quarta-feira, 11 de setembro de 2019

A narrativa e a desidratação

por Marcos Bayer

   Volta e meia nossa imprensa brasileira redescobre novas palavras. Agora estamos na fase da “narrativa” e da “desidratação”. O pessoal do Globo News é adepto destas modas passageiras. Aliás, antes de entrar no tema de fundo, vale registrar que nossa imprensa está cada vez mais rala. Gente com baixa formação histórica, filosófica e universal – condições necessárias para ser um bom jornalista. Como foram Carlos Castelo Branco, Alberto Dines, Millôr Fernandes e Carlos Heitor Cony, entre outros.
   Mas, voltando ao cerne da questão, na terça feira passada, dia 03 de Setembro, o Senado Federal enterrou a PEC 82/2019 (Proposta de Emenda Constitucional) por falta de votos. Votaram a favor da medida 38 senadores e 15 contra. Como é matéria constitucional, o quórum é de 3/5 dos seus membros, logo necessários 49 votos.
   A PEC previa, sucintamente, duas coisas: limitar o prazo de vista processual no STF a seis meses e mais três de prorrogação. E submeter as decisões monocráticas (de um só juiz) à sua respectiva Turma.  Assim, em quatro meses, qualquer decisão isolada, seria referendada ou não por um colegiado de cinco membros. Hoje, um juiz pode engavetar um processo por tempo indeterminado e uma decisão unipessoal pode valer por prazo também não definido. Ambos os casos são excrescências da nossa falta de legislação.  Não parece lógico que num colegiado de 11 membros, decisões isoladas possam garantir situações “ad eternum”.
   Na Teoria dos Sentimentos Morais, Adam Smith, quando fala da justiça aborda o tema de forma a considerar até a simpatia à causa, como um fator relevante.
   Numa democracia, a justiça – condição absolutamente necessária – só funciona se for de fato garantidora de direitos. Assim como ela cobra deveres, ele precisa garantir direitos. Os direitos no Brasil não têm prazo certo para existirem. Por uma razão óbvia: o Juiz não tem prazo para julgar. Nem no primeiro grau, nem no último.
   O meu argumento é que numa matéria que não envolve ideologia, nem regras econômicas, tampouco preferências de gênero ou questões tributárias e previdenciárias, não temos 40 senadores, sequer os 49 necessários, para alterar uma questão moral em relação aos prazos processuais. Sim, moral! Porque é uma imoralidade na corte máxima de justiça de um país que se diz desenvolvido, existir este tipo “arranjo” regimental.
   Nesta terça-feira, dia 10, uma semana após o enterro da PEC 82/2019, temos nos telejornais mais algumas notícias.
   O vereador/filho do presidente diz que pelo caminho da democracia levará mais tempo para vermos as transformações que o Brasil almeja. Seu irmão, deputado federal, o compara a Winston Churchill. O pretendente ao posto de embaixador do Brasil em Washington deve saber que Churchill escreveu mais de oitenta livros, foi por duas vezes primeiro ministro do Reino Unido, recebeu o prêmio Nobel de Literatura entre outras coisas. Sempre foi eleito pelo voto direto na democracia mais sólida e antiga do Ocidente.
   Outra notícia dá conta que o governo deve gastar R$ 1.8 bilhões em orçamentos de empresas cujas indicações serão negociadas no Senado, na votação do futuro embaixador.
   Finalmente, a notícia de que o ministro Paulo Guedes quer começar a reforma tributária por um novo CPMF, a cobrança por movimentações financeiras de todos os brasileiros.
   Porra! Que falta faz um Winston Churchill no Brasil em momentos como este.

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