sábado, 20 de abril de 2019

A ótica da PF e a ótica do Hospital Universitário

por Armando José d’Acampora*
 

   Tudo, em nossa vida, depende da ótica utilizada.

   Há dois anos, um grupo de vinte e seis médicos foi indiciado numa operação (Onipresência) belicosa da Polícia Federal frente ao Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina (HU) com a acusação de que os médicos não cumpriam as vinte ou quarenta horas que constavam de seus contratos de trabalho.

   Nesta época seus nomes foram citados em alguns sites.

   Um grande Hospital, como o HU, não somente no tamanho mas também e principalmente na sua complexidade, não pode funcionar com médicos, seu principal elemento ativo (é quem opera, quem trata, quem interna, quem concede a alta e quem pode assinar o atestado de óbito) com horários rígidos de trabalho.

   As doenças obedecem a um ciclo e ocorrem em maior número e gravidade durante a noite. Se o HU mantivesse dois médicos de plantão na Clínica Médica na Emergência e surgissem dois pacientes com suspeita de infarto ao mesmo tempo, a fila de espera pararia seu atendimento, e os paciente em aguardando atendimento extrapolaria as dependências do Hospital.

   As doenças não ocorrem no horário comercial, e os médicos não podem ter horários tão rígidos, pois muitas vezes iniciam um procedimento médico ou cirúrgico que não se sabe mensurar o tempo que será necessário para sua resolução.

   Gestão inteligente, tratou em resolver estes problemas, criando um sistema de sobreaviso, onde no caso dos infartos, por exemplo, especialistas seriam ativados e a Clínica Médica poderia continuar atendendo rotineiramente os pacientes que esperavam na sempre imensa fila.

   Com a rigidez na exigência do cumprimento do ponto, uma parte dos profissionais altamente especializados e que utilizavam seu conhecimento em favor dos SUS, solicitaram demissão, causando uma interrupção em alguns dos programas oferecidos pelo HU. Aqueles que trabalhavam em regime de quarenta horas, diminuíram pela metade e passaram a trabalhar vinte horas, com exato cumprimento de suas horas contratadas. Alguns serviços possuíam um só especialista e simplesmente deixaram de existir e muitos dos outros, pela ausência do número de médicos necessários, diminuíram significativamente seus atendimentos.

   O resultado, as consequências desta ação, não foi sequer comentada em nota por nenhum dos nossos veículos escritos, falados ou televisionados.

   Os vinte e seis médicos contrataram seus advogados para suas defesas, com custos bastante elevados, mas este não foi o ponto crucial. Quando se lança o nome de uma pessoa, principalmente de um médico, que tem elevado conceito na sociedade, é como se picássemos papel, jogássemos ao vento e depois tentássemos recolher. O estrago já está feito, e a sentença prolatada, tanto moral quanto no ambiente de trabalho. Muitos destes médicos, como consequência, sofreram sob forte depressão, outros tiveram problemas cardíacos e muitas outras desordens decorrentes do assédio que passaram a sofrer.

   Esta semana a Justiça finalmente foi feita, embora com dois anos de atividade do processo. A Juíza da Primeira Vara Federal de Florianópolis Dra. Simone Barbisan Fortes, com serenidade, absolveu sumariamente vinte e quatro dos vinte e seis médicos acusados, um deles já havia falecido e este era o único vinculo que possuía. Na sentença proferida a Juíza observa que "a investigação da PF baseou-se exclusivamente nas fichas de controle de frequência dos médicos, sem considerar diferentes atribuições cumpridas e o cumprimento da carga horária contratada por outro meio, como o regime de sobreaviso por exemplo”. Ausência de dolo. Bela e lúcida observação e consequente sentença.

   Obrigado Dra Simone, por fazer com que acreditemos que a Justiça, pode tardar, mas não pode falhar.
* Médico, Cirurgião Geral, Professor Universitário.

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