Conto do Emanuel Medeiros Vieira
– Ele parecia triste, alguém falou.
O cunhado esperou em silêncio do outro lado da linha. Murmurou algo, parecia um grunhido.
– Foi durante o café da manhã. Agora no domingo.
– Foi?
– Foi.
Quem havia ligado, continuou – Comeu uma fatia de pão integral, sem nada, nem manteiga, e tomou uns goles de um café preto. Rapidamente. E continuou olhando para a parede.
O interlocutor não sabia o que dizer. Mas desta vez perguntou
– Tomou o remédio para o coração?
– Tomou.
O primeiro falar – continuou.
– Aí ele foi caminhar.
– A cirurgia vai ser na terça-feira? perguntou aquele que havia recebido a ligação.
– Vai.
O ser objeto da conversação estava caminhando. Olhando para o gramado, para as flores e para as árvores como nunca havia olhado. Olha mais.
Parou um pouquinho. Contemplou uma árvore maior. Um cachorro vadio. Adolescentes com uniformes escolares. Empregadas comprando pão.
Um zelador iniciando a sua jornada diária.
Até o seu último dia, não esqueceu uma babá anônima, empurrando um carrinho com uma criança.
Toda a sua vida passou naquele instante: ele menino, ele adulto, os casamentos, os filhos, as viagens, a rotina.
Aquele carrinho com uma criança foi a sua última visão no mundo. (Não houve tempo para a operação.)
No fundo, sempre quis ficar quieto e sair da agitação do mundo.
No enterro, o irmão lembrou-se das palavras do cunhado: “Ele parecia triste”.
Será? Ou sempre fora assim?
Quem saberá?
Agora, nada mais importava para o morto. Saíra do mundo. Tudo o que acontecesse, não mais lhe diria respeito. Seus segredos estavam todos debaixo dos sete palmos.
O pão integral sem nada, o café preto.
Depois – pouco antes da morte: o gramado, as flores, as árvores, o cão vadio, uniformes escolares, moças saindo da padaria, e aquele carrinho de bebê.
Tudo – sem ele – continuava com antes.
À objetividade inerte das coisas, era indiferente o seu ficar ou o seu ir.
Depois do enterro, o cunhado só via a mesa, o pacote de pão pela metade, o vidro de remédio, e pensou na aporrinhação de ter que fazer um inventário.
Só ele não estava mais lá.
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