A foto da Optica peguei do site do amigo livreiro José Salvador da Costa
O ano era 1962. Eu tinha 9 anos de idade e uma tosse que preocupava a minha mãe.
- Sergio Antonio, vou te levar no Dr. Curi, me falou a mãe.
Roupa de ir ao médico, e lá fomos nós pela Prof. José Diehl em direção ao consultório do Curi, que ficava ao lado da revistaria do Seo Peralta.
Sentado na maca, sem camisa, recebo do Dr. Curi - com o estetoscópio no meu pulmão - a ordem de ler a “folhinha” da Casa Lamadrid que estava na parede à minha frente.
- Ler o que, Dr. Curi?, perguntei sem ver a “folhinha”.
Curi virou-se para a mãe e falou: - Dna. Noé, esse guri não tem nada no pulmão. O problema dele é nos olhos. Não enxerga!
Descobri, naquele dia, que tinha uma miopia profunda e progressiva.
Meu pai me levou ao oculista, não lembro se em Alegrete ou Uruguaiana, estávamos em falta desta especialidade em Quaraí.
Voltei para casa com a receita não. Agora tinha que fazer o óculos. Lembro que estava com certo receio de aparecer de óculos na escola e ser chamado de “quatro olho”, que foi o que aconteceu. Mesmo assim estava com uma curiosa expectativa de como seria o mundo fora dos meus olhos.
Lembro que diariamente, logo que caia a noite, o pai nos chamava - eu e o Éio, meu irmão - para fora de casa e, apontando para o céu escuro, nos dizia: - Lá vai o sputinik, e falava da Laica e do Yuri Gagarin. Eu nunca conseguia ver a tal luzinha que passava no céu de Quaraí todas as noites na mesma hora. Meu irmão via e eu não via, era cegueta!
Bem, no outro dia de manhã, cruzamos a planchada e fomos à Optica lá em Artigas, no outro lado da fronteira. O pai mandou aviar a receita e, ele mesmo, escolheu a armação.
- Casca de tartaruga, me disse.
Não dei muita importância para isso, queria mesmo era colocar aqueles óculos para ver o que ia acontecer.
Passados alguns dias o pai me disse: - Amanhã cedo vamos na Optica buscar os teus óculos que estão prontos.
Naquela noite, lembro, que fui dormir cedo para que o dia logo clareasse. No outro dia, por volta das 10h da manhã saímos rumo a Artigas. Estava ansioso. O dia era de sol e céu claro, sem uma nuvem. Um baita dia.
O óculos veio em um estojo com uma flanela branca. O senhor da Optica, com jaleco branco impecável, abriu o estojo, retirou o par de óculos com armação “casca de tartaruga” e colocou no meu rosto.
A sensação que tive naquele momento foi tão incrível que, passados mais de 50 anos, lembro com alegria. Comecei olhando perto, as armações de óculos do balcão de vidro estavam mais nítidas. Fui virando a cabeça e olhei para a rua através da porta de esquina da Optica. Caminhei meio atônito e maravilhado e cheguei à calçada. Vislumbrei um mundo com contrastes, bordas nítidas e definidas. Luminoso!
Observei e absorvi com gosto aquele dia. Fui levantando os olhos e percorri lentamente a Avenida Lecueder até chegar ao Obelisco lá em cima, na frente da antiga Arola.
Havia descoberto outro mundo. Enxergava e cumprimentava todo o mundo.
Me tornei o guri mais simpático da fronteira!
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