Bom dia, senhores e senhoras, salve!
A DOR DOS OUTROS
A vida em condomínios abriga algumas peculiaridades que muitas vezes passam despercebidas de seus moradores. O fato de muitas ações serem repetidas diariamente produz uma rotina imperceptível. Assim, é quase certo que encontraremos as mesmas pessoas todos os dias. Algumas mais, outras menos.
Com as crianças tais particularidades são mais arraigadas. Elas praticamente crescem juntas, meninos e meninas em turmas distintas. Usufruem da mesma piscina, praticam esporte na mesma quadra, usam o salão de festas para reuniões sociais e desfrutam da churrasqueira com os adultos ou de maneira independente.
Com o passar do tempo, os pais se tornam amigos e passam a ter, inconscientemente certa responsabilidade pela população miúda. Todos se conhecem e frequentam uns os apartamentos dos outros e até dormem uns na casa de um ou de outro como se o ato representasse uma pequena aventura.
Você só entende o significado disso quando, passados aí 15 anos recebe o telefonema de um filho afirmando: “pai, o Lucas morreu”...
Segue-se um silêncio e antes que você possa dizer alguma coisa, ouve “o Sky (apelido carinhoso do garoto, provavelmente tirado do filme “Guerra nas Estrelas”) era um dos meus melhores amigos”...
Então “cai a ficha” e antes de encontrar algo para dizer, você se lembra deles brincando juntos lá no prédio onde moravam... Jogando bola no pátio... Ocupando o tempo com o “Banco Imobiliário”, jogando canastra, xadrez, os brinquedos eletrônicos e depois, mais adultos, a descoberta e paixão pela música... Cada um escolhendo um instrumento e ensaiando... É, seguem-se todas aquelas manobras pouco sutis de conduzir a aparelhagem para cima e para baixo, no carro de um ou de outro dos pais, da escolha de um lugar para ensaiar, da negociação com a vizinhança, afinal, daquelas tertúlias musicais bem que poderia sair um virtuose, quem sabe alguém que ficará famoso um dia e poderão dizer, “puxa, essa gurizada ensaiava lá perto de casa, mas sempre botei fé que dali sairia alguma coisa boa... E não é que eu estava certo!”...
Soube que o Lucas tinha apenas 30 anos, não fumava e não bebia, havia casado recentemente, dedicava-se inteiramente a música... Acabara de ganhar uma bolsa para fazer um mestrado em música e a sua banda iria tocar no final do ano na França, estava animado, no auge do entusiasmo que poderia representar uma promissora carreira e aí um enfarte põe fim ao sonho...
Ironia, triste destino, quando nos aproximamos do sonho, ele se esfuma, evapora, some… Permanece então a história da luta que foi para buscá-lo e isso justifica uma vida inteira, ainda que se alie à tristeza, a solidão, as dores do que se perdeu pelo caminho…
Meu filho está chorando ao telefone... Imagino o que significa aquela tragédia para todos os amigos deles, os pais do Lucas, Paulo e Gisele da Rosa e os seus irmãos, Tiago e Paola... O mundo desabando em cima de uma família e as forças do universo mostrando em todos os nossos poros o quanto somos pequenos e vulneráveis aos seus desígnios...
Penso nas “Meditações”, do poeta John Donne quando diz “...A morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte da humanidade”...
A dor dos outros explodindo em significações e eu ali, mediocremente pensando na eleição para uma academia de letras, deus meu, como um homem pode deixar-se corromper por tal papel?
Foi naquela hora, na tarde de terça-feira, dia 20, que decidi não submeter mais o meu destino a uma minoria de homens de letras... E daí, já despido da glória passageira do Olimpo, como um mortal que acaba de descobrir a verdade essencial, solidariamente, chorei junto com o meu filho aquela perda humana que nenhuma lágrima poderia mais trazer de volta!
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