quarta-feira, 13 de maio de 2020

Negação

por Carlos Nina *

   Por indicação do amigo Manuel Faria, intelectual discreto à sombra de competente médico que é, assisti ao filme “Negação”. Trata da ação de difamação movida pelo inglês  David John Cawdell Irving contra a americana Deborah Lipstadt e a editora Penguin Books, na Inglaterra.

   Irving afirmou em suas obras que o holocausto (genocídio de judeus na II Guerra) não existiu. Lipstadt, pela Penquin, publicou livro contestando o inglês.

   O filme enfatiza a estratégia dos advogados de Lipstadt, sob pressão desta, que insistia no seu depoimento e no de sobreviventes de Auschwitz.

   Os advogados conseguiram convencer Deborah de que, mesmo que aos outros parecesse covardia ela não depor, era fundamental para a defesa que não o fizesse. O processo não era sobre ela ou sobre os sobreviventes. Estes seriam expostos à humilhação por Irving. O alvo devia ser a motivação de David para alterar a verdade. Estava em jogo a credibilidade sobre a um fato histórico relevante.

   Um dos advogados diz-lhe uma frase fundamental: calar-se, inclusive para a imprensa, seria um ato de abnegação. A sentença, favorável aos réus, fez-lhe compreender a importância do que foi, para ela, um grande sacrifício.

   Lembro esse episódio porque é exatamente o que falta no presente momento. Abnegação. E humildade por parte das autoridades.

   Vem-me, então, pelo mesmo motivo, a observação que me fez outro amigo, médico, sacerdote e intelectual com dupla imortalidade, à vista da que lhe foi conferida pela Academia Maranhense de Letras: João Mohana.

   Ao elogiar para ele a humildade de Rejean Racine, padre canadense e grande amigo nosso, ele disse: Rejean é naturalmente humilde. Boníssimo. Difícil é para os vaidosos a humildade!

   É muito fácil a prepotência e o autoritarismo para os vaidosos no exercício do poder. Difícil é serem abnegados e conduzir-se com humildade para desempenhar cargos públicos e efetivamente atender aos interesses da coletividade. Não são poucos os que, em cargos públicos, internalizaram a concepção de que suas funções são um privilégio para lhes facilitar a própria vida, de parentes, amigos e comparsas de violação de suas funções. Desde o mais simples servidor, que lhe lança um olhar de superioridade – quando se dá ao trabalho de o olhar – e o atende como se estivesse fazendo um favor, e não cumprindo – e mal – sua obrigação, até as mais altas autoridades.

   O STF tem sido o suprassumo dessa excrescência e se superado em desrespeito, abuso e atentado contra a Democracia e a Nação. Ministros decidiram blindar-se, como se a Democracia lhes legitimasse abusar até do rigor da lei contra seus críticos e usurpar, sem qualquer pudor, a competência e as atribuições dos demais Poderes. Estão acima de todos, da Lei e da Constituição!

   Faltam-lhes decência, ética, compromisso com a função pública. Abnegação, nem pensar. Humildade, muito menos.

   E é exatamente isso que o momento exige: abnegação e humildade. Cargos não são impostos. Quem os assume deveria honrar a função pública, controlar sua vaidade, seu orgulho, autoritarismo, para, com humildade, reunir-se para ouvir até seus adversários, discutir sem ofensas as medidas a serem tomadas, avaliando-as e revendo-as, permanentemente.

   Mas isso exige coragem! Muita. Não é para qualquer um!

* Advogado e jornalista

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