendo, samambaiais, um cachorro barato e quase cego – “tolerado pela gerência”, como no pungente verso de Fernando Pessoa –, dormindo no varandão.          
 
Júlia, às vezes quieta e grave; ou sorrindo intensamente.
Rindo e chorando.

Tinha um jeito de quem iria sorver a vida breve de todas as maneiras.
 
Aqueles blue eyes. Tão belos.
Ela com um metro e oitenta de altura – ou mais? –, quase loira.
                  
Júlia que ficava belamente queimada quando ia pegar sol na Lagoinha da Ponta das Canas, na Ilha de Santa Catarina ou em Santa Cruz Cabrália    onde começou o Brasil  ou no Parque da Cidade, em Brasília.
                   Te amei.
                   Não te vejo mais, Júlia.
                   Não mais te verei.
Deixaste este mundo – que nunca entendeste – aos 30 anos. Ou menos, guria.
Sempre indagam: morreu de quê? Não importa. Leiam Camus. (santo de minha devocção...)
Quantos anos? Trinta? Talvez menos. Pouco Mais de um quarto de século de vida, e ela parecia ter vivido uma eternidade.
Não repara: eu também nunca entendi (esse insensato mundo).
E, insisto, nunca soube se teu cabelo era oxigenado ou natural.

Mas visito – todos os sábados – o marco branco de tua rota peregrina – com um ramalhete de flores (com jasmins que sempre amaste).

É aqui perto de casa. O Campo – dizem – é da Esperança.
Me espera, Júlia, Não demoro muito.

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