segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

A MULHER E O PEREGRINO


Por Emanuel Medeiros Vieira

Apenas peregrino/pulsante,
“é vermelha, cor do sangue” – ela diz,
jogando a calcinha no tapete,
contemplo o matagal
sal da vida
úmido
pêlos encrespados,
teus gemidos cortam a tarde, como um túnel,
meu dedo em romaria no teu útero
matriz de tudo
“mater” minha
cachorro late ao longe, ronco de um caminhão,
o tempo zomba de nós,
lambes – lúbrica – a língua,
viva!, a Portuguesa, e esta que me arrepia agora.
Bússola afetiva: decifro (?) o mapa do teu corpo
(vacina de infância),
minha sina, minha mina,
estupidamente comovido,
cumpro a jornada – esta vida.

Fatigado e celebrante,
vivo a vertigem – passageira.
Lembro do poeta:
“Nós que devemos morrer, exigimos um
Milagre”. (W. H. Auden)
Grito “primal” pós-coito,
cheiros que se contaminam – perfume paraguaio,
esperma, suor,
ah, vida, urina, outros odores.
Contemplo tuas axilas raspadas,
teus olhos tão negros que parecem um bisturi
afetivo – eles tudo enxergam,
palavras não ditas – fêmea que não se revela.

Sim: como Rosa disse,
amar não é verbo, mas luz lembrada.

Quem és tu?
Quem sou eu?
Quem somos nós?
Nunca saberemos.
Analfabetos das emoções: para sempre.

Uma sinfonia neste anoitecer,
quase sempre silenciosa.
Serenados estamos.

Mordes uma maçã, o livro entreaberto entre as
coxas, lês: “Se Deus morreu tudo é permitido.”
Corpos entrelaçados, estamos tão perto Dele.
Dure, energia!, imploro.
Ajoelho-me e oro.
Lambo tua umidade, um gosto de sal (mar da
infância), ris de olhos fechados, longas pernas,
cabelo oxigenado,
tão sincera/tão simulacro,

és bela-bela,
amorável mulher,
Deus desaparece, depois reaparece,
saciados, molhados, mortais,
vulcânica posse, abro mais esta fenda,
puxo os teus cabelos, com rudeza e doçura
(sim, sempre ambivalente),
um fio branco cai no meu peito, passamos,
envelhecemos, e vamos todos morrer.
Extenuado, indago com Freud: “Afinal, o que
querem as mulheres?”
Suplicante, gemes mais baixinho,
subalterna, ficas de quatro,
respondes: “O mesmo que os homens.”

Calcinha no ombro, cor de sangue, lépida –
garça vespertina –,
vais ao banheiro, olhos fechados, tudo é noite.
Já posso partir, e a memória do teu corpo
me inunda.

E direi: “Vivi como um peregrino e, mais tarde,
um surpreendente e definitivo passo darei ao
morrer.”

(Palavras escritas no mármore branco da minha
peregrinação.)

Um comentário:

  1. Bic tinta azul, ou uma velha Remington com fita azul, ou aquelas pilulas azuladinhas; pois não é que acabam em textos com tonalidades acinzentadas, só pra ficar na moda. Lembrei-me do Zéfiro e do Milo Manara (quem não conhece, uma boa dica do que procurar). LesP

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