por Eduardo Guerini
“Como
país, acho que o Brasil não tem saída – não é trágico, como o México, não; é
apenas letárgico, egoísta, autocomplacente, meio maluco. O país perdeu a
inteligência e a consciência moral. (...) A ignorância pesa sobre o povo como
um nevoeiro. A intriga política alastra-se por sobre a violência, a sonolência
enfastiada do país. Não é um existência; é uma expiação.” (Elisabeth Bishop,
poeta americana)
No jargão da realidade virtual e da ótica, uma
visão tridimensional garante a capacidade de compreender os fenômenos que “a
olho nu” não percebemos, desde as variações das sombras, o movimento, gerando
uma “paralaxe” que encampa a visão do deslocamento dos objetos observados em
pontos ligeiramente diferentes que fundidos no cérebro fornecem informações quanto
à profundidade, distância, posição e tamanho dos objetos. Eis que a visão
ultraliberal da economia no governo Bolsonaro, consegue gerar um efeito
totalmente distinto, retomando a forma unidimensional para resolver problemas
complexos da sociedade brasileira clivada por desigualdades e iniquidades,
gerando um efeito distorcido da atuação necessária do Estado. Em síntese, a visão antiestatal se traduz no
jargão “Menos é Mais”, ou seja, menos Estado e mais mercado.
Do ponto de vista político, o Ministro da Economia
assume um versão cataclísmica da crise fiscal que assola a União, Estados e Municípios,
dando um tiro mortal na Constituição de 1988, que primava pela autonomia e
emancipação em prol da cidadania. A ausência de um movimento político para
formar uma nova Assembleia Constituinte, tratando os problemas socioeconômicos
e políticos atuais, são tratados como mero apêndice a ser aprovado por
Propostas de Emenda Constitucional (PECs), num Congresso Nacional subserviente
e passivo.
O protocolo no Senado Federal de três Propostas de
Emenda, são descritas na PEC 186/2019
que institui os gatilhos para conter gastos públicos em caso de crise
financeira na União, Estados e Municípios, proibindo o endividamento público
para despesas correntes (salários do funcionalismo, benefícios de
aposentadoria, contas de energia e outros custeios), inclusive, com redução de
jornada de trabalho e salários dos servidores públicos.
Noutro eixo, desvincula fundos públicos (PEC 187/2019), com revisão
constitucional e infraconstitucional para liberar (destravar) aproximadamente
R$ 200 bilhões dos fundos setoriais, no abatimento de dívida pública. É a
sangria de recursos públicos setoriais para desenvolvimento da infraestrutura
em prol do sistema financeiro.
No caso da PEC
188/2019, o Pacto Federativo se traduz em profundas alterações na divisão
dos recursos da União, Estados e Municípios, prevendo a descentralização dos
recursos do pré-sal; a criação do Conselho Fiscal da República, que avaliará
trimestralmente a situação financeira dos Estados, medidas de desvinculação,
desindexação e desobrigação do Orçamento.
No apadrinhamento político pelo líder do Governo,
as propostas de iniciativa parlamentar tramitam pelo Senado Federal, em clara
tentativa de evitar percalços na aprovação da mais radical alteração do Estado
brasileiro.
No campo econômico será a desobrigação fiscal da
União para com Estados e municípios endividados, como destaca o título de
“transformação do Estado”, com instituição do modelo de “shutdown” ou “emergência
fiscal, com desvinculação de fundos públicos, reforma tributária e onda de
privatizações. Existe a previsão de extinção do PPA (Plano Plurianual),
planejamento de médio prazo de ações governamentais, com objetivos e metas
definidas, e, consequentemente, se estabelecer uma normatização no orçamento na
forma de fluxo-financeiro, com realismo orçamentário, com controle de
benefícios tributários, limitados a 2% do PIB, em 2026. Na desobrigação desvinculante da União para
entes da República Federativa, as frases contundentes “cada um assume sua
conta” e “quem fez a dívida, arca com ela”, aduzem a noção de quebra federativa
no esteio da reforma ultraliberal.
A desvinculação de fundos setoriais para
amortização da dívida pública, traz em seu bojo, uma “saída de emergência”, a
desindexação de despesas obrigatórias com fundos que serão livremente
movimentados, inclusive para os gastos como educação e saúde, que incluirão
sorrateiramente, as despesas com pensões e aposentadorias dos funcionários
públicos. Todos os fundos tem um destino certeiro, a amortização da dívida pública, para alegria
do sistema financeiro. É o
desmantelamento do serviço público sem prosa nem verso.
No caso do municipalismo, as medidas de
fortalecimento da federação, emanam pérolas do modelo de “Estado Leviatã”, as
metas para incorporação/extinção de municípios com menos de 5 mil habitantes e
arrecadação própria menor que 10% da receita total, transforma municípios em
distritos. Neste contexto, levantamento preliminar aponta que, aproximadamente
22,5% dos municípios brasileiros, cerca de 1.253 cidades brasileiras e 65
cidades catarinenses, são elegíveis ao desaparecimento. O famoso jargão “mais é
menos”, propõe a eliminação de 20.000 cargos, de prefeito a servidores
municipais. Uma população de 2,6 milhões de habitantes no Brasil será relegada
ao abandono, com o retorno do “coronelismo de voto”, do compadrio e
clientelismo para assistência social, educação, saúde e infraestrutura
condizente ao padrão mínimo do ético civilizatório. O retorno ao Brasil de
grotões com ausência total ou parcial da intervenção do Estado, nega o espirito
republicano.
O pressuposto da transformação do Estado brasileiro
no pacote sugestivamente apresentado como “Plano Mais Brasil”, é um freio de
desarrumação no combalido federalismo proposto nos marcos constitucionais de
1988, um ataque ao planejamento de políticas públicas orientadas de forma
republicana, com obrigações vinculadas da União, Estados e Municípios,
principalmente para áreas de proteção e promoção social, como: educação, saúde
e assistência social.
A “paralaxe cognitiva” orientada por fantasmas
iliberais conduz a retrocessos políticos, sociais, econômicos e culturais na “terra brasilis”. O Ministro da Economia
no governo Bolsonaro, age tal qual um burocrata de gabinete na formulação de
políticas públicas, com visão turva e caótica sobre a realidade continental
brasileira e sua complexa diversidade socioeconômica e cultural. No afã de
sobrepor um radicalismo liberal, sua saga é definir o tamanho do Estado
brasileiro, preferencialmente por seu desejo, o mínimo e menos intervencionista
possível. O problema é que a sociedade
brasileira é um mar desigualdades e injustiça social, em que o Estado não pode
ser dimensionado por seu tamanho ou regulação na caótica realidade, exigindo um
Estado adequado as necessidades básicas, conquanto universais, que promovam a
justiça e o desenvolvimento equilibrado.
Na atual conjuntura, a alteração constituinte que
reescreve a estrutura fiscal nos gastos do governo, reduzindo as
responsabilidades da União, transferindo para o mercado, inclusive a proteção
social, o pacote proposto emana a máxima do escritor Affonso Romano de
Sant´Anna (1980):
“Uma coisa é um país,
outra um ajuntamento. Uma coisa é um país, outra um regimento. Uma coisa é um
país, outra o confinamento.”
O Brasil
continuará refém do fiscalismo bastardo para satisfazer a ganância do mercado e
sistema financeiro, ou, se libertará do velho receituário neoliberal para
combater a escandalosa pobreza e péssima distribuição de renda?
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