quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

O Mapa do tesouro


   Ao abrir a porta do quarto nesta manhã, fui recebido pela Luisa, com um mapa na mão: o tema da manhã de domingo era "caça ao tesouro"!

- Vovô, tem que seguir os passos deste mapa para encontrar o tesouro escondido, falou a minha neta. 

   Ainda meio sonolento, com a noite pela metade, embarquei no roteiro, rascunhado em uma folha de papel, que começava na porta do quarto e, alguns passos depois - à esquerda e à direita -  acabava na "sala secreta da vovó"!

   O mapa era bem feito. Foi apenas segui-lo à risca que acabei encontrando o tesouro.

    Essa história acabou me lembrando de outra "caça ao tesouro", que vivi quando tinha por volta dos 9 ou 10 anos.

PANELA COM ONÇAS DE OURO   
   Era inverno em Quaraí. O Pai me falou, antes de dormir:
 - Sergio Antonio, vai deitar que amanhã cedo vamos, com o Fontana, procurar um tesouro enterrado.

   A partir deste convite não dormi mais. Deitei, e a cabeça viajou por cavernas de piratas, ilhas perdidas e arcas de madeira cheia de moedas de ouro e pérolas.

   O Pai tinha um aparelho detector de metais (Mineoro), que ele chamava de destruidor lendas. Era muito comum no interior do Rio Grande do Sul, histórias de panelas enterradas, cheias de "onças de ouro" (onça é uma unidade de medida de massas usada para pesar o ouro).

   As histórias de minas de ouro enterradas, sempre vinham precedidas de aparições de bolas de fogo, mulheres de branco...assombrações.

   Pois o Fontana tinha uma história dessas e contou para o Pai. Segundo ele, algumas pessoas haviam visto bolas de fogo na fazenda do seu sogro. O lugar das aparições tinha tudo para ser um local de enterro de "dinheiro". Havia três grandes umbús plantados, que segundo a lenda serviam de marcação do "enterro".

    Saímos de manhã cedito. O Pai e o Fontana na frente, e eu no banco de trás da Bugra, uma perua Ford 58 do Pai. Estrada de terra com sobe e desce acompanhando o perfil da coxilha. Mais adiante entramos numa outra estradinha por dentro de um campo até chegar numa porteira. O Fontana correu para abri-la e logo embarcou na Bugra, aparentava uma certa excitação. Seguimos mais um tempo, até o alto de um coxilha onde tinham três grandes umbús em triangulo. 

- É aqui, seo Rubim, falou o Fontana

   Descemos da Bugra e logo descarregaram as ferramentas: uma pá, um pico e o enigmático aparelho de encontrar tesouros.

   Fazia muito frio. Céu fechado, plúmbeo. Um ventinho austral de cortar as orelhas. Precisava me mexer. Instruído pelo Pai, fui logo pegando as estacas, o martelo e o cordão. Cravei a primeira no chão e puxei uma linha até a segunda e segui adiante até formar um grande quadrado no centro daqueles três gigantescos umbús. Estava delimitado o perímetro para a primeira rastreada na busca ao tesouro.

   Foram poucos metros e o aparelho acusou a presença de algum metal. A agulha do pequeno painel deitou para a direita invadindo a área vermelha que indicava forte presença de metal. O som da caixa que o Pai carregava, pendurada no pescoço, emitia um barulho forte e agudo que aumentava e diminuía conforme o movimento do aparelho.

   Eu fiquei paralisado!
- Encontramos o tesouro, pensei! Não existia outra alternativa na minha cabeça! O Fontana corria e gritava ao redor do "perímetro". O Pai, apenas sorria e nos olhava. Andava para frente e para trás com o aparelho causando um efeito dopller, aumentando a nossa excitação.

Quando chegou com a base do aparelho em um ponto onde o som se tornava mais agudo, ordenou:

- Cava aqui, Fontana. 

   O Fontana se atracou de pá e picareta e foi afundando na terra dura. Eu, já esquecido do frio, previa o brilho das "onças" de ouro. 

   Então, numa das frenéticas cravadas de pá sentimos um barulho de metal com metal e vimos um brilho, um risco prateado por entre a terra. 

- Achamos!!!! Imaginei...

   A partir dali o escarafunchar da terra era com as mãos. Até eu me atraquei e fucei fundo. Aos poucos fomos descobrindo um pedaço de metal, grande, feito uma placa arredondada, cada vez mais cor de ouro!

   Era cobre! Um grande tacho de cobre batido, daqueles feitos por ciganos. No fundo, uma pequena roda de carreta, com raios de ferro grosso.

   Esse foi o nosso tesouro. Após vasculharmos todo o "perímetro", e não encontrar mais nada, começamos a recolher os equipamentos e colocar na bugra.

   Senti que o frio havia voltado...forte. O céu, de novo estava fechado e plúmbeo. Acho que esteve assim o tempo todo. Eu é que havia entrado em "outro" céu, mais rico e luminoso. Agora...a realidade!

   Voltamos em silêncio para casa. A volta, parece que demorou mais que a ida. O carro chacoalhava mais, tinha mais buracos na estrada de terra que parecia não ter fim. O frio no estômago, a cada "calombo" na estrada, agora se tornava inconveniente.

   O Fontana, da excitação da ida, voltou em silêncio absoluto. Um ar incômodo de frustração reinava dentro da bugra.

   Como que tentando consolar o amigo, o pai largou essa frase:
-...e assim é a vida: um dia se ganha, noutro se perde!

   Bem, o tesouro que encontramos não era bem o que queríamos, mas - para mim - ainda era um tesouro. Guardei por anos, na garagem de casa, aquela roda de ferro. Era o meu tesouro!
 

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