Editorial / O Estado de S. Paulo
É melancólico o fim que se anuncia da carreira política de um líder que foi capaz de vender a ilusão de que poderia mudar para melhor o Brasil. O carisma e a habilidade de Luiz Inácio Lula da Silva como líder populista não podem ser subestimados, mas a política costuma ser implacável com quem passa dos limites na tola pretensão de colocar-se acima do Bem e do Mal e atribuir-se onipotência divina. A soberba de Lula resultou na falência política, econômica e moral do País, responsabilidade que não pode ser jogada integralmente nos ombros débeis daquela que foi colocada na Presidência da República para satisfazer a vontade de seu mentor. Dilma Rousseff, condenada ao desapreço dos brasileiros, já paga um alto preço por sua incompetência. Chegou a vez de Lula, o grande responsável pela nefasta “era petista”, prestar contas de seus atos.
Nos últimos dias, as notícias relacionadas às investigações sobre a corrupção na gestão pública, para a qual o “pragmatismo” de Lula escancarou as portas do governo, não fizeram mais do que revelar aquilo que já era esperado nessa fase das apurações. Essas investigações exigem especial cuidado por causa de suas inevitáveis implicações políticas e consequente repercussão na opinião pública. É o que justifica o nome de Lula ter aparecido oficialmente como investigado apenas agora.
A amplitude e a profundidade da corrupção revelada no governo em dois anos de trabalho árduo e minucioso realizado pela Polícia Federal (PF) e pelo Ministério Público Federal (MPF) levaram desde logo a uma questão óbvia: é possível que todo esse mar de lama tenha inundado o governo sem a participação efetiva ou ao menos a cumplicidade tácita dos mais altos mandatários? A resposta mais do que evidente é não. Por isso, a maioria dos brasileiros jamais se iludiu a respeito. E a delação do ex-líder do governo no Senado Delcídio Amaral reafirma essa evidência, ao acusar diretamente Dilma e Lula, entre outras coisas, de tentar criar obstáculos às investigações.
Apenas a paixão política e os interesses contrariados, portanto, podem motivar a contestação do trabalho que vem sendo executado pela PF, pelo MPF e pelo Poder Judiciário para pôr termo à impunidade dos poderosos, tornando finalmente realidade entre nós o princípio democrático de que todos são iguais perante a lei.
A partir do instante em que Lula irresponsavelmente convoca a reação das ruas contra a Lava Jato e o que ela significa, é importante lembrar que o ex-presidente entra nessa história na condição de poderoso e não de fraco e oprimido perseguido injustamente pelos malvados inimigos do povo. Lula está com a polícia em seus calcanhares não porque é um nordestino que nasceu na pobreza e subiu na vida. Lula está nessa triste situação porque deixou que o poder lhe subisse à cabeça, deslumbrou-se com a veneração da massa, com o protagonismo político e com a vassalagem interessada de políticos medíocres, intelectuais ingênuos ou vaidosos e, principalmente, com a bajulação de homens de negócio gananciosos.
Ao longo de toda sua vida pública, mas principalmente depois que se tornou presidente da República, Lula deu reiteradas demonstrações de tolerância com desvios de conduta em seu governo e de certas vacilações de caráter. O mensalão é o maior exemplo disso. Declarou-se “traído” e pediu “desculpas” ao País. Não demorou muito para que se constatasse ser isso mais um de seus jogos de cena para enganar os incautos. Passado o efeito desejado, Lula afirmou que o mensalão era “uma farsa” que ele se dedicaria a desmascarar tão logo deixasse o poder. E a essa altura o petrolão já abastecia as algibeiras da tigrada.
A Operação Aletheia, que levou Lula a depor à PF, tem na mira “organização criminosa infiltrada dentro do governo federal que se utilizava da Petrobrás e de outras empresas para financiamento político e também para apropriação pessoal”. Essa “organização criminosa”, segundo o procurador Carlos Fernando Santos Lima, “certamente tem um comando”. Todo o Brasil sabe quem ocupa o posto.
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