quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Brasil em 3 D – o Estado Desvinculado, Desobrigado e Desindexado


                     por Eduardo Guerini 

Como país, acho que o Brasil não tem saída – não é trágico, como o México, não; é apenas letárgico, egoísta, autocomplacente, meio maluco. O país perdeu a inteligência e a consciência moral. (...) A ignorância pesa sobre o povo como um nevoeiro. A intriga política alastra-se por sobre a violência, a sonolência enfastiada do país. Não é um existência; é uma expiação.” (Elisabeth Bishop, poeta americana)
   
   O governo Bolsonaro sob a batuta do ultraliberal Paulo Guedes, comumente chamado de “Posto Ipiranga”, coloca na mesa uma agenda de reformas pós ajuste da Previdência.  A pressão do mercado para um aprofundamento do ajuste estrutural condicionou o governo a rapidez de propostas que foi intitulada de “Programa Mais Brasil”, e, posteriormente será acrescentada com uma proposta batizada de “Emprego Verde e Amarelo”, com desonerações fiscais para estimular a empregabilidade dos mais jovens (18 a 25 anos) e mais velhos (mais de 55 anos).  É o chamado ajuste do “Brasil em 3 D” , com desvinculações, desobrigações e desindexações para todos os calibres.  
   No jargão da realidade virtual e da ótica, uma visão tridimensional garante a capacidade de compreender os fenômenos que “a olho nu” não percebemos, desde as variações das sombras, o movimento, gerando uma “paralaxe” que encampa a visão do deslocamento dos objetos observados em pontos ligeiramente diferentes que fundidos no cérebro fornecem informações quanto à profundidade, distância, posição e tamanho dos objetos. Eis que a visão ultraliberal da economia no governo Bolsonaro, consegue gerar um efeito totalmente distinto, retomando a forma unidimensional para resolver problemas complexos da sociedade brasileira clivada por desigualdades e iniquidades, gerando um efeito distorcido da atuação necessária do Estado.  Em síntese, a visão antiestatal se traduz no jargão “Menos é Mais”, ou seja, menos Estado e mais mercado.
Do ponto de vista político, o Ministro da Economia assume um versão cataclísmica da crise fiscal que assola a União, Estados e Municípios, dando um tiro mortal na Constituição de 1988, que primava pela autonomia e emancipação em prol da cidadania. A ausência de um movimento político para formar uma nova Assembleia Constituinte, tratando os problemas socioeconômicos e políticos atuais, são tratados como mero apêndice a ser aprovado por Propostas de Emenda Constitucional (PECs), num Congresso Nacional subserviente e passivo.
   O protocolo no Senado Federal de três Propostas de Emenda, são descritas na PEC 186/2019 que institui os gatilhos para conter gastos públicos em caso de crise financeira na União, Estados e Municípios, proibindo o endividamento público para despesas correntes (salários do funcionalismo, benefícios de aposentadoria, contas de energia e outros custeios), inclusive, com redução de jornada de trabalho e salários dos servidores públicos.
   Noutro eixo, desvincula fundos públicos (PEC 187/2019), com revisão constitucional e infraconstitucional para liberar (destravar) aproximadamente R$ 200 bilhões dos fundos setoriais, no abatimento de dívida pública. É a sangria de recursos públicos setoriais para desenvolvimento da infraestrutura em prol do sistema financeiro.
   No caso da PEC 188/2019, o Pacto Federativo se traduz em profundas alterações na divisão dos recursos da União, Estados e Municípios, prevendo a descentralização dos recursos do pré-sal; a criação do Conselho Fiscal da República, que avaliará trimestralmente a situação financeira dos Estados, medidas de desvinculação, desindexação e desobrigação do Orçamento.
   No apadrinhamento político pelo líder do Governo, as propostas de iniciativa parlamentar tramitam pelo Senado Federal, em clara tentativa de evitar percalços na aprovação da mais radical alteração do Estado brasileiro.
No campo econômico será a desobrigação fiscal da União para com Estados e municípios endividados, como destaca o título de “transformação do Estado”, com instituição do modelo de “shutdown” ou “emergência fiscal, com desvinculação de fundos públicos, reforma tributária e onda de privatizações. Existe a previsão de extinção do PPA (Plano Plurianual), planejamento de médio prazo de ações governamentais, com objetivos e metas definidas, e, consequentemente, se estabelecer uma normatização no orçamento na forma de fluxo-financeiro, com realismo orçamentário, com controle de benefícios tributários, limitados a 2% do PIB, em 2026.  Na desobrigação desvinculante da União para entes da República Federativa, as frases contundentes “cada um assume sua conta” e “quem fez a dívida, arca com ela”, aduzem a noção de quebra federativa no esteio da reforma ultraliberal.
   A desvinculação de fundos setoriais para amortização da dívida pública, traz em seu bojo, uma “saída de emergência”, a desindexação de despesas obrigatórias com fundos que serão livremente movimentados, inclusive para os gastos como educação e saúde, que incluirão sorrateiramente, as despesas com pensões e aposentadorias dos funcionários públicos. Todos os fundos tem um destino certeiro,  a amortização da dívida pública, para alegria do sistema financeiro.  É o desmantelamento do serviço público sem prosa nem verso.
   No caso do municipalismo, as medidas de fortalecimento da federação, emanam pérolas do modelo de “Estado Leviatã”, as metas para incorporação/extinção de municípios com menos de 5 mil habitantes e arrecadação própria menor que 10% da receita total, transforma municípios em distritos. Neste contexto, levantamento preliminar aponta que, aproximadamente 22,5% dos municípios brasileiros, cerca de 1.253 cidades brasileiras e 65 cidades catarinenses, são elegíveis ao desaparecimento. O famoso jargão “mais é menos”, propõe a eliminação de 20.000 cargos, de prefeito a servidores municipais. Uma população de 2,6 milhões de habitantes no Brasil será relegada ao abandono, com o retorno do “coronelismo de voto”, do compadrio e clientelismo para assistência social, educação, saúde e infraestrutura condizente ao padrão mínimo do ético civilizatório. O retorno ao Brasil de grotões com ausência total ou parcial da intervenção do Estado, nega o espirito republicano.
   O pressuposto da transformação do Estado brasileiro no pacote sugestivamente apresentado como “Plano Mais Brasil”, é um freio de desarrumação no combalido federalismo proposto nos marcos constitucionais de 1988, um ataque ao planejamento de políticas públicas orientadas de forma republicana, com obrigações vinculadas da União, Estados e Municípios, principalmente para áreas de proteção e promoção social, como: educação, saúde e assistência social.
   A “paralaxe cognitiva” orientada por fantasmas iliberais conduz a retrocessos políticos, sociais, econômicos e culturais na “terra brasilis”. O Ministro da Economia no governo Bolsonaro, age tal qual um burocrata de gabinete na formulação de políticas públicas, com visão turva e caótica sobre a realidade continental brasileira e sua complexa diversidade socioeconômica e cultural. No afã de sobrepor um radicalismo liberal, sua saga é definir o tamanho do Estado brasileiro, preferencialmente por seu desejo, o mínimo e menos intervencionista possível.  O problema é que a sociedade brasileira é um mar desigualdades e injustiça social, em que o Estado não pode ser dimensionado por seu tamanho ou regulação na caótica realidade, exigindo um Estado adequado as necessidades básicas, conquanto universais, que promovam a justiça e o desenvolvimento equilibrado.   
   Na atual conjuntura, a alteração constituinte que reescreve a estrutura fiscal nos gastos do governo, reduzindo as responsabilidades da União, transferindo para o mercado, inclusive a proteção social, o pacote proposto emana a máxima do escritor Affonso Romano de Sant´Anna (1980):

 Uma coisa é um país, outra um ajuntamento. Uma coisa é um país, outra um regimento. Uma coisa é um país, outra o confinamento.”
O Brasil continuará refém do fiscalismo bastardo para satisfazer a ganância do mercado e sistema financeiro, ou, se libertará do velho receituário neoliberal para combater a escandalosa pobreza e péssima distribuição de renda?

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