quarta-feira, 22 de maio de 2019

Esforço e Escravidão

Foto de Sebastião Salgado
   Foi ministro do presidente Getúlio Vargas, em 1941-45, Alexandre Marcondes Filho, o autor do texto abaixo, estampado em todas as Carteiras Profissionais de Trabalho:
 
“Por menos que pareça e por mais trabalho que dê ao interessado, a carteira profissional é um documento indispensável à proteção do trabalhador.
   Elemento de qualificação civil e de habilitação profissional, a carteira representa também título originário para a colocação, para a inscrição sindical e, ainda, um instrumento prático do contrato individual de trabalho.
   A carteira, pelos lançamentos que recebe, configura a história de uma vida.Quem a examina logo verá se o portador é um temperamento aquietado ou versátil; se ama a profissão escolhida ou ainda não encontrou a própria vocação; se andou de fábrica em fábrica, como uma abelha, ou permaneceu no mesmo estabelecimento, subindo a escala profissional. Pode ser um padrão de honra. Pode ser uma advertência.”

   As relações entre capital e trabalho são inerentes à História da Humanidade. Com o trabalho escravo, da Pérsia à China, de Roma à Luxor, impérios foram construídos.
   Mesmo Atenas, em sua glória e legados conceituais ao mundo, foi uma sociedade com escravos. No diálogo de Sócrates, escrito por Platão, Menon ensina ao menino escravo, figura geométrica, na areia da praia, riscando no chão o quadrado e induzindo o pequeno escravo às conclusões sobre a forma e a área da figura.
   Até o advento da Revolução Industrial, as relações de trabalho nas cidades ou nos campos, eram reguladas pela bondade ou humores dos patrões.
   Com o amadurecimento das relações de produção e consumo, surge o Labour Party, em 1902, na Inglaterra. O Partido do Trabalho, cujo expoente mais recente foi James Callaghan, líder e primeiro ministro do Reino Unido, em 1979, foi também responsável pelo Homeless Act cujo objetivo era minimizar o problema dos sem teto de sua época.
   Preocupação semelhante teve Napoleão Bonaparte, em 1804, na formulação das leis civis francesas, ao não permitir o despejo nas locações residenciais, no inverno, para que inquilinos despejados não morressem de frio nas ruas da França.
   Portanto, conforme a sensibilidade política de cada época e ou líder político, temos mais ou menos proteção social. Assim é a História.
   A consolidação do capitalismo da Inglaterra, paralelamente à chamada Revolução Industrial, introduz alguns direitos e garantias no mundo do trabalho.
   Férias remuneradas, décimo terceiro salário, planos de saúde, assistência social e previdência, fatores ou categorias, como quiserem denominar, estão desaparecendo na nova economia liberal do mundo contemporâneo. Quando olharmos a História num outro ângulo, veremos que estas categorias terão durado 200 anos, se tanto. Poucos países, serão os europeus, conservarão estes benefícios.
   A previdência social, em Santa Catarina, por exemplo, nasceu com Gustavo Richard (1906-10), através do Montepio/IPESC.
   Antes da previdência, fenômeno do trabalho urbano, eram os filhos que cuidavam dos pais na velhice e na doença, na vida do campo. A terra provedora de tudo, e ainda é, pois do céu só cai água da chuva, era o capital da família. Mais terra, mais produção, mais riqueza. A fase fisiocrata do capitalismo.
   Nos Estados Unidos, a economia mais liberal do planeta, a previdência pública é inócua. Por isto, a previdência privada e seu sistema de capitalização.
   Aliás, só pode existir previdência com a participação do Estado. Ela, a previdência, é um arranjo entre a classe política e a classe trabalhadora, conquistada com muito sangue, suor e lágrimas, sem querer plagiar Churchill. O objetivo do Estado não é o lucro. A concepção do Estado, já na Política de Aristóteles, fala “living the good life”, vivendo a vida plena, usufruindo a boa vida.
   Empresas são constituídas para a obtenção do lucro, a vocação natural do capital.
   No Brasil, por circunstâncias desconhecidas, como diria o agente russo referindo-se ao período soviético, quando tentava a explicar o desaparecimento de algum patriota, fomos capazes de inverter os polos.
   Determinadas classes profissionais conseguiram legislações específicas para a autoproteção. Assim, os que ganham apenas mil reais pagam as aposentadorias dos que ganham R$ 40 mil.

 O mais interessante nesta breve reflexão, é a capacidade do governo brasileiro de antever o colapso que virá em razão da chamada reforma previdenciária.
   A criação de hipoteca reversa ou perversa, onde o idoso dá seu imóvel ao banco e recebe em parcelas um quantum para viver até a morte.
   Além das subavaliações que virão, acabam as heranças para os que possuem menos. E criamos um grande jogo imobiliário, cujos operadores já estão trabalhando na propaganda de seus negócios.
   Num país em que a corrupção se instalou nos três poderes, em todos os níveis, é muito difícil construir soluções sociais. Já é difícil para as sociais democracias europeias, imaginem aqui.
   Por último, as experiências de tempo e bens compartilhados, como o Uber (em alemão uber é o máximo, uber model Gisele) é a prova cabal da precarização das relações de trabalho. O aplicativo diz para o interessado: João está na esquina da Rua A e quer ir para a Rua B. Se você quiser transportá-lo, o preço do frete é R$ 100 reais e você recebe uma parte.

O veículo (bem de capital), o combustível, manutenção, seguro, férias, 13º salário, plano de saúde e previdência pública e ou privada é por sua conta. E não se esqueça de constituir um fundo para trocar de veículo a cada três anos.
                                                              por Marcos Bayer


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