quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Não se tira Lixiguana sem poncho


Camotinzinho derrubado pelo vento

   


Há dias que uma cachopa de Lixiguana*, bem na entrada de casa, vem chamando a atenção "dos que passam" na rua. Até o fotógrafo, Glaicon Couvre, vizinho, fez contato pelo msn pedindo para entrar no meu páteo e fotografar a colméia. Já estava grande.

    Hoje de manhã (16/062011), talvez derrubada pelo vento noturno, a colméia estava no chão. O Bakunin (meu cão), dando voltas ao redor, investigava a cachopa. Às vezes se "estapeava" com o rabo e cruzava as orelhas, sinalizando que algumas abelhas remanescentes ainda andavam por ali.

    Ao ver a cachopa no chão me veio à memória uma aventura de guri, acontecida na beira do sanga do Salso, lá em Quaraí.

    Era inverno. De tarde, como sempre, andávamos pelo mato caçando preá e tudo o mais que se mexesse. Todos de funda, bodóque, atiradeira, na mão. Só o Adroaldo que tinha um trabuco. Feito com uma base de madeira e um cano de ferro preso com arcos de barril. Embuchava aquela porra com pólvora, depois uma bucha de papel, um balim de aço tirado de rolamento de caminhão e mais papel. Na parte trazeira, um fósforo uruguaio, daqueles que se risca na sola do sapato, com a cabeça de fora. Visto o alvo, passava a lixa no "minisco" do fósforo e...bummmm! Lá ía o Adroaldo para o hospital com a cara queimada. Não foi uma nem duas vezes. Era insistente.

    Nessa tarde avistamos um camotim* de Lixiguanas. Imáginávamos, pelo tamanho, que estivesse cheio de mel.

- Vamos tirar essa lixiguana, disse o Leleco.

- Tem que ser amanhã bem cedo. Com a geada as abelhas ficam encarangadas e daí não voam
, repicou o Danilo.

   Eu, de cima da minha experiência, completei o plano:
- A gente faz uma bucha com pano velho, coloca na ponta d'uma taquara, joga querosene e fogo. A fumaça vai espantar as abelhas que estiverem por perto.

    Saímos imediatamente do mato, atravessamos o Salso e a sanga da Divisa em direção às casas. Já tinhámos "trabalho" para o outro dia, cedo da manhã. Matar a aula! Aventura completa assegurada!
   Nessa noite sonhei com a batalha contra as Lixiguanas, que aliás, são ferozes e defendem o camotim com bravura e picadas doloridas.
   No outro dia acordei mais cedo que de costume. Coloquei o uniforme do colégio e, quando cheguei na esquina, o Adroaldo, com uma baita taquara na mão, já me esperava rodeado por um pequeno pelotão de guris da beira do rio. Boca grande, espalhou a notícia da colméia.

    O Danilo reclamou dizendo que não teria mel para todos. Falei que isso se discutia depois! Não tínhamos tempo a perder. Estava bem frio e o negócio era pegar os bichos de surpresa. Peguei o querosene, a bucha de pano, uma piola e partimos em direção a sanga da Divisa, nosso primeiro obstáculo a ser transposto. Varávamos o pequeno rio equilibrados em cima de um cano da hidráulica que abastecia a cidade.

    A geada começou a levantar com vento. As orelhas da gente pareciam que iam trincar, duras de frio. Nada disso era empecilho para aquela marcha rumo à sanga do Salso.  Enquanto caminhava, imaginava aquele grande camotim partido ao meio e nós, sentados nas lages de pedra do Salso, se lambuzando com o mel doce.

    Em pouco tempo varamos a sanga da Divisa, onde tivemos a primeira baixa. Um pequeno, de calças curtas, escorregou no cano e caiu na água. Ficou ensopado e quis voltar para casa. Não permitimos que voltasse com medo de que espalhasse mais a notícia. O guri quase morreu de frio, mas aguentou no osso. Ganharia mais de mel como compensação.

    Pegamos um picada que dava direto nas lages do Salso. Logo avistamos uma grande árvore, em um velho Umbú seco, em cima do barranco, estava o nosso tesouro. Era um vaso bojudo de um metro de altura mais ou menos. Coisa gorda!

    Ah! Trazíamos também um saco de estopa para, depois de colocar fogo e fumaça nos bichos, ensacar o camotim e sair correndo campo a fora com o premio de arrasto. Embaixo da árvore falávamos baixo. Mas tinha muita discussão. Quem ensacaria o camotim?


Lixiguana

    Bem, eu era o do fogo. A idéia tinha sido minha e a taquara era bem comprida, o que me dava uma distância segura de um possível ataque lixiguano

   Resolvidas as questões de somenos importância, partimos para executar o plano. Botei fogo na bucha enquanto outro guri, com um facão e o saco na mão, se equilibrava nos ombros do Adroaldo tentanado cortar o galho onde o camotim estava preso.

    Por descuido e imperícia acabei tocando fogo na árvore. O fogaréu se expalhou rapidamente. No meio da confusão o Adroaldo derrubou o guri que caiu abraçado com o camotim meio ensacado. Logo ouvimos gritos dos caseiros de uma granja que tinha ali perto. Viram o incêndio e vieram em nossa direção. Peguei o camotim meio ensacado e sai correndo barranco abaixo em direção às lages.
    Era uma gritaria só! O Leco levou uma picada na testa que fechou os dois olhos do(a) cara. O Pato se encarregou de arrastá-lo mato a dentro fugindo dos posseiros e das lixiguanas que, a esta altura, estavam em pleno combate.

    Eu levei umas picadas nos braços mas não larguei a cachopa. Apertava com força a boca do saco e só fui parar quando cheguei no cano da hidráulica. Me atirei na grama molhada da geada, suado. Logo começaram a chegar os outros, todos rindo a não mais poder. O Leco com cara de japonês. Inchada e de olhos fechados.

    Abrimos o saco e deixamos o resto das abelhas saírem. Aí atacamos!
    Partimos o camotim ao meio e realmente estava cheio de mel. Comemos mel com abelha, ovos e filhotes. Cada um metia a mão e tudo que vinha no favo era lucro.

    Valeu a batalha! Fomos recompensados pela luta!

De repente alguém gritou: - Olha lá, o jeep dos guardas!

    Era o meu pai, o guarda Rubim, e o seu Claro, colega de aduana e pai do Pato. Aí foi uma tragédia!
    Essa história conto outro dia.

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