É aqui que envelheço, lembrando de antigos abacateiros,
pitangueiras e mangueiras.
Escrevo para quem sabe que vai morrer.
O que espero? Já escrevi tudo o que precisava?
Não,
não contaria a ele sobre o câncer – a “tristeza das células”, segundo Jayme
Ovalle.
Ele não merecia mais uma notícia ruim. Ruim? É da humana
lida. Saudades? Sim. Sentia muito. Soaria pomposo, faria “filosofia” e não
ficção se falasse em dessacralização do real, ou de que nada mais importa, tudo
se evapora, nada fica, mesmo as palavras de um sábio caem no vazio? O
pensamento profundo, como pensava George Steiner, nasce de uma “necessidade de transcendência”.
E que transcendência há nesse mundo?
Ficção ou ensaio? Ensaio o ficção? Tudo misturado. Não são
fáceis as palavras na velhice.
“O mundo, livre de Deus, foi sendo aos poucos dominado pelo
diabo, pelo espírito do mal, pela crueldade”. (...)
Vejamos o universo à nossa volta, e aquele menino, agora
adolescente que eu não poderia ver. Um menino anônimo no meio do culto pela
fama, pelo prazer instantâneo, pelas “redes sociais” que demonizam quem pensa
diferente.
Pós- cultura, pós-verdade, e necessitamos de algo que já não
sabemos definir.
Seria Deus na soleira da porta?
É a “sociedade do espetáculo”, como definiu Guy Debord.
Mas queria falar sobre o menino – quase-adolescente.
Que tanto amei.
Estou sentado em cima de fragmentos, de memórias, de
guerras, de torturas, de pesadelos.
Eu sei e já disse: tudo é veloz, e é aqui que envelheço. É
um mundo apenas financeirizado, da hegemonia da competição, e onde não sabemos
mais distinguir o que é verdade do que é mentira. Levara o menino em parques,
circos, colhemos goiabas.
Nesse mundo – outros já o disseram – as coisas (mercadorias)
passaram a ser os verdadeiros donos da vida.
“O espetáculo, afirma Debord, “é a ditadura efetiva da
ilusão na sociedade moderna” – lembrado por Vargas Llosa em “A Civilização do
Espetáculo”.
Onde estão aqueles velhos domingos em que eu saía com o
menino? As categorias que falam em “otimismo” ou “pessimismo” não entram na
mente daquele que escreve visceralmente, por funda necessidade. Os domingos? Nos
porões da memória, E a memória foi ficando a alma do humano – ou de que é
humano para mim.
Eu sei, eu sei. Repito Terêncio: nada
que é humano me é estranho.
Mas deste amor, menino, eu não abdico, até chegar à Terceira
Margem do Rio. Menino.
(Salvador, fevereiro de 2017)
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