sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Hospital de Caridade: uma casa de respeito.

   
por Armando José d'Acampora
 
   Uma instituição como o Hospital de Caridade, o primeiro Hospital do Estado, com duas centenas e meia de vida, desde sua fundação, tem muita história para contar.

   Aquela modesta capela que a Beata Joana de Gusmão erigiu para a abrigar a pequena imagem do Menino Deus acrescentada da famosa escultura em madeira do Senhor dos Passos, ainda hoje faz toda a diferença para os desassistidos.

   Continua a atender aos necessitados como o faz há mais de duzentos anos.

   A diferença é que antes recebia o que gastava, e hoje o SUS paga menos da metade do custo de cada procedimento. Fica impossível fechar a conta. É simples matemática, onde dois mais dois são três e não quatro.

   Mesmo assim, no vermelho, continua atendendo. Até quando?

   Até quando se exaurir o patrimônio físico do Hospital, como imóveis e obras de arte, tendo sido vendidas para pagar dívidas com funcionários e fornecedores, com significativa diminuição do seu patrimônio.

   Desde 1977 frequento as dependências do Hospital de Caridade. Nesta época, como aluno do Curso de Graduação em Medicina da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

   O sonho era, após a Residência Médica, lá trabalhar, sonho que se realizou em 1981, quando iniciei a cumprir plantões de Emergência e a operar pacientes no Caridade.

   Foi durante esta época de estudante que conheci figuras idôneas e idolatradas como Eros Clóvis Merlin, Ney Perrone Mund, Célio Gama Salles, Arthur Pereira Oliveira, João Carlos da Costa Gayoto, Rodrigo d’Eça Neves, Mário Gentil Costa, Ernesto Francisco Damerau, Maria Aparecida Gomes, Marcelo Haberbeck Modesto, Paulo Norberto Discher de Sá, Edgar Alves Ferreira, Waldomiro Dantas, Geraldo Nicodemos Righi Vieira, Felipe Felício, Jorge José de Souza Filho, Irineu May Brodbeck, Norberto Ferreira com quem muito convivi e aprendi, pois tive mestres que nada da ciência e da conduta pessoal a mim escondiam.

   Hoje convivo e continuo aprendendo com outros ícones da Medicina executada no Caridade como José Roberto de Carvalho Diener, Jorge Dias Matos, Miguel de Patta, Mário Cherem, Aurélio Rótulo de Araújo, Iraê Ruhland, Sérgio Francalacci, José Ferreira Bastos, Eros Merlin Filho, Luiz Ceola, Wilmar Gerent, dentre tantos outros que me ajudaram a ser realmente um médico, daqueles de verdade.

   E assim, lá se vão quase quarenta anos tendo o Caridade como uma extensão da minha casa. Além disso, a Karin, minha mulher, lá também exerce sua medicina e isto ampliou e fortaleceu ainda mais o vínculo que tenho com minha segunda casa.

   Vejo no Caridade o símbolo de uma Medicina exercida com paixão, com um apego desmedido ao Hospital, desprezando todos os seus defeitos, que com bastante paciência se procura consertar.

   Quando não havia SUS, era no Caridade que os indigentes, aqueles que não tinham eira nem beira, era lá que se escoravam para resolver suas doenças, fossem grandes ou pequenas.

   A UFSC usufruiu e realizou benfeitorias no Caridade até 1983, quando se mudou totalmente para o Hospital Universitário.

   A cidade só possuía o Hospital de Caridade, o Hospital Celso Ramos e o Hospital Nereu Ramos, que serviam para resolver os problemas mais graves de quase todo o estado. Os outros abriram muito mais tarde.

   Ainda não existia a ocupação dos municípios de Santa Catarina por médicos habilitados e tudo drenava para o Caridade, que como coração de mãe, sempre aceitava mais um paciente vindo nem se sabia de onde, e de gravidade desconhecida. Tanto poderia ser uma Pneumonia complicada como um politraumatizado. Era no Caridade que tudo se resolvia.

   A nenhum destes pacientes era negado atendimento. Nós, os médicos, sabíamos o prejuízo que ao Caridade causavam. Mas fazer o que? Não atender por que causavam prejuízo?

   Os médicos nunca tiveram a preocupação em receber honorários daqueles menos favorecidos. Era a nossa parte na caridade do Caridade.

   Hoje vejo o Caridade passando por situação econômica complicada, assim como todas as outras Santas Casas do país, haja vista a fragilidade do SUS, pois se gasta para tratar um paciente mais do que se arrecada.

   Há forte e grave prejuízo mensal no Caridade com o atendimento do SUS, o que foi se acumulando nos últimos anos, e que, infelizmente, não há reposição via Secretaria da Saúde, tanto Estadual quanto Municipal.

   Prejuízo é igual a menos numerário de entrada, desfazendo o equilíbrio financeiro, levando a comprar insumos e alimentos sem poder garantir que o fornecedor irá receber pelo seu fornecimento, o que pode ser suportado por um determinado período de tempo, geralmente curto, depois não haverá como.

   Ou paga ou não haverá insumos.

   Mas o que vejo, e com tristeza enorme, é uma população que não valoriza o que tem.

   Que ainda não entendeu que se o Caridade tiver que fechar suas portas, serão 300 (trezentos) leitos a menos em Florianópolis que já carece de outros 300.

   Estão desatentas, estas pessoas, pois se acabará um serviço de UTI com 40 (quarenta) leitos que dificilmente retornarão a atividade, numa cidade onde se clama por mais leitos de UTI e Coronária.

   Que pena.

   Não vemos nenhum industrial ou comerciante da cidade preocupado com esta situação. Será que seus funcionários continuarão a ser atendidos em um Hospital com a competência e a agilidade do Caridade ou será que deixarão de ser atendidos em um local onde a excelência não é permitida por falta de mobilização destes e da população desta mágica cidade.

   Se o Caridade, o primeiro Hospital do Estado, deixar de atender seus pacientes, será um grande atraso para a cidade e para o estado, sem dúvida, mas será pior para os pacientes que terão de sair a procura de atendimento em outros nosocômios já superlotados.

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