terça-feira, 7 de abril de 2020

Reflexões éticas em tempos de pandemia

por Karin Elisa Schemes* 

Tempos duros de medos e incertezas. Tempos de isolamento,  pensamentos solitários, solidários... ou nem tão solidários por vezes...
           
   Em tempos de batalha, nós médicos, por vezes, podemos passar por situações de termos que efetuar escolhas. Escolhas estas, como juízes, que decidem sobre as vidas de outrem.
   O que faz uma vida valer mais que outra? Que critérios são utilizados nessas horas de escolha? Quem disse que a vida de um jovem vale mais que a do velho? Ou vice-versa? Porque a vida do cientista pode valer mais que a vida do artista?  Pensando de forma utilitarista, qual o mais necessário? Mas qual seria o mais amado? O mais prestativo? O mais amigo?
   Questões como estas ultrapassam muitas vezes a barreira do razoável.
   Estabelecer critérios para a seleção de quem vai ser o “eleito” na hora de disputar uma vaga de UTI com direito aos escassos ventiladores mecânicos pode ser crucial e necessário.  E principalmente: tentar ser justo. Priorizar o socorro de forma ética, sem discriminação de qualquer tipo. Em sociedades adiantadas isto já pode estar estabelecido, mas na nossa realidade, a consciência da escolha ao final do dia fica à critério do profissional de saúde. Em casos de escassez de recursos materiais e humanos, estas escolhas geralmente são difíceis e dolorosas.
   Guerras e pandemias têm esse poder: fazer pensar sobre valores. Colocar o valor em cada coisa, cada sentimento, cada vida.
   O presidente dos Estados Unidos declarou que, no famoso sentido de “primeiro os americanos”, máscaras cirúrgicas e de proteção não irão sair daquele país, pois eles “precisam “ das máscaras. Ao mesmo tempo, confiscavam itens que seriam destinados a outros países e que estava fazendo “escala” em Miami. Ofereceram mais por mercadorias da China que já estavam negociadas com outros países...e levaram!  Serão eles superiores e merecem as máscaras e insumos mais do que as outras nacionalidades?
   Enfim: que aproveitemos este tempo de reclusão forçada para refletir. E quem sabe possamos descobrir que somos mais que números, mais que estatísticas, mais éticos e mais humanos. E que, nós médicos, não percamos as esperanças, que tenhamos nessa oportunidade o prazer de nos sentirmos realmente úteis além da conta!

 *Anestesiologista do Imperial Hospital de Caridade - Florianópolis e doutoranda do Programa Doutoral de Bioética da Universidade do Porto- Portugal.

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