sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

QUANDO AS FOTOS MENTEM

Por Janer Cristaldo

    “Um homem caminha por uma rua de Atenas que não parece Atenas; poderia ser o Bronx, qualquer bairro marginal do mundo. Leva as mãos no bolso e o olhar baixo, triste. Não há portais, nem quiosques, nem ruídos. Só se escuta o caminhar do homem cabisbaixo. Um grafiti se destaca sobre os demais. A jovem pintada segura um cartaz no qual se lê uma declaração: “Sem esperança”. A mulher olha de frente, com a cabeça erguida; também parece triste. É uma foto de tristezas acumuladas. Ao lado estão escritas palavras soltas. Parecem gritos isolados, enfados individuais. Todos juntos são uma declaração política, quase filosófica, frente à desesperança: sistema monetário, capitalismo, religião, corrupção, guerra, injustiça, solidão, globalização, imortalidade”.

    Assim descreve El País uma foto de um homem que passa por uma parede grafitada de um bairro deteriorado de Atenas. Olho para o homem e nele não vejo nada que possa parecer tristeza. Tem um semblante grave, parece preocupado. Daí a estar triste, só na cabeça do redator. Está bem vestido, com um abrigo aparentemente de grife, que não é para qualquer pobretão. Já a rua por onde passa tem uma parede suja de grafites, como centenas de ruas em centenas de cidades do mundo. Ruas assim, você encontra nas ricas Paris ou Madri, Estocolmo ou Copenhague. A propósito, nesta última, existe um bairro muito conhecido, Christiania, território livre para consumo e comércio de drogas, cujas ruas nada ficam a dever à rua da foto em Atenas.

    Nenhuma capital de país rico está livre de bolsões de pobreza, e mesmo de miséria. Há uns bons vinte anos, vi moradores de rua deitados na aristocrática Place des Vosges, em Paris. Mendigos, nós os vemos na Puerta del Sol, em Madri, ou na Piazza Spagna, em Roma. Nem por isso podemos deduzir, a partir de um momento isolado, que um país esteja em crise.

    Que a Grécia vive uma crise, disto estamos cientes. Mas a foto do
El País não prova crise alguma. É um trocadilho. O homem foi fotografado quando passava ante um grafiti que falava em desesperança. Uma foto de um homem caminhando por uma rua suja não prova nada. Mostra apenas que um homem caminha por uma rua suja. Nápoles, há décadas, é um lixão a céu aberto e nem por isso se falava de crise da Itália.

    O redator, pelo jeito, pertence àquela raça secular do Luís Fernando Verissimo, que há pouco se regozijava com o naufrágio do Concordia:

    “Disseram do naufrágio do Titanic em 1912 que ele simbolizou o fim tardio do século 19, com sua fé na tecnologia e no domínio do homem sobre a natureza. Se aquele magnífico navio adernado na costa da Itália simboliza alguma coisa é o fim de outra ilusão que ninguém esperava fosse acabar: a união européia, o euro forte e os anos de euforia com o dinheiro farto. E ninguém viu as pedras”. Leia mais. Beba na fonte.

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