quinta-feira, 30 de março de 2017

Perdemos um grande escritor: João Gilberto Noll

João Gilberto Noll
    por Emanuel Medeiros Vieira
   O título, eu sei, é um lugar-comum, e ririas com aquele teu jeito sóbrio, discreto e sofrido - daquele jeito tão teu.
   Estivemos juntos na antologia "Roda de Fogo", publicada em 1970, ao lado de outros colegas já falecidos, como Caio Fernando Abreu, Moacyr Scliar, Josué Guimarães, Carlo Carvalho, Arnaldo Campos - e outros.
   Ficamos muito próximos no final na década de 60 e e no início da de 70.
   Fiz contigo uma "cadeira" (como se dizia na época) de Teoria Literária,  na Faculdade de Letras da UFRGS. 
   Tu  já fazias a Faculdade de Letras, eu na de Direito, junto com Caio Fernando Abreu e Elke, mais tarde conhecida como "Maravilha".
   Passei um verão na casa de praia dos teus pais, no litoral gaúcho.
   Te esperei na Rodoviária quando foste morar em São Paulo.
Foi um período de profunda efervescência -, tragos, lutas, esbórnias, sonhos. E veio o rabo-de-foguete da ditadura, que deu o mais duro "chega-pra-lá" na gente.
   Tivemos de fugir e me pegaram. Mas essa é outra estória.
(Pelo caráter de urgência,   escrevo um texto muito aquém do que merecias. Rápido, fragmentado - como era o teu. estilo.)
Cada um no seu canto. Antes nos correspondíamos muito.   Devo ter cartas tuas nos armários e pastas já amareladas em Brasília.
   Escreveste um texto para o meu livro "Cerrado Desterro", perdido, lamentavelmente, por uma revisora e, por azar, eu que tenho a mania de tirar xerox de tudo, desta vez, fiquei sem fotocópia. 
   Não pretendo fazer uma análise, mesmo que modesta, da tua obra.
   Lembro de "Hotel Atlântico" - uma das tuas melhores obras.
   O estilo seco, conciso, até rude, a busca de uma linguagem verdadeiramente penetrante, sem  mentiras ou camuflagem, era uma ds tuas mais marcantes características.
   Descarnado, tua poderosa linguagem buscava a palavra certa e exata, como fazia Flaubert.
   O que dizer? o amigo, sem confetes, deixou uma obra muito poderosa.
   Teus personagens eram erráticos, perdidos num mundo desumano e absurdo, em busca de algo que não sabem bem o que é- lembrando também um autor que muito amamos: Albert Camus.

   O QUE ESSA MORTE FARÁ COM TANTA VIDA?, pergunto.
   E agora vais para outras esferas, e a morte - a "puta de olhos claros", como a chamou um poeta - era um tema recorrente (mesmo que às vezes escondido)  na tua escrita.
   Lógico: tua tão DENSA  e poderosa obra ficará.
   Falei contigo pela última vez numa Feira do Livro em Brasília, e lembramos de outros tempos. Recordei-me que assisti "Hair" contigo. 
   Tantos filmes vistos juntos. E amigos comuns.
   Um traço da tua obra, quem sabe, foi a solidão ontológica dos teus personagens.
   E da tua vida?
   Teus segredos estão agora debaixo dos sete palmos.
   Alguns de teus personagens, errantes, erráticos, tinham esse traço que chamaria (sem  querer se pedante)  inadaptação, metafísica e radical - que não tem saída.
   O que posso mais dizer? Vai em paz, meu amigo.
(Salvador, 30 de março de 2017)

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