por Emanuel Medeiros Vieira
O título é o comentário de alguém que escutou o “Réquiem”, de Mozart.
É sábado à noite.
Não sei quando eu vou.
Mas indo (é da humana lida), não se esqueçam da minha filha Clarice (Barbosa Vieira)– que é bem melhor do que o seu pai.
E a morte será apenas um “sono sem sonhos”, como disse um amigo?
Quem saberá.
Não há resposta lá de cima.
Ninguém voltou e disse: “Por aqui tudo bem. Os maus estão todos no inferno, e eu estou gozando as delícias do céu”.
As religiões nasceram pelo medo da morte?
Mas a gente ficará na afeição e no carinho daqueles que nos amaram (isso por uma geração, talvez nem tanto e, depois, seremos todos esquecidos).
O câncer me pegou e o tumor é incurável.
Estou lidando com ele e com a Velha Senhora (a Indesejada das Gentes) há dois anos, quatro meses e vinte e oito dias.
Tudo bem.
Os mortos já não têm problemas.
Os mortos são problemas dos vivos.
Tanta emoção.
Sim, é de arrancar a tampa do coração.
Sentirei saudades do que poderia ter feito, de pessoas, mares e de Santiago de Compostela (e de Paris e de Veneza, antes do enxame de turistas, do terrorismo insano, e da minha cidade natal, a ilha mítica de outrora – hoje: não mais.).
Noutra noite, sonhei que andava por Barcelona e fui assistir a um concerto.
E o que foi tocado (obsessão do inconsciente?): o “Réquiem”, do mago e bruxo Mozart.
Em outra noite, sonhei com o dia com 31 de março de 1964, dia do meu aniversário (fazia 19 anos), e do golpe de Estado, que nos “afugentou” por 21 anos.
Que geração essa em que fui “metido!! Sem reclamação, rapaz"!
E os anos passam. É uma platitude, eu sei: os anos não voltam, e ficamos velhos, enrugados (se chegarmos lá), mais cansados... e dos ossos nem falo
Mas também me lembro de Millor Fernandes: Só quem faz, sabe a paz do feito.
Recordo-me (de memória) de Paulo Leminski , em “Polonaises” – de uns versos, sem marcação, não bem citados, sem conferir as linhas, apenas pela memória –com aspas ou não, irmão das almas?
Vai assim, sem o rigorismo que o poeta merecia: “Me enterrem com os trotskistas na cova comum dos idealistas onde jazem aqueles que o poder não corrompeu”.
A memória pode ter falhado. Meus perdões, Paulo e amigos.
Ou na cova dos velhos cristãos das catacumbas (calma, amigo: elas não existem– não importa).
Enterrem-me na cova dos cristãos das catacumbas. Não é possível, amigo.
Eram antes comidos pelos leões. Não eram enterrados. Alguns não foram?
Alguém, da Academia, reclama: esse moço brinca com as palavras. “Precisa ser mais rigoroso. Não coloca notas de pé de página, como nas teses”. Danem-se as teses e as academias!
Cansado de ser moderno, tentarei ser eterno, parodiando Carlos Drummond de Andrade.
Mundo complicado, sectário, intolerante, cheio de matanças.
“Entre a dor e o nada fico com a dor” – lembrei-me de William Faulkner, de “Palmeiras Selvagens”.
É noite e tudo é noite, como no poema de Mário de Andrade.
“Esse senhor tem a mania de citação. É um obsessivo”.
Mais: “Esconde no falso humor, o medo da morte, tem a nostalgia da família primitiva, e é um conservador”.
Conservador? O diabinho reconhece: conservador de conservar, de eternizar as coisas boas, como as conservas (de cebola, por exemplo) que sua mãe fazia.
Um socialista atrasado, que não entendeu o seu tempo, e está atrás, e teme a Tecnologia e a Modernidade. Busca fugir delas como o diabo da cruz. E ainda vive de utopias.
SIM: EU SOU UM PISTOLEIRO DO ENTARDECER, em busca de um boteco (sujo, empoeirado, comendo uma linguiça, com muita banha) para tomar um trago, e olhar, com a garrafa na mão, numa mesa externa, as montanhas onde viveu, na qual existiam heróis, honra e duelos ao sol poente. Sim, era de cortar a tampa do coração.
(Salvador, abril de 2017)
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