terça-feira, 30 de julho de 2019

De que barro somos feitos?

(31 de março de 1945/29de julho de 2019)

                  por Francisco Xavier Medeiros Vieira

   Emanuel morreu. Meu irmão mais novo, meu querido amigo, meu filho do coração. Não conheci ninguém que tenha vivido de maneira tão visceral, intensa, inteiro em tudo. Escritor talentoso e premiado, viveu 74 anos à flor da pele.

   Lembro dele pequeno, com livros na mão. Lia de tudo, sem parar, com urgência, como se fosse uma necessidade física e espiritual. Leu todos os livros de Emílio Salgari, do Karl May, além dos autores que o iriam marcar para sempre: Machado, Dostoievski, Kafka e Camus.

   Com estes autores, entendeu – como na frase de Paul Auster - que "um escritor só pode ser bom se tiver a honestidade de ir fundo” E foi assim que ele escreveu, numa coerência intransigente. Isso desde o seu primeiro livro, Expiação de Jerusa, de 1972. Lá, no comecinho de tudo, os textos de Emanuel chamaram atenção de um mineiro, também poeta, chamado Carlos Drummond de Andrade. E vieram muitos outros admiradores e leitores fiéis.

   Emanuel conseguiu transformar seus demônios e deuses mais profundos em arte. Assim, acho, ele manteve a ternura intacta, apesar dos pesares. Durante a famigerada ditadura militar, por rejeitar a brutalidade e a censura, pela ousadia de desafiar o silêncio, foi perseguido, preso e torturado. Foi um entre tantos jovens da sua geração a pagar um preço altíssimo pela sua coerência ética e pela sua coragem. Sobreviveu. Manteve-se de pé. E não perdeu a esperança num outro mundo mais justo e mais humano.

   Ele carregou o que de melhor nos deu aqueles tumultuados anos 60: utopia, idealismo, poesia. Paixão. Foi olhando para essa época, e a revendo com os calos da maturidade, que ele tirou as histórias de "Os hippies envelhecidos", livro que recebeu o “Prêmio Othon Gama D’Eça - 2002”, concedido pela Academia Catarinense de Letras ao melhor livro do ano. Foi com os olhos e o espírito daquela década que ele escreveu o também premiado No Altiplano: Contemplando o Comandante Ernesto, livro sobre o Che.

   Apesar das óbvias diferenças, há algo que os une profundamente: Tanto Che quanto Emanuel têm – falo no presente - essa estranha “teimosia” de não aceitar a injustiça como fato natural, seja com quem for e aonde for. Emanuel também me lembra um pouco um outro símbolo daqueles anos, o cineasta Glauber Rocha. Como Emanuel, Glauber tinha essa urgência de vida, a consciência da finitude, a necessidade de estar em movimento. Não por acaso sua casa espiritual era a Bahia. Emanuel é feito daquela terra. 

   A frase é do Maiakovski e serve como perfeição para descrever este meu querido irmão, meu amigo, que vai fazer muita falta: “a natureza enlouqueceu e ele é todo, todo coração”.  Num dos seus poemas, Adeus Grécia, Emanuel faz a seguinte pergunta: “De que barro somos feitos?”. Com ele, nestes anos de convivência, aprendi que somos feitos de compaixão e de memória.
 

Comentário de Jorge Loeffler
  
  Partiu o meu amigo virtual do qual muitos textos publiquei aqui no blog e com muita satisfação. Não o conhecia pessoalmente, mas virtualmente nos tornamos amigos e sabia o que ele sofria com a moléstia que o acometia fazia já um bom tempo. Sei também ter ele sido mais uma vítima da ditadura.
Nascido na bela CIDADE DE FLORIANO cursou a universidade em meu Porto Alegre. Pelos papos virtuais que batíamos imagino o quanto ele sofreu até partir. Que descanse em paz esse brasileiro que nem mesmo a tortura a que foi submetido o fez mudar suas convicções políticas.
Homens dignos como ele hoje são poucos, pois vivemos num país em que a vergonha na cara e convicções políticas são relegadas a um plano bem inferior.

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