segunda-feira, 1 de agosto de 2016

O pão nosso de cada dia: A VIOLÊNCIA



(E curtas meditações sobre a Olimpíada)

por Emanuel Medeiros Vieira

Talvez viva me repetindo.
Por que ninguém escuta?
Somos fruto de nossas obsessões. O tema sobre o qual quero refletir é a Violência.

A antropóloga Miriam Goldenberg, em coluna de jornal, transcreve depoimento de um músico de 47 anos:
“Eu também morro um pouco junto com todos que estão sendo assassinados, roubados, estuprados. Perdi a esperança de que o Brasil renasça das cinzas e podridão. Costumava acompanhar obsessivamente todas as notícias dos jornais e televisão. Agora não aguento mais ouvir casos e mais casos de violência e de corrupção. (...) Sinto uma angústia enorme, uma impotência, uma espécie de ressaca física e emocional. (...)

A antropóloga traz também palavras de uma professora de 53 anos: “As pessoas estão muito mais agressivas. São violências diárias, cotidianas, sem qualquer motivo. Um vendedor que me trata mal, um aluno que me ignora, um colega que me desrespeita. Motoristas que me cortam e me xingam, um ex-marido que só me critica e desvaloriza. A falta de reconhecimento é também uma violência. (...) O clima de violência, roubalheira e desrespeito é tamanho que afetou todo mundo. Todos que conheço estão muito irritados, intolerantes, violentos. Está muito difícil sobreviver no meio de tanto violência”.

Eu sei: é uma violência globalizada, cada vez mais absurda. E falo da minha “rua” (o Brasil) porque A VIDA É UM ASSUNTO LOCAL.

E alguém me liga contando que seu pai (pobre) morre de câncer, que já afetou todo o organismo, porque na cidadezinha do interior do Nordeste em que mora não há hospital, não há remédios, não há nada. E quando levam um doente para uma lugar maior é em “pau-de-arara”, balançando. O doente de 74 anos desistiu. Quer ter, pelo menos, o direito de morrer na humilde casa em que vive. É um brasileiro – como nós.

Pessimismo? Não vou atribuir à tecnologia. Seria facilitário: nem tenho celular, mas minha mulher mostra as mensagens recebidas (muitas belas e edificantes, de  amigos e parentes queridos).
Mas pelo que falam, nas redes sociais (ou antissociais?) predomina o dogmatismo, o fundamentalismo, o xingamento. Se “ele” não concordar comigo é meu inimigo. Ou palavrões. Escassa leitura. Debates esclarecedores e civilizatórios? Não.

Chegamos a um ponto muito ruim. Perdoem a nostalgia: mas recordo (falo com absoluta sinceridade) nos grandes debates estudantis da década de 60, dos quais participei ativamente, vindo da esquerda católica (AP- Ação Popular) havia leitura, cultura. Era a esperança. Fé na vida – gosto de proclamar.
Ainda assim, com a palavra, é preciso resistir à brutalidade, ao engodo e à mentira.

OLIMPÍADA
1) Alguém reclama em carta para um jornal: “É revoltante saber que alguns atletas olímpicos das décadas de 1970 e 1980  não foram chamados para conduzir a tocha. Enquanto isso pessoas que nada contribuíram para o esporte, como artistas, músicos e apresentadores, fizeram-no por pura vaidade”.
2) No dia em que chegou ao Estado do Rio, o revezamento da tocha olímpica foi interrompido devido a fortes protestos no município de Angra dos Reis – relata a “Folha de São Paulo” de 28 de julho.O batalhão de choque usou bombas de gás para conter os manifestantes.
Razão do protesto? Criticava-se os gastos do município, comandado pelo prefeito Conceição Rabha do PT (mas para não parecer “marcação”, poderia ser de qualquer partido) para receber a tocha enquanto salário dos funcionalismo estão atrasados.

Fui “azedo”? Desculpem. Mas – perdoem o lugar comum – continuo acreditando na força da Palavra, em músicas que me elevam – escuto agora Villa Lobos – e permanece a Fé na Vida. Alvíssaras!
(Brasília, julho de 2016) 

Comentário de Luiz Fernando Cabeda
Emanuel
As obras das olimpíadas, o fascínio dos jogos, as mudanças urbanas no Rio, tudo isso está sendo visto sob o olhar do espetáculo (convenientemente conduzido por um enredo novelístico - não das novelas literárias, mas das televisivas - sobre a vida dos atletas, superações individuais, etc).
Se quiséssemos dizer que conhecemos o Rio, precisaríamos ir lá de novo.

A par disso, não falta o olhar de quem vê e pensa: nos jornais e internet encontra-se muito a respeito, como a análise de um pesquisador espanhol que examinou o impacto desses grandes eventos na vida das pessoas e no planejamento das cidades. Como outros, ele sugere que há uma piora do contraste e que a vida "real" fica mais difícil de ser entendida.

Assim vivemos este nosso tempo.
Só não lamento em nome de projetos passados porque, de um lado, o voluntarismo cede ante as observações no curso da vida: não basta, nunca bastou, simplesmente querer.
Afinal sabemos pouco e os desmentidos aos nossos propósitos são grandes.

Além disso, sempre ligo minhas experiências passadas a um país mais provinciano e, se nele havia núcleos de vida urbana que captavam o encanto da Nouvelle Vague, ou percebiam a grandeza de Brecht, ou a iconoclastia de Genet, ou se deixavam seduzir pela 'descontrução avant la lettre' do existencialismo de Sartre e Camus, era quase porque sabíamos que no imenso hiterland brasileiro o espesso véu do atraso nos consumiria, se penetrássemos nele.

Falo em descontrução avant la lettre porque a palavra descontrução só foi fabricada depois, na era dos pós-modernos, sobre cuja 'liquidez' ainda somos conduzidos...provavelmente a lugar nenhum. Camões, pelos menos, em Sôbolos rios que vão, chegou à Babilônia.

Não comentei teu artigo anterior sobre a perda do teu irmão porque, embora belo, ele exigia o recurso ao silêncio, este intervalo no tempo que só guardamos in pectus.
Porém, se me permites, vou reproduzir o que ouvi Celso Lafer lembrar em um interessante documentário sobre os emigrados europeus que aqui chegaram e engrandeceram nossa cultura, desde a Europa em guerra (entre eles, Carpeaux, Rónai, Rosenfeld e mesmo Sweig), exibido no Canal Arte 1. Comentando a perda de uma nacionalidade e a conquista profunda de outra, por parte desses notáveis, Lafer recuou 1.600 anos até Agostinho, o bispo africano: a morada da alma é a memória.
Abraço,
Cabeda

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