“Bebemos vendados da
taça/da vida enquanto/lavamos seu ouro sem jaça/com nosso pranto./A venda
desfaz-se, porém, antes da morte, e o que nos seduzia tem a mesma sorte,/Vazia,
a taça então revela/seu nada insosso:/bebíamos sonho que, nela, nem era nosso!”
(Mikhail Liérmontov (1814-1841) - “A Taça da Vida”
Havia campinhos, verdes. Chácaras. Brincávamos. Sim,
Tarcísio, era outra ilha. Não me escutas. É apenas uma carta que não foi
enviada e que não poderá mais ler. Lembras dos nossos passeios no Parque da Redenção (não o espaço
degradado de hoje)?, das idas às ilhas do Guaíba? Dos belíssimos faroestes que
assistíamos juntos? (Quando já vivíamos
em Porto Alegre.) O dinheiro sempre curto, mas éramos jovens e podíamos tudo.
Onipotentes, a Indesejada das Gentes não passava pela nossa cabeça.
MUITO MAIS QUE IRMÃOS, FOMOS SEMPRE AMIGOS – sempre.
Terei te dito em vida?
Não é aquela apologia que (quase)
sempre) se faz aos que morreram. É algo
mais fundo, visceral. Como um pedaço de mim (outro) que se vai. Parecerei
piegas? Mas muita gente que amo tem ido embora. Não dá para internalizar um luto:
e lá vem outro. Posso contar nos dedados, um ser humano tão carregado de
compaixão, de espírito “franciscano”, de generosidade, de humildade, de ternura
– como tu, hermano. Sempre foste muito bem informado e lias muito.. Eras forte, mas defendias teus pontos de vista com
extrema dignidade, sem ofender.
Quando te vi pela última vez, há mais de ano, com Célia e Júlio Cesar, na “tua Brusque” (e do
César também), teus cabelos estavam brancos.
Pelas fotos que me mostraram depois, os cabelos estavam
ainda mais branco e informaram que a tua saúde piorara.
Ligavas sempre para saber da minha enfermidade.
Um dia disseste: “O que posso fazer por ti, meu irmão é
orar”. (O maior presente que “sinto” – a maior dádiva que alguém
pode me ofertar.)
Numa das vezes que
ligaste, foi numa segunda-feira, na manhã seguinte ao Dia das Mães: informaste
que não irias visitar o cemitério, onde repousava a tua Rut (um casamento forte
de 52 anos). Mas tua neta Bruna, havia comprado uma rosa. E lá foste visitar a
Rut.
Estarei sendo sentimental demais? Hoje vocês dois estão juntos e deixaste este
buraco enorme. Tua partida foi exatamente quatro meses após a morte da mulher
que amaste.
Apesar de todas as lutas (não fáceis), papai e mamãe nos
deram uma família unida. É claro que
havia uma proximidade grande – como dizer? – mais de “pele”, por sermos os
últimos: eu, Miriam, tu, Cida. E assim foi conosco.
Tenho escrito tanto sobre os mortos, falado em cerimônias
fúnebres, que parece que nada mais tenho a dizer. Não sei. Te amei muito, meu irmão.
Alguém já disse que a vida é mais dura para os que não se
amansam. Outra pessoa, afirmou que
só com o tempo aprendemos a não lamentar o que perdemos.
(Eu indago: conseguimos?). Então, aprenderemos a ser gratos pelo que tivemos.
Solidário, firme nas suas convicções, generoso e justo.
Assim era o Tarcísio. Mas muito mais. Nunca entenderemos inteiramente o que é ou
foi um ser humano.
Não importa. A Indesejada das Gentes tem dado muitos sustos.
Nunca saberemos. (E num domingo, pelas nove da manhã, toca o telefone e o teu
primogênito Rubens Alfredo informa que tinhas ido embora (para sempre), que não
estavas mais aqui. Era 19 de junho e a partida foi às sete da manhã.) Que doídas sete horas
da manhã de um domingo da vida.
O que fizemos,
permanece. A eternidade será isso? A memória colada na pele. Estás e estarás
sempre conosco, meu querido e inesquecível irmão Tarcísio
(Releva os lugares-comuns. Só queria escrever uma carta
a um irmão muito amado que não está mais aqui. Meus queridos compadres Lídia e
Paulão te mandam um abraço grande. E Clarice e Célia te beijam – com saudade.)
É preciso acreditar
que o que nos resta é a palavra. Que ela ficará.
(Brasília, julho de 2016)
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