Recebi do meu amigo Eduardo Paredes, jornalista, cineasta e militante cultural, esta bizarra notícia.
Vejam só:
Por Eduardo Paredes
Caríssimos Conselheiros e Conselheiras,
Quero levar ao conhecimento primeiramente de vocês, meus pares de Conselho Estadual de Cultura, que na última quinta feira fui intimado judicialmente a apresentar defesa na ação que o Secretário Filipe Mello está movendo contra a minha pessoa por danos morais, pedindo indenização em razão das críticas que fiz quando da tentativa frustrada de uma escola de samba de Joaçaba, Acadêmicos do Grande Vale, em levar para o desfile de carnaval deste ano um samba enredo homenageando o pai do secretário, deputado federal Jorginho Mello, a expensas do FUNCULTURAL. Como é do conhecimento de todos, por determinação de três Ministérios Públicos (Federal, Estadual e de Contas), que diante do entendimento de haver “eventual malversação na aplicação de recursos públicos oriundos de subvenção estadual” e violação do princípio constitucional da impessoalidade, que veda a promoção de autoridade pública, inclusive com mandato eletivo, a malfadada iniciativa foi sepultada.
Trata-se de fato inédito da história do Conselho e da cultura em Santa Catarina. A primeira audiência está marcada para 07 de junho, às 15:30 horas, no Juizado Especial Cível, situado no Fórum UFSC. Entre as testemunhas arroladas pela acusação estão a Dra. Gislayne Maria Ruiz, atualmente exercendo cargo de confiança como diretora do SEITEC, a funcionária Ana Paula Cardozo da Silva, ex-diretora do PDIL e o conselheiro Luiz Carlos Laus de Souza, Tibi Laus, por quem nutro profundo apreço e admiração e a quem deixo livre para proceder conforme a sua consciência e os seus princípios.
Quero deixar claro que estou absolutamente tranquilo e sereno, ciente da responsabilidade e do papel que venho desempenhando como representante da sociedade civil no CEC, procurando honrar com lealdade e determinação o mandato e a confiança que me foram depositadas pelo Setor Audiovisual e a classe artística e cultural catarinense como um todo. Já estou providenciando a constituição daqueles que serão meus patronos e posso garantir que a minha defesa não poderia estar em melhores mãos. No entanto, é óbvio que essa atitude do secretário Filipe Mello gera preocupação, pelas consequências que dela poderão advir, mas jamais intimidação. Podem ficar tranquilos de que não terei o mesmo destino do meu saudoso e querido amigo Hamilton Alexandre, o “Mosquito”, massacrado em uma ação movida pelo então prefeito da capital Dario Berger e levada às últimas consequências com o seu trágico fim.
Entendo que ao processar um de seus membros, por tudo o que tem sido discutido, debatido e denunciado em plenário em relação à atual gestão administrativa da área cultural, a presente ação atinge não somente este conselheiro, mas o próprio Conselho. Da mesma forma, como nunca fiz uso do mandato do qual sou investido para defender projetos e interesses particulares - e sim os interesses maiores da cultura catarinense, dos artistas que tiram sua sobrevivência das atividades culturais, bem como das instituições e dos agentes culturais que a compõem esse setor hoje desprezado, humilhado e praticamente abandonado pelo Governo do Estado - entendo que essa ação também atinge diretamente essa parcela da sociedade catarinense que, juntas, integram o nosso setor cultural. Sei que terei um luta árdua pela frente, mas confio plenamente no discernimento, na imparcialidade e na isenção daqueles que terão a responsabilidade de julgar a ação.
Pretendo fazer minha defesa com argumentos sólidos e testemunhas idôneas, demonstrando a procedência das críticas que venho formulando, inclusive em relação ao fato que baseou a acusação de Filipe Mello. Sei que terei ao meu lado, acima de tudo, a minha fé, a minha família e os amigos, buscando me defender inspirado nos princípios constitucionais que asseguram à democracia brasileira a liberdade de pensamento, de opinião e expressão (segundo Filipe Mello na inicial, houve “excesso de liberdade de expressão” de minha parte). Os fatos, por si só, também corroboram e fundamentam as críticas que assumo ter feito. Também conto com a mobilização das entidades e do povo da cultura, aqueles que represento nesse Conselho e continuarei a defender até o último segundo do meu mandato.
Nos próximos dias, inevitavelmente, esse assunto será pautado pela mídia e chegará à opinião pública. Vamos ver os desdobramentos e o que fazer, na prática, para desarmar mais esse intento de viés autoritário, de uma pessoa despreparada que herdou seu cargo num ato claro de nepotismo, que partidarizou os cargos mais estratégicos da Secretaria de Turismo, Cultura e Esporte e a Fundação Catarinense de Cultura, impondo uma gestão onde falta diálogo, projetos e iniciativas e sobra incompetência. Fico triste não com essa ação, mas em ver o desperdício de oportunidade de uma pessoa jovem que representa o velho, o anacrônico e ultrapassado, tudo o que povo brasileiro vem repudiando nos políticos que reproduzem práticas antigas e nem um pouco republicanas.
Deixo cada um dos conselheiros absolutamente à vontade para se posicionar, ou não, conforme sua consciência e com base na convivência que tivemos até aqui desde o início do presente mandato. Anexo, para conhecimento de todos, a intimação e os dois últimos relatos que postei nos diversos grupos das redes sociais que reúnem os artistas, produtores e associados das entidades representativas do setor. Serve como reflexão.
Acima de tudo, que prevaleça a Justiça. Até terça. Saudações,
Eduardo Paredes
Conselheiro Estadual de Cultura
segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016
O espólio oculto de Lula
Por Laecio Duarte
A casa caiu para Lula.
A única moeda que ele tem no momento, é ameaçar voltar em 2018.
Se isso acontecer (tok,tok,tok), ele vai fazer de tudo para acabar com o ministério público, com a autonomia da polícia federal e com a justiça federal.
Vai implantar diretamente a tirania, como nunca se terá visto neste país.
Eu não duvido que ele possa voltar, dada a pouca qualificação política do nosso eleitorado, o poder de sedução do discurso populista de Lula e os esquemas que funcionam em paralelo com a ascensão do PT desde 1992, quando o Partido começou a se livrar dos malas comunistas trotskistas e começou a aparelhar prefeituras pelo Brasil afora. Celso Daniel e Toninho do PT que o digam !
No entanto, Lula não será capaz de fazer as negociações necessárias com seus laranjas, sócios escondidos e contas secretas. Vai ter que apelar para alguém mais categorizado nesses esquemas, do que o compadre japa Okamoto, seu contador e escondedor oficial.
Quando Quércia morreu, surgiu a necessidade de resolver a distribuição de seu patrimônio escondido: bilhões de dólares depositados e investidos no estrangeiro. Não se sabe o destino dessa bufunfa toda. Talvez os contendores tenham feito algum acordo, o que é normal entre bandidos deste naipe.
De Maluf se sabe que a nora, ex esposa do filho Flávio, exigiu 220 mil reais mensais de pensão, para não revelar a grana escondida no exterior. E a família paga. Maluf tem 82 anos de idade, é procurado pela Interpol, não pode viajar para o exterior, mas ainda é deputado federal no Brasil, amigão de Lula, inclusive apoiou o atual "brefeito" e "batrício" Fernando Haddad.
Brizola, Jânio, e muitos outros, com fama de honestos, deixaram rabos de foguetes para as famílias resolverem nas formas de heranças escondidas.
Imaginem o que será o espólio oculto de Lula ...!!! Sítio em Atibaia? Triplex no Guarujá?
Quá-Quá-Quá !
sábado, 27 de fevereiro de 2016
Suíte Francesa
Por Laercio Duarte
Um típico filme de estilo "europeu", completamente diferente das batatadas enlatadas de hollywood. Com orçamento de 15 milhões de Euros, o diretor manteve a clareza e simplicidade do romance escrito durante a segunda guerra mundial.
Trata-se de um filme lançado na França em abril de 2015. Está ambientado no início da ocupação da França em 1940, quando uma companhia do exército nazista chega a uma pequena cidade do interior. Ali vive Lucille na casa de sua sogra, de importante família local. Seu marido Gaston está na guerra e a última notícia que chega dele é que agora é prisioneiro dos alemães. Cada família da cidade é obrigada a hospedar um oficial alemão, e à mansão de Lucille é mandado o tenente Bruno Von Falk, um homem fino, compositor e músico, pianista de primeira linha. Lucille passa as noites a ouvir de seu quarto o som de Bruno ao piano. Sua curiosidade pelo estranho "inimigo" vai aumentando, já que ela também é pianista. O desejo de se aproximar do jovem, contra a proibição natural pela circunstância da guerra, além da vigilância implacável da sogra, fazem com que a trama vá num crescendo em ansiedade e pressão, até que a descoberta de uma denúncia onde fica evidente que seu marido Bruno tinha uma amante, com a qual já tinha inclusive uma filha, faz com que Lucille se entregue ao assédio elegantemente sedutor do oficial alemão. Um tema controverso e polêmico, mostrando que mesmo na guerra, os seres humanos são movidos pela paixão. O final é inusitado e surpreendente!
O roteiro foi feito pelo mesmo escritor de O Pianista, grande êxito do cineasta Roman Polansky. O roteirista baseou-se no romance homônimo de Irène Némirovsky, uma polaca de origem judia, que o escreveu durante a guerra. Presa a autora, executada em Auschwitz, os originais do romance ficaram com a filha da escritora, que os cedeu em 2004 para serem publicados por Éditions Denoël, alcançando grande sucesso de crítica e vendas. Posteriormente a companhia estatal de televisão francesa, TF1, adquiriu os direitos para filmagem e se associou à inglesa BBC Films, entregando a direção da obra cinematográfica ao inglês Saul Dibb, que já foi premiado por A Duquesa (2008). As filmagens foram realizadas na França e Bélgica, durante o verão de 2013.
A trilha sonora apresenta vários trechos de gravações originais, com cantoras francesas famosas na época da guerra, incluindo Josephine Baker. Mas, a grande atração é o que teria sido a composição do tenente alemão ao piano de Lucille, na mansão de sua sogra. O verdadeiro autor da peça é o compositor inglês Rael Jones, feita especialmente para o filme. No romance (e no filme) o tenente Bruno compôs esta obra em homenagem à sua amada, dando-lhe o nome de Suíte Francesa.
Um típico filme de estilo "europeu", completamente diferente das batatadas enlatadas de hollywood. Com orçamento de 15 milhões de Euros, o diretor manteve a clareza e simplicidade do romance escrito durante a segunda guerra mundial.
Trata-se de um filme lançado na França em abril de 2015. Está ambientado no início da ocupação da França em 1940, quando uma companhia do exército nazista chega a uma pequena cidade do interior. Ali vive Lucille na casa de sua sogra, de importante família local. Seu marido Gaston está na guerra e a última notícia que chega dele é que agora é prisioneiro dos alemães. Cada família da cidade é obrigada a hospedar um oficial alemão, e à mansão de Lucille é mandado o tenente Bruno Von Falk, um homem fino, compositor e músico, pianista de primeira linha. Lucille passa as noites a ouvir de seu quarto o som de Bruno ao piano. Sua curiosidade pelo estranho "inimigo" vai aumentando, já que ela também é pianista. O desejo de se aproximar do jovem, contra a proibição natural pela circunstância da guerra, além da vigilância implacável da sogra, fazem com que a trama vá num crescendo em ansiedade e pressão, até que a descoberta de uma denúncia onde fica evidente que seu marido Bruno tinha uma amante, com a qual já tinha inclusive uma filha, faz com que Lucille se entregue ao assédio elegantemente sedutor do oficial alemão. Um tema controverso e polêmico, mostrando que mesmo na guerra, os seres humanos são movidos pela paixão. O final é inusitado e surpreendente!
O roteiro foi feito pelo mesmo escritor de O Pianista, grande êxito do cineasta Roman Polansky. O roteirista baseou-se no romance homônimo de Irène Némirovsky, uma polaca de origem judia, que o escreveu durante a guerra. Presa a autora, executada em Auschwitz, os originais do romance ficaram com a filha da escritora, que os cedeu em 2004 para serem publicados por Éditions Denoël, alcançando grande sucesso de crítica e vendas. Posteriormente a companhia estatal de televisão francesa, TF1, adquiriu os direitos para filmagem e se associou à inglesa BBC Films, entregando a direção da obra cinematográfica ao inglês Saul Dibb, que já foi premiado por A Duquesa (2008). As filmagens foram realizadas na França e Bélgica, durante o verão de 2013.
A trilha sonora apresenta vários trechos de gravações originais, com cantoras francesas famosas na época da guerra, incluindo Josephine Baker. Mas, a grande atração é o que teria sido a composição do tenente alemão ao piano de Lucille, na mansão de sua sogra. O verdadeiro autor da peça é o compositor inglês Rael Jones, feita especialmente para o filme. No romance (e no filme) o tenente Bruno compôs esta obra em homenagem à sua amada, dando-lhe o nome de Suíte Francesa.
quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016
Brasil nas páginas portuguesas
Do Jornal Público
Kathleen Gomes (Rio de Janeiro)
O “panelaço” tornou-se uma forma de protesto comum contra o Partido dos Trabalhadores (PT) no último ano, desde a reeleição da Presidente, Dilma Rousseff. Segundo o jornal carioca O Globo, os protestos durante a exibição do tempo de antena do PT ouviram-se em pelo menos 14 capitais do país, incluindo Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília.
O “panelaço” teve um recorte socioeconómico: para o ouvir era preciso ter estado nos bairros de classe média alta, onde a rejeição ao PT é mais contundente. Nas redes sociais, que nesses momentos se tornam amplos boletins informativos, os testemunhos de centenas de pessoas contribuíram para mapear a contestação: o bater nas panelas não foi ouvido nas favelas nem na zona norte do Rio de Janeiro, por exemplo.
Ouviu-se, sim, nas varandas de Ipanema, Copacabana, Leme, Botafogo, Humaitá... No entanto, segundo O Globo, o “panelaço” ocorreu “com força” em cidades onde este tipo de protesto ainda não tinha sido registado, reforçando a ideia de que o desgaste político do PT é generalizado e não se reduz a São Paulo, Rio e Brasília.
O direito de antena do PT defende o papel do partido na recente transformação social e económica do Brasil. Sugere que o PT está a ser alvo de um clima de “ódio e intolerância” num momento “em que o país precisa tanto de união”. A actual crise económica que o país atravessa, com o desemprego em alta, inflação elevada, desvalorização da moeda e défice orçamental, é descrito no vídeo como uma fase. O presidente do PT, Rui Falcão, fala de “dificuldades passageiras”.
A Presidente, Dilma Rousseff, cujo mandato está a ser posto em causa por um processo de destituição levado a cabo por uma frente antipetista, não participa no vídeo. Segundo o presidente do partido, foi convidada, mas recusou alegando ter “a agenda cheia”.
O vídeo parece sobretudo ter a intenção de defender o ex-Presidente Lula da Silva, cujo legado político — que noutros momentos críticos se mostrou invulnerável, como durante o escândalo do “mensalão”, em que membros do PT compraram votos no Congresso, quando Lula era Presidente — está seriamente abalado por suspeitas de corrupção, favorecimento político e evasão fiscal que estão a ser investigadas pelo Ministério Público.
A prisão de João Santana
A situação de Lula tornou-se ainda mais delicada na terça-feira, com a prisão preventiva do estratego político que orquestrou a sua campanha de reeleição em 2006, João Santana, por suspeitas de ter recebido pagamentos no valor total de 7,5 milhões de dólares em contas offshore da construtora Odebrecht, cujo dono se encontra detido no âmbito da operação Lava-Jato. Santana e a mulher, Mónica Moura, foram detidos no aeroporto de São Paulo na terça-feira por ordem do juiz que dirige a operação Lava-Jato, Sergio Moro, ao desembarcarem de um voo vindo da República Dominicana. Na primeira página, O Globo publicou uma fotografia de Mónica Moura sorrindo no momento em que foi levada para a prisão de Curitiba.
Ex-jornalista, João Santana não ajudou apenas a reeleger Lula em 2006. Também foi o responsável pelas duas campanhas eleitorais vitoriosas de Dilma, em 2010 e 2014, pela de José Eduardo dos Santos, o Presidente angolano, em 2012, e pela do venezuelano Hugo Chávez no mesmo ano. Santana e a mulher estavam na República Dominicana por razões profissionais: trabalhavam na campanha de reeleição do Presidente, Danilo Medina.
Quando Lula viu a sua popularidade ser posta à prova pelo escândalo do “mensalão”, João Santana foi o estratego que reformulou a imagem do Presidente como um homem do povo que estava a ser atacado pela elite que controlava o país. Essa foi também a fórmula adoptada no vídeo do PT na terça-feira à noite, que mostrou imagens de Lula sendo abraçado pelo “povo”.
Quando se bate nas panelas no Brasil, isso é por causa de Lula
Santana ajudou a reeleger Lula em 2006 e foi responsável por duas campanhas de Dilma, em 2010 e 2014 Rodolfo Buhrer/Reuters |
A situação do ex-Presidente, que está a ser investigado pelo Ministério Público, tornou-se ainda mais delicada com a detenção do estratego político que orquestrou a sua campanha de reeleição em 2006.
Kathleen Gomes (Rio de Janeiro)
O partido de Lula e de Dilma pôs no ar uma propaganda política para defender a sua reputação, fragilizada por 13 anos de permanência no Governo do Brasil e coligações oportunistas, escândalos de corrupção e a pior crise económica em décadas. O vídeo de dez minutos, que foi transmitido na televisão nacional na terça-feira à noite, é dominado por música salvífica e termina com samba, mas nas ruas, a essa hora, a música foi outra: o bater de talheres no fundo de panelas.
O “panelaço” tornou-se uma forma de protesto comum contra o Partido dos Trabalhadores (PT) no último ano, desde a reeleição da Presidente, Dilma Rousseff. Segundo o jornal carioca O Globo, os protestos durante a exibição do tempo de antena do PT ouviram-se em pelo menos 14 capitais do país, incluindo Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília.
O “panelaço” teve um recorte socioeconómico: para o ouvir era preciso ter estado nos bairros de classe média alta, onde a rejeição ao PT é mais contundente. Nas redes sociais, que nesses momentos se tornam amplos boletins informativos, os testemunhos de centenas de pessoas contribuíram para mapear a contestação: o bater nas panelas não foi ouvido nas favelas nem na zona norte do Rio de Janeiro, por exemplo.
Ouviu-se, sim, nas varandas de Ipanema, Copacabana, Leme, Botafogo, Humaitá... No entanto, segundo O Globo, o “panelaço” ocorreu “com força” em cidades onde este tipo de protesto ainda não tinha sido registado, reforçando a ideia de que o desgaste político do PT é generalizado e não se reduz a São Paulo, Rio e Brasília.
O direito de antena do PT defende o papel do partido na recente transformação social e económica do Brasil. Sugere que o PT está a ser alvo de um clima de “ódio e intolerância” num momento “em que o país precisa tanto de união”. A actual crise económica que o país atravessa, com o desemprego em alta, inflação elevada, desvalorização da moeda e défice orçamental, é descrito no vídeo como uma fase. O presidente do PT, Rui Falcão, fala de “dificuldades passageiras”.
A Presidente, Dilma Rousseff, cujo mandato está a ser posto em causa por um processo de destituição levado a cabo por uma frente antipetista, não participa no vídeo. Segundo o presidente do partido, foi convidada, mas recusou alegando ter “a agenda cheia”.
O vídeo parece sobretudo ter a intenção de defender o ex-Presidente Lula da Silva, cujo legado político — que noutros momentos críticos se mostrou invulnerável, como durante o escândalo do “mensalão”, em que membros do PT compraram votos no Congresso, quando Lula era Presidente — está seriamente abalado por suspeitas de corrupção, favorecimento político e evasão fiscal que estão a ser investigadas pelo Ministério Público.
A prisão de João Santana
A situação de Lula tornou-se ainda mais delicada na terça-feira, com a prisão preventiva do estratego político que orquestrou a sua campanha de reeleição em 2006, João Santana, por suspeitas de ter recebido pagamentos no valor total de 7,5 milhões de dólares em contas offshore da construtora Odebrecht, cujo dono se encontra detido no âmbito da operação Lava-Jato. Santana e a mulher, Mónica Moura, foram detidos no aeroporto de São Paulo na terça-feira por ordem do juiz que dirige a operação Lava-Jato, Sergio Moro, ao desembarcarem de um voo vindo da República Dominicana. Na primeira página, O Globo publicou uma fotografia de Mónica Moura sorrindo no momento em que foi levada para a prisão de Curitiba.
Ex-jornalista, João Santana não ajudou apenas a reeleger Lula em 2006. Também foi o responsável pelas duas campanhas eleitorais vitoriosas de Dilma, em 2010 e 2014, pela de José Eduardo dos Santos, o Presidente angolano, em 2012, e pela do venezuelano Hugo Chávez no mesmo ano. Santana e a mulher estavam na República Dominicana por razões profissionais: trabalhavam na campanha de reeleição do Presidente, Danilo Medina.
Quando Lula viu a sua popularidade ser posta à prova pelo escândalo do “mensalão”, João Santana foi o estratego que reformulou a imagem do Presidente como um homem do povo que estava a ser atacado pela elite que controlava o país. Essa foi também a fórmula adoptada no vídeo do PT na terça-feira à noite, que mostrou imagens de Lula sendo abraçado pelo “povo”.
Demolição dentro do Parque Olímpico
“Eu sinto o cheiro desse povo de longe. Aqui é tudo farinha do mesmo saco”, diz funcionária da prefeitura do Rio, ao acompanhar a expulsão dos moradores
Por Mariana Simões | 25 de fevereiro de 2016
Às 19h10 da noite em plena quarta-feira, dia 24 de fevereiro, o barulho do trator já era ensurdecedor. Até aquele minuto, dentro do Parque Olímpico, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, três casas da comunidade Vila Autódromo ainda permaneciam de pé. Feitas de tijolo, não combinavam com as arenas esportivas que as cercavam. As enormes estruturas de concreto, construídas em nome da Olimpíada, pareciam discos voadores.
As três moradias faziam parte da comunidade engolida pela Olimpíada. Foram isoladas por uma cerca de arame dentro do perímetro onde os atletas do mundo irão se concentrar em agosto deste ano. Seus habitantes só podiam entrar com crachá e autorização do segurança do megaevento esportivo.
Os moradores sabiam que as suas casas estavam com os dias contados. Uma ordem de emissão de posse (Veja aqui o documento) em favor da prefeitura fora dada às 22 horas da noite anterior. A Pública foi o único veículo a conseguir entrar e filmar o local (Assista ao vídeo abaixo).
Apesar de toda a pressão – ela chegou a ser ameaçada de morte por uma ex-inquilina e foi alvo de humilhações e boatos espalhados pela subprefeitura, segundo seu relato –, dona Heloísa não aceitou as indenizações oferecidas pelo governo municipal. Ela exigia que fosse feito um plano de urbanização na própria Vila Autódromo para reassentar na comunidade os que teriam suas casas demolidas.
No fim da tarde do dia 24, pouco antes das 17 horas, chegaram dois ônibus lotados de guardas municipais enviados pela prefeitura acompanhados de representantes da Secretaria Municipal de Habitação e Cidadania.
“Eu sinto o cheiro desse povo de longe. Não dou papo. Aqui é tudo farinha do mesmo saco. Eles não moram aqui e vivem disso”, foi logo dizendo Marli Ferreira Lima Peçanha, coordenadora de Articulação Social da secretaria, ao chegar ao local.
Leia matéria completa na Pública.
terça-feira, 23 de fevereiro de 2016
A descoberta do Atol das Rocas e o despertar ecológico
Lembranças de uma expedição pioneira ao Atol das Rocas
Por Maria do Céu Borralho e Albuquerque
No ano de 1977 tive o privilégio de participar de uma expedição ao atol das Rocas, no oceano Atlântico. A iniciativa e principal organizador desta aventura foi meu irmão, o oceanógrafo José Catuêtê Borralho e Albuquerque, o Catu. Formado na segunda turma do curso de oceanografia da Fundação Universidade Federal de Rio Grande (FURG), no Rio Grande do Sul, Catu deixou uma marca na história do meio ambiente no Brasil.
Em uma viagem à ilha de Fernando de Noronha, no ano anterior, ele e seus companheiros sobrevoaram duas pequenas ilhas localizadas a cerca de 148 km a oeste do arquipélago de Fernando de Noronha, e a aproximadamente 260 km a nordeste da cidade de Natal, no Rio Grande do Norte. A beleza do lugar, identificado como Atol das Rocas encantou a todos. De volta, e apaixonado pela descoberta da existência de um atol no Brasil, o que ainda não havia sido mencionado no curso, Catu empenhou-se em organizar uma expedição ao local.
O grupo era heterogêneo. O que nos unia, principalmente, era uma grande camaradagem e o desejo de conhecer o único atol presente no Atlântico Sul, localizado no território brasileiro.
Nosso amigo, Edgar Vasques, arquiteto e desenhista, também se incorporou `a expedição e seu pai, senhor Helio, um homem de quem guardo uma doce recordação, não concordou com o plano, e disse ao Edgar: “É um bando de loucos e tu és a besta que vai junto!”. Esta manifestação não desmotivou nosso amigo e lá se foi ele junto com o grupo.
Também eu, que não sou boa nadadora, quando disse ao Catu que queria ir junto, ele, gaiatamente respondeu: “Tudo bem, vais como categoria isca. Isca de tubarão!” E assim, na categoria isca, fui aceita na expedição.
Meu irmão, morto em acidente no ano de 1988, foi um homem adorável e deixou muitas saudades. Criativo, amigo, amoroso, inteligentíssimo e, tenho certeza, um grande brasileiro à frente de seu tempo.
Permanecemos em Natal, ponto de partida, até alugarmos um barco que nos levasse e buscasse. Compramos os mantimentos e água. Conseguimos autorização da Marinha e ultimamos toda a logística, que já havia sido definida durante o ano, o que incluía um radio para contato com o continente durante a estadia no atol.
Fomos orientados pela capitania dos portos a sempre usarmos roupas brancas de mangas compridas. O atol, que é uma formação coralínea a partir de uma erupção vulcânica formou essas duas ilhas, quase ao nível do mar. Sua superfície é formada por depósitos das colônias de corais, algas calcáreas e outros micro crustáceos, o que concentra muita luminosidade. Além disso o atol se localiza a 4 graus abaixo da linha do Equador e os riscos de queimaduras sérias é um fato. Duas das moças que participaram da expedição teimaram em não levar a serio esta orientação e sofreram muitas queimaduras.
Neste lugar, de que até hoje tenho viva lembrança, a maré varia pelo menos uns metros. Lembro que na maré cheia uma das ilhas praticamente desaparecia. Quando eu estava por lá para ver as aves que ali nidificam e a maré começava a subir, me apressava a voltar para a Ilha do Farol. A correnteza que se formava era forte e, como categoria isca, precisava manter meus olhos bem abertos.
Vou voltar na história para contar a nossa viagem. O barco que alugamos tinha na sua tripulação dois homens, pai e filho. Lamento não lembrar dos seus nomes, mas recordo bem que o radio do barco parou de funcionar logo na saída e, mesmo assim, resolvemos continuar. A cor do mar, fora da plataforma continental, era de um azul muito denso, extremamente bonito. Lauro Saint Pastous Madureira, outro companheiro, pescou com uma linha presa ao barco um enorme dourado durante a viagem. Era um casal de dourados e não tenho certeza se o outro também foi pescado. Durante a noite aconteceu uma tempestade muito forte. As ondas lavavam o barco. Tive muito medo e lembro que rezei. Acho que não tive duvidas sobre a minha fé nesta hora. Passamos todo o outro dia procurando o atol. O comandante do barco havia nos dito que se não encontrássemos o atol até a noite, deveríamos voltar.
Felizmente, enquanto já preparávamos o jantar, eu, que por não ter enjoado apesar do mar revolto, havia sido elevada à categoria de Imediata do barco, auxiliava o cozinheiro quando ouvi o grito: farol a vista! Muita emoção!
Aguardamos o dia seguinte para que, quando a maré estivesse alta, pudéssemos fazer o desembarque.
A visão daquelas duas pequenas ilhas ficou gravada na minha memória para sempre. Coisa de sonho. Milhares de aves de diferentes especies ali fazem seus ninhos e o constante gralhar e movimento das mesmas causam uma forte impressão. Na época, além das aves, havia um pequeno coqueiro, as ruínas do antigo farol, da casa aonde morou o faroleiro com sua família e o farol automatico, em funcionamento.
Nossos dias eram de mergulhos e registros do ambiente encontrado. A maioria dos participantes tinha ligação com a área biológica e estava ali também com um olhar de estudo.
Naquele período pudemos identificar que havia a desova de tartarugas marinhas na ilha. Já havíamos visto o chão da praia revolto pela manhã, mas não sabíamos que eram as tartarugas que subiam para desovar. Em uma madrugada testemunhamos os pescadores, do barco que havíamos alugado e tinham ido nos buscar, no atol promovendo uma mortandade da espécie.
Isto chocou e revoltou a todos do grupo que, com muita discussão, conseguiu interromper esta verdadeira chacina. Por sorte éramos muitos. O grupo todo tinha umas 17 pessoas. Este triste episódio, devidamente registrado e fotografado, serviu para demonstrar a necessidade de se proteger as tartarugas marinhas. Eram os primórdios de uma conscientização ambiental.
Fora este triste episódio, tudo o mais foi beleza e encantamento. Havia bons mergulhadores entre nós e todo o dia tínhamos peixe fresco para preparar à noite. Lauro Barcellos, representando o Museu Oceanográfico de Rio Grande, cujo diretor, Professor Eliezer de Carvalho Rios, sempre apoiou as expedições realizadas no período, era o chef em exercício e preparava excelentes refeições para o grupo. As barracudas eram deliciosas e lindas.
Mesmo com minha pouca habilidade no mergulho, por estarmos em lugar de águas cristalinas, pude visualizar com a ajuda de mascara, snorkel e pés de pato, uma infinidade de colônias de corais, anêmonas, peixes diversos e até filhotes de tubarão muito animados que chegavam pelo lado de dentro do anel de corais.
Uma noite, nosso amigo Edgar não apareceu para o jantar. Desde que chegara do mergulho, à tarde, permanecera recolhido em sua barraca. Fui chamá-lo e, quando ele me viu disse: “Hoje compreendi a angustia de Beethoven!” Ele sofreu perfuração de um tímpano durante o mergulho e a dor e a surdez que se seguiu fizeram-no pensar no grande músico, também vítima da surdez.
A partir da nossa volta, com o apoio da Maria Tereza Jorge Pádua, então diretora do departamento de parques do antigo IBDF, para o qual Catu já trabalhava, de Renato Petry Leal, da Fundação Zoobotânica de Porto Alegre e do Museu Oceanográfico de Rio Grande foram encaminhados os pedidos da criação da primeira Reserva Biológica Marinha do Brasil e do Projeto de Preservação das Tartarugas Marinhas.
O Atol das Rocas foi declarado Reserva Biológica Marinha em 5 de junho de 1979 e o Projeto Tamar foi instituído em 1980.
Dedico este texto a José Catuêtê. Empreendedor e visionário, participou ativamente da criação da Reserva Biologica Marinha do Atol das Rocas. Fundou o projeto Tamar, junto com o oceanógrafo Guy Marie Marcovaldi. Criou e deixou as bases do Projeto Peixe-Boi Marinho.
Catu deixou um importante legado para a preservação ambiental no Brasil, ajudando a despertar uma consciência ecológica até então muito incipiente. Como disse meu pai, José da Silva e Albuquerque:
“Um gênio do amor a serviço da natureza.”
Catu em uma das suas expedições |
No ano de 1977 tive o privilégio de participar de uma expedição ao atol das Rocas, no oceano Atlântico. A iniciativa e principal organizador desta aventura foi meu irmão, o oceanógrafo José Catuêtê Borralho e Albuquerque, o Catu. Formado na segunda turma do curso de oceanografia da Fundação Universidade Federal de Rio Grande (FURG), no Rio Grande do Sul, Catu deixou uma marca na história do meio ambiente no Brasil.
Em uma viagem à ilha de Fernando de Noronha, no ano anterior, ele e seus companheiros sobrevoaram duas pequenas ilhas localizadas a cerca de 148 km a oeste do arquipélago de Fernando de Noronha, e a aproximadamente 260 km a nordeste da cidade de Natal, no Rio Grande do Norte. A beleza do lugar, identificado como Atol das Rocas encantou a todos. De volta, e apaixonado pela descoberta da existência de um atol no Brasil, o que ainda não havia sido mencionado no curso, Catu empenhou-se em organizar uma expedição ao local.
O grupo era heterogêneo. O que nos unia, principalmente, era uma grande camaradagem e o desejo de conhecer o único atol presente no Atlântico Sul, localizado no território brasileiro.
Nosso amigo, Edgar Vasques, arquiteto e desenhista, também se incorporou `a expedição e seu pai, senhor Helio, um homem de quem guardo uma doce recordação, não concordou com o plano, e disse ao Edgar: “É um bando de loucos e tu és a besta que vai junto!”. Esta manifestação não desmotivou nosso amigo e lá se foi ele junto com o grupo.
Também eu, que não sou boa nadadora, quando disse ao Catu que queria ir junto, ele, gaiatamente respondeu: “Tudo bem, vais como categoria isca. Isca de tubarão!” E assim, na categoria isca, fui aceita na expedição.
Meu irmão, morto em acidente no ano de 1988, foi um homem adorável e deixou muitas saudades. Criativo, amigo, amoroso, inteligentíssimo e, tenho certeza, um grande brasileiro à frente de seu tempo.
Permanecemos em Natal, ponto de partida, até alugarmos um barco que nos levasse e buscasse. Compramos os mantimentos e água. Conseguimos autorização da Marinha e ultimamos toda a logística, que já havia sido definida durante o ano, o que incluía um radio para contato com o continente durante a estadia no atol.
Fomos orientados pela capitania dos portos a sempre usarmos roupas brancas de mangas compridas. O atol, que é uma formação coralínea a partir de uma erupção vulcânica formou essas duas ilhas, quase ao nível do mar. Sua superfície é formada por depósitos das colônias de corais, algas calcáreas e outros micro crustáceos, o que concentra muita luminosidade. Além disso o atol se localiza a 4 graus abaixo da linha do Equador e os riscos de queimaduras sérias é um fato. Duas das moças que participaram da expedição teimaram em não levar a serio esta orientação e sofreram muitas queimaduras.
Neste lugar, de que até hoje tenho viva lembrança, a maré varia pelo menos uns metros. Lembro que na maré cheia uma das ilhas praticamente desaparecia. Quando eu estava por lá para ver as aves que ali nidificam e a maré começava a subir, me apressava a voltar para a Ilha do Farol. A correnteza que se formava era forte e, como categoria isca, precisava manter meus olhos bem abertos.
Vou voltar na história para contar a nossa viagem. O barco que alugamos tinha na sua tripulação dois homens, pai e filho. Lamento não lembrar dos seus nomes, mas recordo bem que o radio do barco parou de funcionar logo na saída e, mesmo assim, resolvemos continuar. A cor do mar, fora da plataforma continental, era de um azul muito denso, extremamente bonito. Lauro Saint Pastous Madureira, outro companheiro, pescou com uma linha presa ao barco um enorme dourado durante a viagem. Era um casal de dourados e não tenho certeza se o outro também foi pescado. Durante a noite aconteceu uma tempestade muito forte. As ondas lavavam o barco. Tive muito medo e lembro que rezei. Acho que não tive duvidas sobre a minha fé nesta hora. Passamos todo o outro dia procurando o atol. O comandante do barco havia nos dito que se não encontrássemos o atol até a noite, deveríamos voltar.
Felizmente, enquanto já preparávamos o jantar, eu, que por não ter enjoado apesar do mar revolto, havia sido elevada à categoria de Imediata do barco, auxiliava o cozinheiro quando ouvi o grito: farol a vista! Muita emoção!
Aguardamos o dia seguinte para que, quando a maré estivesse alta, pudéssemos fazer o desembarque.
A visão daquelas duas pequenas ilhas ficou gravada na minha memória para sempre. Coisa de sonho. Milhares de aves de diferentes especies ali fazem seus ninhos e o constante gralhar e movimento das mesmas causam uma forte impressão. Na época, além das aves, havia um pequeno coqueiro, as ruínas do antigo farol, da casa aonde morou o faroleiro com sua família e o farol automatico, em funcionamento.
Nossos dias eram de mergulhos e registros do ambiente encontrado. A maioria dos participantes tinha ligação com a área biológica e estava ali também com um olhar de estudo.
Naquele período pudemos identificar que havia a desova de tartarugas marinhas na ilha. Já havíamos visto o chão da praia revolto pela manhã, mas não sabíamos que eram as tartarugas que subiam para desovar. Em uma madrugada testemunhamos os pescadores, do barco que havíamos alugado e tinham ido nos buscar, no atol promovendo uma mortandade da espécie.
Isto chocou e revoltou a todos do grupo que, com muita discussão, conseguiu interromper esta verdadeira chacina. Por sorte éramos muitos. O grupo todo tinha umas 17 pessoas. Este triste episódio, devidamente registrado e fotografado, serviu para demonstrar a necessidade de se proteger as tartarugas marinhas. Eram os primórdios de uma conscientização ambiental.
Fora este triste episódio, tudo o mais foi beleza e encantamento. Havia bons mergulhadores entre nós e todo o dia tínhamos peixe fresco para preparar à noite. Lauro Barcellos, representando o Museu Oceanográfico de Rio Grande, cujo diretor, Professor Eliezer de Carvalho Rios, sempre apoiou as expedições realizadas no período, era o chef em exercício e preparava excelentes refeições para o grupo. As barracudas eram deliciosas e lindas.
Mesmo com minha pouca habilidade no mergulho, por estarmos em lugar de águas cristalinas, pude visualizar com a ajuda de mascara, snorkel e pés de pato, uma infinidade de colônias de corais, anêmonas, peixes diversos e até filhotes de tubarão muito animados que chegavam pelo lado de dentro do anel de corais.
Uma noite, nosso amigo Edgar não apareceu para o jantar. Desde que chegara do mergulho, à tarde, permanecera recolhido em sua barraca. Fui chamá-lo e, quando ele me viu disse: “Hoje compreendi a angustia de Beethoven!” Ele sofreu perfuração de um tímpano durante o mergulho e a dor e a surdez que se seguiu fizeram-no pensar no grande músico, também vítima da surdez.
A partir da nossa volta, com o apoio da Maria Tereza Jorge Pádua, então diretora do departamento de parques do antigo IBDF, para o qual Catu já trabalhava, de Renato Petry Leal, da Fundação Zoobotânica de Porto Alegre e do Museu Oceanográfico de Rio Grande foram encaminhados os pedidos da criação da primeira Reserva Biológica Marinha do Brasil e do Projeto de Preservação das Tartarugas Marinhas.
O Atol das Rocas foi declarado Reserva Biológica Marinha em 5 de junho de 1979 e o Projeto Tamar foi instituído em 1980.
Dedico este texto a José Catuêtê. Empreendedor e visionário, participou ativamente da criação da Reserva Biologica Marinha do Atol das Rocas. Fundou o projeto Tamar, junto com o oceanógrafo Guy Marie Marcovaldi. Criou e deixou as bases do Projeto Peixe-Boi Marinho.
Catu deixou um importante legado para a preservação ambiental no Brasil, ajudando a despertar uma consciência ecológica até então muito incipiente. Como disse meu pai, José da Silva e Albuquerque:
“Um gênio do amor a serviço da natureza.”
segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016
Prezados/as!
Hoje, terça-feira (23), acontece o 3º Seminário do Fórum Floripa Quer Mais.
O 3º Seminário do Fórum Floripa Quer Mais (FFQM), que acontece no Teatro Igrejinha da UFSC, tem o tema “O Nó da cultura: Cidade e a Economia da Cultura”. O seminário levanta a discussão sobre a necessidade que a economia criativa e cultural tenham papel preponderante na cidade, transformando-a em referência na área, dinamizando todo um setor da economia local.
Entre os convidados está o folclórico professor e museólogo, Gelci José Coelho – Peninha –, que irá abordar a identidade da cultura na Grande Florianópolis e como ele vê o futuro para o segmento.
A produtora executiva, atriz e dubladora, que idealizadora da primeira Mostra de Cinema Infantil de Florianópolis, Luiza Lins, também será palestrante no evento. Luiza falará sobre sua trajetória profissional, além de expor os desafios e as oportunidades que existem atualmente no município.
Carlos Paiva, especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental do Estado da Bahia e atual secretário de Fomento e Incentivo à Cultura do Ministério da Cultura, também tem presença confirmada na programação. Falará sobre as prioridades no Ministério e na área de fomento, quais são as oportunidades dos municípios e como podem ser proativos nas demandas culturais do país.
sábado, 20 de fevereiro de 2016
Cadê a crise? A imprensa amiga esconde
MAIS ALTO PADRÃO DE VIDA DO MUNDO. Não há jeito como jeito americano |
Trabalhadores desempregados na fila "da sopa", durante a crise de 1929. Acima, o outdoor que esqueceram de tirar, mostrando a arrogância do capitalismo americano.
Por Laércio Duarte
A indústria automobilística emprega hoje apenas 5% dos operários que empregava nos anos 1970, quando Lula liderou as famosas greves no ABC. Isso é consequência de duas coisas: tecnologia de automação e terceirização.
Quando nós Analistas de Sistemas íamos implantar um novo sistema de informações, a reação era sempre de rejeição, por medo do desemprego. Nosso discurso era de que os trabalhadores que seriam dispensados pelas novas rotinas, estariam sendo encaminhados a outros postos de trabalhos, mais nobres e até mais bem remunerados. Eu sabia que isso era mentira, mas, mesmo assim, fazia o discurso.
Uma ocasião, o presidente da companhia que faz a informatização do governo do Paraná, convocou-me a uma reunião da diretoria para dar-me parabéns. Eu tinha sido elogiado pelo assessor executivo da Secretaria da Administração, como um analista "frio e calculista". Deprimente, não é mesmo?
Depois, eu fui entendendo que a modernização era inexorável e o seu contraponto seria o crescimento econômico. Deste ponto de vista, a história registra que no período de 1972 a 1977 o Brasil crescia 11% ao ano. Isso não foi suficiente para que o país se safasse da crise do petróleo, que elevou os juros a níveis estratosféricos e causou grandes danos à economia mundial industrial. De certa forma, foi isso que causou a queda da ditadura militar, a partir de 1981.
O regime civil não nos deu melhores condições econômicas. Eu acredito que nossa grande falha como nação, foi protelar as eleições diretas para presidente da república. Um conchavo entre os militares e as lideranças políticas, fizeram uma eleição fajuta de um conservador, Tancredo Neves, cujo vice presidente era o sabujo da ditadura, José Sarney. De forma estranha, Tancredo morreu antes de tomar posse. O governo Sarney foi um desastre completo. Até que Lula perdeu a eleição para Collor de Melo. Ali iniciou pra valer a desnacionalização do projeto econômico do Brasil, que havia sido pensado durante décadas, primeiro por Getúlio, depois Juscelino, e finalmente pela ditadura militar.
O governo de FHC foi o mais entreguista de todos, e quando se esperava uma reação de Lula, estamos aí como se vê: a Petrobrás destruída, a Eletrobrás no mesmo caminho, nossa política industrial inexistente, o mercado interno sob a pressão da falta de renda das famílias, caindo cada vez mais. A regressão do PIB de 2015 em 4% arrisca ser maior em 2016. Mas, o governo petista continua gastando como se fosse uma ilha de prosperidade. Nada novo, sabendo que eles têm que comprar apoio político da imensa base política, incluindo as organizações petistas CUT-MST-UNE, que estão sempre prontas para o "trabalho" de rua. .
Dos 92 milhões de pessoas na faixa considerada economicamente ativas, temos em torno de 10 milhões de pessoas procurando empregos. É superior à população de muitos países importantes do mundo.
sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016
O MONSTRO
É muito difícil dar um presente para quem já tem tudo. Digo isso porque hoje o meu amigo Dario de Almeida Prado Jr. está fazendo aniversário.
Com a eficiente ajuda do FB, liguei logo cedo. Gosto de aniversários. Não sei porque, mas gosto. Penso nisso, e acho que pode ser porque gosto de comemorar, fazer festa ou, inconscientemente, porque é uma marca de sobrevivência tipo, mais um ano.
Bem, me preocupei em escolher um presente para o Dara, como o chamo. Mas que presente? Ele já leu tudo, sabe tudo sobre arte, conhece música...putz!
Arrisquei. Mandei esse texto do Humberto de Campos.
De monstro para monstro!
Me dei bem!
O Monstro
De Humberto de Campos*
A Paulo César de Andrade
Pelas margens sagradas do Eufrates, que fugia, então, sem espuma e sem ondas, caminhavam, na infância maravilhosa da Terra, a Dor e a Morte. Eram dois espetros longos e vagos, sem forma definida, cujos pés não deixavam traços na areia. De onde vinham, nem elas próprias sabiam. Guardavam silêncio, e marchavam sem ruído olhando as coisas recém criadas.
Foi isto no sexto dia da Criação. Com o focinho mergulhado no rio, hipopótamos descomunais contemplavam, parados, a sua sombra enorme, tremulamente refletida nas águas. Leões fulvos, de jubas tão grandes que pareciam, de longe, estranhas frondes de árvores louras, estendiam a cabeça redonda, perscrutando o Deserto. Para o interior da terra, onde o solo começava a cobrir-se de verde, velando a sua nudez com um leve manto de relva moça, que os primeiros botões enfeitavam, fervilhava um mundo de seres novos, assustados, ainda, com a surpresa miraculosa da Vida. Eram aves gigantescas, palmípedes monstruosos, que mal se sustinham nas asas grosseiras, e que traziam ainda na fragilidade dos ossos a umidade do barro modelado na véspera. Algumas marchavam aos saltos, o arcabouço à mostra, mal vestidas pela penugem nascente. Outras se aninhavam, já, nas moitas sem espinhos, nos primeiros cuidados da primeira procriação. Batráquios de dorso esverdeado porejando água, fitavam mudos, com os largos olhos fosforescentes e interrogativos, a fila cinzenta dos outeiros longínquos, que pareciam, à distância, à sua brutalidade virgem, uma procissão silenciosa, contínua, infinita, de batráquios maiores. Auroques taciturnos, sacudindo a cabeça brutal, em que se enrolavam, encharcadas e gotejantes, braçadas de ervas dos charcos, desafiavam-se, urrando, com as patas enfiadas na terra mole.
Rebanho monstruoso de um gigante que os perdera, os elefantes pastavam em bando, colhendo com a tromba, como ramalhetes verdes, moitas de arbustos frescos. Aqui e ali, um alce galopava, célere. E à sua passagem, os outros animais o ficavam olhando, como se perguntassem que focinho, que tromba, ou que bico, havia privado das folhas aquele galho seco e pontiagudo que ele arrebatava na fuga. Ursos primitivos lambiam as patas, monotonamente. E quando um pássaro mais ligeiro cortava o ar, num vôo rápido, havia como que uma interrogação inocente nos olhos ingênuos de todos os brutos.
Em passo triste, a Dor e a Morte caminham, olhando, sem interesse, as maravilhas da Criação. Raramente marcham lado a lado. A Dor vai sempre à frente, ora mais vagarosa, ora mais apressada; a outra, sempre no mesmo ritmo, não se adianta, nem se atrasa. Adivinhando, de longe, a marcha dos dois duendes, as coisas todas se arrepiam, tomadas de agoniado terror. As folhas, ainda mal recortadas no limo do chão, contraem-se, num susto impreciso. Os animais entreolham-se inquietos e o vento, o próprio vento, parece gemer mais alto, e correr mais veloz à aproximação lenta, mas segura, das duas inimigas da Vida.
Súbito, como se a detivesse um grande braço invisível, a Dor estacou, deixando aproximar-se a companheira.
- Para que mistério - disse, a voz surda, - para que mistério teria Jeová, no capricho da sua onipotência, enfeitado a terra de tanta coisa curiosa?
A Morte estendeu os olhos perscrutadores até os limites do horizonte, abrangendo o rio e o Deserto, e observou, num sorriso macabro, que fez rugir os leões:
- Para nós ambas, talvez...
- E se nós próprias fizéssemos, com as nossas mãos, uma criatura que fosse, na terra, o objeto carinhoso do nosso cuidado? Modelado por nós mesmas, o nosso filho seria, com certeza, diferente dos auroques, dos ursos, dos mastodontes, das aves fugitivas do céu e das grandes baleias do mar. Tra-lo-íamos, eu e tu, em nossos braços, fazendo do seu canto, ou do seu urro, a música do nosso prazer... Eu o traria sempre comigo, embalando-o, avivando-lhe o espírito, aperfeiçoando-lhe à alma, formando-lhe o coração. Quando eu me fatigasse, tomá-lo-ias, tu, então, no teu regaço... Queres?
A Morte assentiu, e desceram, ambas, à margem do rio; onde se acocoraram, sombrias, modelando o seu filho.
- Eu darei a água... - disse a Dor, mergulhando a concha das mãos, de dedos esqueléticos, no lençol vagaroso da corrente.
- Eu darei o barro... - ajuntou a Morte, enchendo as mãos de lama pútrida, que o sol endurecera.
E puseram-se a trabalhar. Seca e áspera, a lama se desfazia nas mãos da oleira sinistra que, assim, trabalhava inutilmente.
- Traze mais água! - pedia.
A Dor enchia as mãos no leito do rio, molhava o barro, e este, logo, se amoldava, escuro, ao capricho dos dedos magros que o comprimiam. O crânio, os olhos, o nariz, a boca, Os braços, o ventre, as pernas, tudo se foi formando, a um jeito, mais forte ou mais leve, da escultora silenciosa.
- Mais água! - pedia esta, logo que o barro se tornava menos dócil.
E a Dor enchia as mãos na corrente, e levava-a à companheira.
Horas depois, possuía a Criação um bicho desconhecido. Plagiado da obra divina, o novo habitante da Terra não se parecia com os outros, sendo, embora, nas suas particularidades, uma reminiscência de todos eles. A sua juba era a do leão; os seus dentes, os do lobo; os seus olhos, os da hiena; andava sobre dois pés, como as aves, e trepava, rápido, como os bugios.
O seu aparecimento no seio da animalidade alarmou a Criação. Os ursos, que jamais se haviam mostrado selvagens, urravam alto, e escarvavam o solo, à sua aproximação. As aves piavam nos ninhos, amedrontadas e os leões, as hienas, os tigres, os lobos, reconhecendo-se nele, arreganhavam o dentes ou mostravam as garras, como se a terra acabasse de ser invadida, naquele instante, por um inimigo inesperado.
Repelido pelos outros seres, marchava, assim, o Homem pela margem do rio, custodiado pela Dor e pela Morte. No seu espírito inseguro, surgiam, às vezes, interrogações inquietantes. Certo, se aqueles seres se assombravam à sua aproximação, era porque reconheciam, unânimes, a sua condição superior. E assim refletindo, comprazia-se em amedrontar as aves, e em perseguir em correrias desabaladas pela planície, ou pela margem do rio, esquecendo por um instante a Dor e a Morte, os gamos, os cerdos, as cabras, os animais que lhe pareciam mais fracos.
Um dia, porém, orgulhosas do seu filho, as duas se desavieram, disputando-se a primazia na criação do abantesma.
- Quem o criou fui eu! - dizia a Morte. - Fui eu quem contribuiu com o barro!
- Fui eu! - gritava a outra. - Que farias tu sem a água, que amoleceu a lama?
E como nenhuma voz conciliadora as serenasse, resolveram, as duas, que cada uma tiraria da sua criatura a parte com que havia contribuído.
- Eu dei a água! - tornou a Dor.
- Eu dei o barro! - insistiu a Morte.
Abrindo os braços, a Dor lançou-se contra o monstro, apertando-o, violentamente, com as tenazes das mãos. A água, que o corpo continha, subiu, de repente, aos olhos do Homem, e começou a cair, gota a gota... Quando não havia mais água que espremer, a Dor se foi embora. A Morte aproximou-se, então, do monte de lama, tomou-o nos ombros, e partiu...
*Humberto de Campos Veras foi um jornalista, político e escritor brasileiro
Com a eficiente ajuda do FB, liguei logo cedo. Gosto de aniversários. Não sei porque, mas gosto. Penso nisso, e acho que pode ser porque gosto de comemorar, fazer festa ou, inconscientemente, porque é uma marca de sobrevivência tipo, mais um ano.
Bem, me preocupei em escolher um presente para o Dara, como o chamo. Mas que presente? Ele já leu tudo, sabe tudo sobre arte, conhece música...putz!
Arrisquei. Mandei esse texto do Humberto de Campos.
De monstro para monstro!
Me dei bem!
O Monstro
De Humberto de Campos*
A Paulo César de Andrade
Pelas margens sagradas do Eufrates, que fugia, então, sem espuma e sem ondas, caminhavam, na infância maravilhosa da Terra, a Dor e a Morte. Eram dois espetros longos e vagos, sem forma definida, cujos pés não deixavam traços na areia. De onde vinham, nem elas próprias sabiam. Guardavam silêncio, e marchavam sem ruído olhando as coisas recém criadas.
Foi isto no sexto dia da Criação. Com o focinho mergulhado no rio, hipopótamos descomunais contemplavam, parados, a sua sombra enorme, tremulamente refletida nas águas. Leões fulvos, de jubas tão grandes que pareciam, de longe, estranhas frondes de árvores louras, estendiam a cabeça redonda, perscrutando o Deserto. Para o interior da terra, onde o solo começava a cobrir-se de verde, velando a sua nudez com um leve manto de relva moça, que os primeiros botões enfeitavam, fervilhava um mundo de seres novos, assustados, ainda, com a surpresa miraculosa da Vida. Eram aves gigantescas, palmípedes monstruosos, que mal se sustinham nas asas grosseiras, e que traziam ainda na fragilidade dos ossos a umidade do barro modelado na véspera. Algumas marchavam aos saltos, o arcabouço à mostra, mal vestidas pela penugem nascente. Outras se aninhavam, já, nas moitas sem espinhos, nos primeiros cuidados da primeira procriação. Batráquios de dorso esverdeado porejando água, fitavam mudos, com os largos olhos fosforescentes e interrogativos, a fila cinzenta dos outeiros longínquos, que pareciam, à distância, à sua brutalidade virgem, uma procissão silenciosa, contínua, infinita, de batráquios maiores. Auroques taciturnos, sacudindo a cabeça brutal, em que se enrolavam, encharcadas e gotejantes, braçadas de ervas dos charcos, desafiavam-se, urrando, com as patas enfiadas na terra mole.
Rebanho monstruoso de um gigante que os perdera, os elefantes pastavam em bando, colhendo com a tromba, como ramalhetes verdes, moitas de arbustos frescos. Aqui e ali, um alce galopava, célere. E à sua passagem, os outros animais o ficavam olhando, como se perguntassem que focinho, que tromba, ou que bico, havia privado das folhas aquele galho seco e pontiagudo que ele arrebatava na fuga. Ursos primitivos lambiam as patas, monotonamente. E quando um pássaro mais ligeiro cortava o ar, num vôo rápido, havia como que uma interrogação inocente nos olhos ingênuos de todos os brutos.
Em passo triste, a Dor e a Morte caminham, olhando, sem interesse, as maravilhas da Criação. Raramente marcham lado a lado. A Dor vai sempre à frente, ora mais vagarosa, ora mais apressada; a outra, sempre no mesmo ritmo, não se adianta, nem se atrasa. Adivinhando, de longe, a marcha dos dois duendes, as coisas todas se arrepiam, tomadas de agoniado terror. As folhas, ainda mal recortadas no limo do chão, contraem-se, num susto impreciso. Os animais entreolham-se inquietos e o vento, o próprio vento, parece gemer mais alto, e correr mais veloz à aproximação lenta, mas segura, das duas inimigas da Vida.
Súbito, como se a detivesse um grande braço invisível, a Dor estacou, deixando aproximar-se a companheira.
- Para que mistério - disse, a voz surda, - para que mistério teria Jeová, no capricho da sua onipotência, enfeitado a terra de tanta coisa curiosa?
A Morte estendeu os olhos perscrutadores até os limites do horizonte, abrangendo o rio e o Deserto, e observou, num sorriso macabro, que fez rugir os leões:
- Para nós ambas, talvez...
- E se nós próprias fizéssemos, com as nossas mãos, uma criatura que fosse, na terra, o objeto carinhoso do nosso cuidado? Modelado por nós mesmas, o nosso filho seria, com certeza, diferente dos auroques, dos ursos, dos mastodontes, das aves fugitivas do céu e das grandes baleias do mar. Tra-lo-íamos, eu e tu, em nossos braços, fazendo do seu canto, ou do seu urro, a música do nosso prazer... Eu o traria sempre comigo, embalando-o, avivando-lhe o espírito, aperfeiçoando-lhe à alma, formando-lhe o coração. Quando eu me fatigasse, tomá-lo-ias, tu, então, no teu regaço... Queres?
A Morte assentiu, e desceram, ambas, à margem do rio; onde se acocoraram, sombrias, modelando o seu filho.
- Eu darei a água... - disse a Dor, mergulhando a concha das mãos, de dedos esqueléticos, no lençol vagaroso da corrente.
- Eu darei o barro... - ajuntou a Morte, enchendo as mãos de lama pútrida, que o sol endurecera.
E puseram-se a trabalhar. Seca e áspera, a lama se desfazia nas mãos da oleira sinistra que, assim, trabalhava inutilmente.
- Traze mais água! - pedia.
A Dor enchia as mãos no leito do rio, molhava o barro, e este, logo, se amoldava, escuro, ao capricho dos dedos magros que o comprimiam. O crânio, os olhos, o nariz, a boca, Os braços, o ventre, as pernas, tudo se foi formando, a um jeito, mais forte ou mais leve, da escultora silenciosa.
- Mais água! - pedia esta, logo que o barro se tornava menos dócil.
E a Dor enchia as mãos na corrente, e levava-a à companheira.
Horas depois, possuía a Criação um bicho desconhecido. Plagiado da obra divina, o novo habitante da Terra não se parecia com os outros, sendo, embora, nas suas particularidades, uma reminiscência de todos eles. A sua juba era a do leão; os seus dentes, os do lobo; os seus olhos, os da hiena; andava sobre dois pés, como as aves, e trepava, rápido, como os bugios.
O seu aparecimento no seio da animalidade alarmou a Criação. Os ursos, que jamais se haviam mostrado selvagens, urravam alto, e escarvavam o solo, à sua aproximação. As aves piavam nos ninhos, amedrontadas e os leões, as hienas, os tigres, os lobos, reconhecendo-se nele, arreganhavam o dentes ou mostravam as garras, como se a terra acabasse de ser invadida, naquele instante, por um inimigo inesperado.
Repelido pelos outros seres, marchava, assim, o Homem pela margem do rio, custodiado pela Dor e pela Morte. No seu espírito inseguro, surgiam, às vezes, interrogações inquietantes. Certo, se aqueles seres se assombravam à sua aproximação, era porque reconheciam, unânimes, a sua condição superior. E assim refletindo, comprazia-se em amedrontar as aves, e em perseguir em correrias desabaladas pela planície, ou pela margem do rio, esquecendo por um instante a Dor e a Morte, os gamos, os cerdos, as cabras, os animais que lhe pareciam mais fracos.
Um dia, porém, orgulhosas do seu filho, as duas se desavieram, disputando-se a primazia na criação do abantesma.
- Quem o criou fui eu! - dizia a Morte. - Fui eu quem contribuiu com o barro!
- Fui eu! - gritava a outra. - Que farias tu sem a água, que amoleceu a lama?
E como nenhuma voz conciliadora as serenasse, resolveram, as duas, que cada uma tiraria da sua criatura a parte com que havia contribuído.
- Eu dei a água! - tornou a Dor.
- Eu dei o barro! - insistiu a Morte.
Abrindo os braços, a Dor lançou-se contra o monstro, apertando-o, violentamente, com as tenazes das mãos. A água, que o corpo continha, subiu, de repente, aos olhos do Homem, e começou a cair, gota a gota... Quando não havia mais água que espremer, a Dor se foi embora. A Morte aproximou-se, então, do monte de lama, tomou-o nos ombros, e partiu...
*Humberto de Campos Veras foi um jornalista, político e escritor brasileiro
quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016
As bancadas da Câmara
Maiores grupos de parlamentares da Câmara são pautados por
interesses corporativos, conservadores ou por ambos; mapeamos quem
defende o quê
Os deputados federais da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), uma das maiores e mais organizadas bancadas da Câmara dos Deputados, reúnem-se semanalmente durante um almoço em uma mansão no Lago Sul, bairro nobre de Brasília. Divulgado com antecedência também para a imprensa, o “cardápio” – nome dado pela assessoria própria da FPA às pautas que estarão em debate – na terça-feira (16) incluiu a tributação de produtos agrícolas, a indenização de propriedades quando desapropriadas e a indicação de membros para as comissões permanentes da Câmara dos Deputados, cuja composição é renovada a cada ano. Além do colegiado de Agricultura, os ruralistas estão de olho especialmente em outros dois: o de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) e o de Meio Ambiente.
“Nós vamos tentar colocar o máximo de pessoas que tenham condições de debater a questão ambiental no Brasil, não de forma ideológica nem radical, mas de forma equilibrada. Vamos tentar, sim, ter uma grande maioria”, disse à Pública, após o almoço, o deputado federal Nilson Leitão (PSDB-MT). Vice-presidente da FPA, ele é o relator da CPI da Funai e do Incra, que pretende devassar os órgãos federais, e presidiu a comissão especial que em 2015 aprovou a PEC 215 – que inclui o Congresso Nacional no processo de demarcação de terras indígenas. “Nós vencemos na parte da comissão; agora é tentar colocar logo em plenário, ver o que a Câmara vai decidir e fazer com que o Senado também possa acelerar o processo”, diz, sobre a PEC 215, cuja aprovação em definitivo é um dos principais objetivos da frente para 2016 – por mais que ela seja taxada por muitos juristas como inconstitucional.
Além da FPA, diversas outras bancadas atuam diariamente no Congresso Nacional, reunindo deputados com ideologias, motivações ou objetivos semelhantes, ou ainda com financiadores do mesmo setor. A dinâmica de funcionamento desses conjuntos temáticos é heterogênea. Nem todos possuem estrutura ou estratégia semelhante aos ruralistas – que contam com coordenadores, agitadores e negociadores entre os seus inscritos –, e em muitos casos a formação da bancada só fica clara com o desenrolar de pautas específicas ou com a ajuda dos dados de doação de campanha.
Para mostrar quais parlamentares defendem quais interesses, a Pública levantou a composição de onze das bancadas mais atuantes. Além dos ruralistas, que contam com 207 deputados, mapeamos outras gigantes da Câmara: a evangélica (197), a empresarial (208), a das empreiteiras e construtoras (226) e a dos parentes (238), o maior agrupamento da Casa – confirmando a tendência de aumento do número de deputados com familiares políticos, como a Pública mostrou recentemente.
Leia matéria completa na Pública.
O Coronel é meu leitor...e colaborador
Vez por outra tenho me socorrido dos seus préstimos no sentido de denunciar algumas barbaridades praticadas no Estado.
Uma delas diz respeito a comentários proferidos por funcionários públicos civis em reunião com oficiais da PM no interior da Secretaria de Segurança Pública de que o Quartel do Comando Geral da PMSC e do CBMSC, sairiam dos seus atuais aquartelamentos e seriam instalados numa das três torres que estão sendo construídas na Av. Ivo Silveira, ao lado do Morro da Caixa na região continental de Florianópolis, mais precisamente ao lado da Phipasa, concessionária FIAT.
Aproveito o ensejo para informar que em maio deste ano deixarei a presidência da Associação dos Oficiais Militares de Santa Catarina (ACORS - Associação Capitão Osmar Romão da Silva), permanecendo apenas como membro da Academia de Letras dos Militares Estaduais (ALMESC).
Sucesso e um forte abraço fraternal.
O encouraçado de pedra
Quartel da Força Pública de Santa Catarina em 1916.
Fonte:
Ilha de Santa Catarina - Florianópolis. Gilberto Gerlach.
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O gigante de pedra fincado nos altos do Mato Grosso, que assistiu emudecido à passagem de dois séculos, está sangrando mortalmente ante a ignomínia do ser humano. Aquelas paredes silenciosas viram momentos de glória e de derrota. Por aqueles pátios, escadas, corredores e salas, transcorreu parte da história Barriga-verde. Personagens heroicos e covardes trocaram turnos na calada da noite ou no burburinho do dia. Através daquelas janelas, diversos olhos espreitaram o passar da história, interferindo muitas vezes no seu curso. Naquela frontaria, Trogílio Melo matou Adeodato, a última lenda viva da resistência do Contestado. No flanco direito do quartel, nasceu, na segunda década do século XX, o Corpo de Bombeiros Militar. Por aquele Portão das Armas triste, adentrou o General Ptolomeu de Assis Brasil para entronizar, por 13 dias, o gaúcho Amadeu Massot, Coronel da Brigada Militar que veio infligir suplício aos derrotados na revolução de 1930. Em 1935, o veterano edifício se engalana feliz para receber os festejos do Centenário de Criação da Força Pública Catarinense. No flanco esquerdo do quartel, o Tenente Rene’ Vèrges erigiu o obelisco comemorativo do 1º Centenário da Força Pública, monumento granítico com 8,20 metros de altura e cerca de 5 mil quilos. No seu entorno, o tempo testemunhou inúmeras gerações de Oficiais, praças e familiares a prantear, em maio de cada ano, a perda irreparável de seus companheiros de jornada no cumprimento do dever. Os tempos modernos insculpiram no mármore negro a nominata dos heróis desafortunados, esquecidos soldados da grei, que jamais serão esquecidos por nós. A história segue alternando apenas os personagens, enquanto a edificação segue perene e intocada, cumprindo com galhardia a missão que lhe fora outorgada. Por ali passou o presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira, Coronel Médico da Polícia Militar de Minas Gerais, para receber das mãos de Oficiais um exemplar da revista Laço Húngaro. Sob os céus daquele gigante, perdeu a vida em acidente aéreo o Tenente Aviador Durval Pinto Trindade, numa demonstração da Esquadrilha da Fumaça aos cadetes da PM que recebiam o espadim naquele dia. Assistimos, perplexos e emudecidos, à troca de comando dos nossos Oficiais pelos comissionados do Exército Brasileiro. Um hiato de incertezas foi plantado e atemorizou-nos. O tempo passou inexorável, e, com o advento dos ventos democráticos que passaram a soprar sobre o país, os nossos coronéis retomaram as rédeas da corporação. A modernidade se fez presente com a chegada das mulheres ao nosso corpo de tropa, a implantação da informática, do COPOM, da ambiental, da aviação, a instalação da sala de situação, a emancipação do Corpo de Bombeiros Militar, enfim, a história continuou seguindo o seu curso, apenas com a natural troca de turno dos personagens. Perene, porém, continuava o já velho encouraçado de pedra, atracado não mais no Mato Grosso, mas sim nas cercanias da Praça Getúlio Vargas, carinhosamente conhecida como a Praça do Quartel da PM ou dos Bombeiros. Como as constantes nuvens negras que pairam sobre as nossas cabeças, joga-se a pá de cal sobre os escombros do que restará da nossa histórica tradição. Podemos apagar a luz, fechar a porta e entregar a chave a um cidadão civil qualquer para que nos comande. Ou, ao contrário, defender em uníssono que a quadra do QCG, a mais valiosa unidade da PMSC, permaneça sendo palco das mais relevantes decisões em prol da segurança do cidadão catarinense.
SAIBA MAIS
Os crescentes comentários sobre uma possível transferência dos Comandos-gerais PM e BM para as torres da Secretaria de Segurança Pública, na área Continental em Florianópolis, geraram as mais calorosas reações por parte de quem reconhece e valoriza o vínculo da Polícia Militar de Santa Catarina com o prédio histórico onde está instalado seu QCG, desde quando a região era emoldurada por trilhos de bonde e criticada por ser distante do Centro.
Apesar das divergências entre historiadores – Osvaldo Cabral situa a transferência do QCG para sua sede atual após a Proclamação da República, em 1889, e Carlos Humberto Corrêa a antecipa para 1888 – é incontestável a relação de mais de um século da PMSC com o prédio originalmente construído para ser um colégio, testemunha ocular do progresso da cidade, a começar pela praça na qual se debruça, que já respondeu pelas alcunhas de Largo Municipal da localidade de Mato Grosso e Praça 17 de Novembro. Confira, abaixo, o destaque dado pela arquiteta e urbanista Eliane Veras da Veiga, no livro “Florianópolis – Memória Urbana”, ao que considera um dos principais referenciais arquitetônicos da cidade.
“A Força Policial da Província de Santa Catarina foi criada em 1835 pelo presidente da Província Feliciano Nunes Pires, e ficou instalada, nos primeiros tempos, no térreo da Casa de Governo. Dali mudou-se, indo ocupar, por volta de 1860, um prédio na esquina da rua Victor Meirelles, fronteiro ao Quartel de Artigos Bélicos, onde hoje está o prédio da Empresa de Correios e Telégrafos. Quando suas instalações tornaram-se insuficientes, ele foi transferido para um prédio em que funcionara um colégio. A fachada principal ostenta na atualidade uma gravação com a referência MDCCCLXXXIX (1889). Em 1927, o Quartel da Força Policial, também chamado Quartel da Força Pública, teve suas antigas dependências completamente remodeladas e construiu outras novas sobre um dos pavilhões antigos do Quartel. Em sete salas instalaram-se as 4ª, 5ª e 6ª Companhias, Companhia de Metralhadoras Mistas, Companhia Extranumerária, Pelotão de Cavalaria e Secção dos Bombeiros, com os gabinetes dos respectivos comandos das Companhias anexos, todos eles mantendo a mesma feição estética. Instalaram-se, ainda, a Contadoria, o Almoxarifado, o Corpo da Guarda, a sala destinada ao Estado-Maior e as Casas da Ordem, assim como as dependências apropriadas à barbearia, farmácia, dentista e cantina. Em 27 de setembro de 1927, foi feita a inauguração oficial da Secção de Bombeiros desta Capital, que ficou anexa à Força Pública. O Quartel foi considerado, na época, um dos melhores no gênero em todo o país.”
quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016
OLHAR
Bar Les 3 diables, Nice, França. |
Entendo o olhar das pessoas. É o que sei – perco documentos,
tenho que fazer segunda via, mas entendo o olhar das pessoas.
Não é muito? Sei pouco do resto.
Ela era frentista dum posto de gasolina na 315 Sul.
Tinha uma filha que estudava numa escola pública.
Foi assim, assim. Conversando.
Queria sair com a moça. Ela era brava demais. Ela era terna
demais. Não ao mesmo tempo. Não sei explicar.
Cansada de receber cantada dos rapazes ricos da região, ela
levando aquela vida dura, começando às seis da manhã, tendo que sair antes das
cinco de casa.
Quem sabe, ele também conhecesse o olhar das pessoas.
Quando falo em olhar, estou dizendo coração, alma, vísceras,
tudo.
Se quase sempre o outro era um inferno na nossa vida, às
vezes um momento poderia ser bom – mesmo um tempinho só, relâmpago, nuvem bem
breve.
A moça não entendia o meu interesse em relação a ela.
Tirou o macacão, a jornada estava encerrada.
Não haveria mais posto de gasolina naquele dia.
Quando voltou, parecia outra pessoa, cabelos escorridos,
lábios pouco pintados, sorridente, tão feminina.
O uniforme do serviço
não era ela. O uniforme era só o uniforme.
– Você é bonita.
Num segundo , num só segundo, contemplei a árvore em frente. Nós os viventes, vamos existindo
assim, todos os dias, o tempo não
parando, sem saber quando sairemos desse mundo. É esse viver diário que leva à eternidade? Não,
não queria fazer filosofia, não queria parecer pessimista, não queria pensar no
mundo, nada, só desejava sair com a moça.
– Você está falando sozinho? – ela me perguntou sorrindo.
– Eu sempre falo sozinho. Mas para dentro.
Sorri para ela.
– Às vezes, falo com os outros. Converso com bichos,
plantas, árvores, e com os meus diabos.
Ela riu de novo, com simpatia. Mais um louco, talvez tenha
pensado.
– O senhor é estranho, diferente – e olhou-me fixamente.
Também ri. Era o dia das “filosofices”. Somos todos
estranhos – monologuei.
– Me chama de você, eu pedi.
Ela me olhou de novo, mais profundamente ainda.
– O senhor é diferente dos outros homens que abastecem aqui
e daqueles que moram perto de mim.
Sempre o “senhor”.
Ela morava no entorno, já em Goiás.
Não havia perguntado o seu nome. Então, é “ela”. Sempre
“ela”.
– Você sempre escreve a mesma coisa.
Eram os meus diabinhos que falavam.
Eu sei, mexo no estilo, mudo, corto, vario, mas não adianta. Não mudo os temas ou os temas é que não mudam?
– Você sempre tem um álibi para a repetição.
Os velhos demônios não se convenciam.
Nunca concordavam comigo.
Mas essa vida é sempre igual – tentei argumentar
Os demônios me deram um sossego.
Pensei no que monologara: mas essa vida é sempre igual.
Sinceramente, acho que não está igual.
Está pior. Mais aborrecimento, mais Mal, mais trânsito, mais
dor. Os diabinhos riram. Parecia um coral.
– Está incomodado com a velhice? – eles indagaram. Pareciam
ainda mais sardônicos.
– Está tão queixoso...
– Está perturbado com a morte que virá?
Foram três perguntas seguidas.
– Não adianta, vamos todos morrer – os capetas constataram,
e riram intensamente.
Eles falavam. Eu fiquei quieto.
– Não adianta, você continua o velho moralista – falou um
diabo.
Um demônio pareceu cutucar o outro.
Todos me cutucavam.
As religiões existem por causa do medo da morte – eu falava
para dentro.
– Assaltaram o posto ontem à noite, mas eu trabalho de dia –
a moça me informou.
– Ainda bem – e senti-me confortado.
– Você tem alguém? – indaguei.
– Tenho.
Tudo é sempre assim: um filho, um marido, um ônibus, um
emprego mixuruca, um lugar distante.
Não perguntei a sua idade. Vinte e três anos?
Vinte e cinco? Isso eu não sei responder.
Eu sei, já sou um senhor.
Estou mais perto Dela.
– No assalto, atiraram no meu colega. Ele já tinha dado o
dinheiro. Só atiraram por atirar.
Relatou o caso, como algo da rotina. Sem qualquer drama.
Como algo natural.
– E ele morreu?
– Está muito mal no hospital.
Não sei a razão da moça me relatado o ocorrido.
– Eu não tenho nem o Segundo Grau – me contou.
Isso não me interessa – eu falei com sinceridade e
intensidade.
Os diabinhos riram: sinceridade e intensidade...
– Eu nunca posso buscar uma verdade humana?– perguntei
irritado.
Os capetas continuaram debochando.
Convidei-a para um lanche.
Ela comeu um pedaço de pizza como se estivesse vendo o mar
pela primeira vez.
Era bonito de ver. Tomando uma coca, botando molho na pizza.
– Eu pego o ônibus aqui no Eixinho, ela informou.
– Vai em pé ou sentada?
– Quase sempre em pé.
– Posso te deixar na rodoviária, disse.
– Tá bom.
Ela contou também que o gerente do posto a aporrinhava todos
os dias.
Vingando-se nos empregados das broncas do proprietário.
– Você é evangélica?
– Por quê?
– É que no entorno, todo mundo parece que é ou vai ser.
– Não, eu não sou, mas quase toda a vizinhança é. Só dá
traficante e evangélico.
Chegamos à rodoviária. Ela desceu do carro.
“Tchau”. Tchau. Arrumou o cabelo e desapareceu no meio da
multidão.
* Querido Emanuel,
os teus 3 diabinhos me lembraram esse bar, Les 3 Diables, que fica no Les Ponchettes, na Viex Nice e que frequentei com assiduidade em um período que passei por lá.
Daí a ilustração.
Abração, amigo!
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