por Emanuel Medeiros Vieira
Neste dia em que o inverno começa, não queria pedir indulgência pela emoção.
Escuto “Never Forget”, com Michelle Pfeiffer, e lembro-me do morango com nata que mamãe fez para mim quando passei no Exame de Admissão (não existe mais) no “Colégio Catarinense”, na Ilha, e iria para o Ginasial (também não existe mais).
Da letra: “Você está em casa”.
Nasci tarde demais.
“Diga que vai me entender”.
Revi mais uma vez “Meia Noite em Paris”(“Midnight in Paris”), de Woody Allen..
O tempo melhor de nossas vidas será sempre o que não vivemos: o outro – além.
Recordei-me de um diálogo de um filme em que um personagem, ironicamente, pergunta a outro se ele é um “suicida”.
O interlocutor responde de bate-pronto: “Só de manhã”. E era o horário do dia que eu mais amava – havia um ritual, abria as cortinas do quarto e dizia: “Bom dia, dia”.
Bom dia, dia.
Querem saber (relevem o vitimismo) o que é um câncer doloroso e incurável:
A Velha Companheira, a Indesejada das Gentes na soleira da porta para me dar o bote, e eu espero, vivo esperando, vivo achando que sempre falta alguma coisa.
Afinal, o que é o câncer incurável? É isso. Ser suicida de manhã (a gente não se mata não), para mim a hora que mais dói (literalmente, não é dor metafórica ).
Meu (hipotético) Pai: Poupe-me das dores físicas, que das morais eu mesmo cuido.
“Amor e saudade estão estáveis”.
Recordei-me de uma discussão sobre a Misericórdia Divina e a Raiz do sofrimento e do Mal entre dois padres jesuítas cultos no início da década de 60, no “Colégio Anchieta” – onde fiz o antigo Curso Clássico, também estudei com Bolsa de Estudos (como no “Catarinense” em Florianópolis), em Porto Alegre.
O Sofrimento é um Mistério? É. Mas a constatação não me satisfaz.
Por que Deus teria feito os homens tão imperfeitos?
E a raiz do Mal? – insisto.
Vi aos 20 anos uma criancinha numa cadeira de rodas e aquilo nunca me saiu da cabeça.
Penso em Franz Kafka e Albert Camus – santos de minha imensa devoção – e constato: O Absurdo é a evidência que desperta.
Quando eu tocava no assunto, todos retrucavam: “Esqueces do Livre Arbítrio”.
Resta-me escutar de novo “Never Forget.
Uma voz mais forte me adverte: “Não seja chorão”.
Um homem de verdade enfrenta a morte de frente, olha nos seus olhos, bem lá dentro e deverá dizer: em frente.
Michelle canta pungente e suavemente. Por favor, escutem (a letra e a música).
O morango com nata, com um suco de maracujá, uma regata, o rosto de minha mãe, ela no fogão de lenha, posta de tainha frita, pirão d’água, e essa emoção que inunda esta manhã – ria, sem lágrimas.
Rio, com lágrimas...
Sentimental demais.
Estou segurando este meu Inimigo Íntimo há quatro anos, cinco meses e vinte e um dia.
Alfredo David, meu sobrinho e amigo, tão iluminado e amado, faria hoje 60 e foi-se com 28 anos.
Os mais brilhantes de uma geração carregam nas mãos uma vela que queima mais rápido?
Alguém me perguntou se minha geração – a de 1945, do final da guerra, fracassou.
Se quiser ser sincero, diria que internamente meus companheiros, meus melhores amigos, fizeram o que amaram: foram professores, editores, escritores, cineastas, cientistas políticos, engenheiros, jornalistas, advogados, médicos, arqueólogos, enfermeiros, servidores públicos, dramaturgos etc.
Deu para o gasto – não sei se para o gosto...
No outro sentido, sim, fracassamos.
A injustiça que combatemos nos nossos eternos 20 anos, cresceu, como a brutalidade, a morte na tortura, a vitória (provisória?) novamente da ignorância, da xenofobia, do preconceito, do ressentimento, do horror à inteligência, do neopentecostalismo mais reacionário, das redes antissociais fundamentalistas, do individualismo feroz, e do que mais deplorei e deploro, até o último momento da minha vida: a desigualdade torpe e obscena.
VIVEMOS NO BRASIL E NO MUNDO UM PROCESSO DE REGRESSÃO CIVILIZATÓRIA.
Tomo os remédios, cuidam de mim, ainda como tainha frita, nata raramente encontro, e minha memória parece uma alameda de mortos – amigos tão amados.
E Michelle canta: “Jamais te esqueceremos”.
Ela proclama: “Você vai voltar para casa”.
Casa. Casa.
“Lembrei de todos os dias do sol de verão antes do inverno chegar”.
“Jamais vamos te esquecer.”
UM DIA VOLTAREMOS TODOS PARA CASA.
(Admiro muito os que creem autenticamente).
“Todas as imagens serão calcinadas pelo tempo. No máximo, nas conversas em volta de uma mesa de festa, pode ser que alguém se lembre de uma parenta morta. Seremos apenas um nome, cujo rosto vai se desvanecer até desaparecer na massa anônima de uma geração distante”. (Annie Ernaux).
E alguém acrescenta: “Nada restará de ninguém. Mas até lá, até o fim, até o nada, dará para compartilhar gestos, cidades, sentimentos, raciocínios, lágrimas, o mundo. Será possível sentir o que é comum a todos, a solidão. Viver em conjunto o isolamento individual e social só é possível na literatura”.
Já foi dito muitas vezes – e está internalizado em muitos: só a Arte nos salva – nos legitima.
E – CLARO – A ÉTICA PESSOAL COMO IMPERATIVO CATEGÓRICO.
(Já vislumbro na percepção de alguns (muitos dos poucos, mas fiéis leitores?): “Novamente um texto triste e pessimista”. Será? É fundamental ser sempre fiel a si mesmo, aos nossos valores, ao que acreditamos.)
Recordo-me do grande escritor negro norte americano James Baldwin (1924-1987): ”O riso e o amor vêm do mesmo lugar, mas pouca gente vai lá”. (Brasília, junho de 2019)
Comentário do amigo Márcio Dison:
POEMANUEL
Entre os caminhos, escolho o do riso
Rio descortina água de lágrimas cristalinas
Querido afluente do humor de siso
Que rido tenho à farta, gargalhadas meninas.
Entre as escolhas, caminho na corda bamba
Oceano infestado de peixes palhaços
Ao ingênuo olhar o mais frio descamba
Espasmos misturam-se a plenos estardalhaços.
Alvejado, infeliz, sob escombros, sorria à ideia
Ranja os dentes, metáfora da cura
Em todas as bulas a risada é panaceia.
E perdido de riso, sob o mel da catarse ou em apneia
Franza o cenho à vida, hipérbole da censura
Um sorriso de rainha contagia qualquer colmeia.
MÁRCIO DISON
Paulo deixou um novo comentário sobre a sua postagem "“NEVER FORGET” (“NUNCA ESQUEÇA”)":
É querido tio. Temos conversado muito menos do que gostaria eu. Porém, cada leitura de tuas linhas te trás pra perto, muito perto, como na ultima passagem por 'tua' trilha para Ponta do Rapa, em que teus olhos eram meus guias e fiz de tuas memórias, meus passos pela mata, cujo silêncio era interrompido, de vez em quando, ritmadamente pelo mar da Lagoinha e do costão para Brava. Andamos juntos.
Bjo Paulinho
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