domingo, 31 de janeiro de 2010

DIÁRIO DA PROVYNCIA III



CÍNICO, CÉTICO E EFICIENTE!

Por Olsen Jr.

olsenjr@matrix.com.br


Foi somente depois que o carro passou sobre a água empossada num desvão (de um trabalho mal feito anteriormente) nas lajotas oitavadas da Avenida das Rendeiras, pulverizando com água barrenta uma família inteira que caminhava no passeio em frente é que me dei conta: tínhamos de ser muito otimistas para acreditar que havia alguma esperança para o ser humano.

O veículo trafegava com o dobro da velocidade permitida naquele trajeto no bairro boêmio da Lagoa da Conceição. Compreende-se que as pessoas de férias possam distrair-se com o ambiente enquanto passeiam, mas é injustificável que um motorista não tenha a dimensão de uma atitude imprudente. Seja pelo excesso de velocidade ou pela visão embotada do percurso. O que é pior, que encare ambas com naturalidade como se estivessem incorporadas ao “seu fazer” e até, a danação, que sequer tenha consciência da imperícia e da infração cometida.

Sei! Alguém pode lembrar que uma ação isolada não serve de parâmetro para avalizar um comportamento humano. De tanto observar atitudes desrespeitosas como essa, me tornei um cético. Então, resta o quê?

Lembrei de um texto do Paulo Fancis na Folha, década de 1970 “Resta o consolo do trabalho. São Paulo estava errado e São João certo. A salvação é pelas obras e não pela fé. Esta matamos há muito tempo”.

Parte do meu aprendizado foi aperfeiçoada num texto do mesmo Paulo Francis (já que mencionei o trabalho) comentando o filme “Mississippi em Chamas”, de Alan Parker e a atuação de Gene Hackman.

O filme é baseado no assassinato em 1964, de três ativistas dos direitos civis no sul segregacionista dos EUA. O foco está na investigação de dois agentes do FBI, o sulista Rupert Anderson (Gene Hackman) e o nortista Alan Ward (William Defoe) e os métodos de cada um para chegar a verdade: o primeiro com suavidade e o segundo agressivo. No fim triunfa a astúcia do primeiro e a perseverança do segundo. Em 2005, um ex-integrante da Ku-Kux-Klan, Edgar Ray Killen, então com 80 anos, foi condenado a 60 anos de prisão pela morte dos ativistas no qual o filme se baseou, corroborando a tese de seu diretor, que acreditava que um filme pode ter funções políticas.

Francis ressaltava que a atuação de Gene Hackman era a expressão pura do que o crítico Edmund Wilson chama de Jobbism num ensaio em afirmava que “só nos resta neste mundo corrupto fazer nosso trabalho bem feito, sem tomar conhecimento de causas e pretensões iluministas”.

No filme, as pessoas se recusam a falar. Quem diz alguma coisa é espancada. Lá como aqui, uma realidade que se repete nomundo e no submundo da impunidade. Mas o Francis afirma que “Hackman olha e ri nos falando uma enciclopédia britânica sobre a natureza humana. Não se vangloria e nem tem ilusões. São pessoas assim que avançam as causas, poucas ainda em que acreditamos, e não ideólogos e idealistas. São céticas, cínicas e eficientes. Nossa única esperança, e Gene Hackman é emblemático de nossa condição”.

Esse “jobbism” que pode ser traduzido como “mãos-à-obra” descoberto pelo Francis no ensaio de Edmund “Bunny” Wilson que ele tomou conhecimento no início da década de 1960 e só foi assimilado na de 1980 pode ter raízes no médico e poeta transcendentalista americano Oliver Wendell Holmes... A uni-los, a descoberta da dignidade profissional enquanto último e inoxidável instrumento de participação social. Não será a pólvora, como lembrou a jornalista Ana Claudia Vicente, mas para mim o jobbism foi um achado. Que funcionará, quando muita gente o achar também.

É isso, desde então, na cabeceira da minha cama, além de um champanhe e do livro que estiver lendo, está o trípdico: cínico, cético e eficiente...

Justifica-se: a bebida, porque como lembrou Zózimo Barroso do Amaral “enquanto houver champanhe, há esperança”; um livro, porque como diz o poeta que habita em mim “é a melhor companhia quando você não quer ver ninguém” e as palavras, para manter uma atitude enquanto não se põe mãos-à-obra!

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