Sambaqui (Florianópolis-SC), duas horas da madrugada do primeiro dia de março de 2017. Duas dezenas de pessoas continuam na praia das Flores, onde se realizou o Carnaval, entre barraqueiros e foliões. No vídeo abaixo, vemos uma fileira de policiais militares fazendo um arrastão de fim de festa, gravado pela jornalista Anita Martins, acompanhada do fotojornalista Edu Cavalcanti. Além de registrar atos de intimidação, mostra o lançamento de gás pimenta no rosto de dois carnavalescos que estavam indo embora. O vídeo ainda mostra as abordagens policiais aos dois jornalistas do Daqui na Rede, cerceando o exercício profissional. Confira.
Em Santo Antônio
Sem qualquer incidente na área delimitada pela organização, o Carnaval de segunda-feira (27.2), em Santo Antônio de Lisboa, terminou às 2 horas da madrugada de terça (28). Os foliões, que aos poucos iam deixando o local da festa, foram surpreendidos por uma ação policial-militar inusitada e desnecessária – entre 40 mil e 60 mil foliões brincaram na rua Cônego Serpa desde o início da noite e não foi registrada nenhuma ocorrência, segundo os próprios policiais escalados para garantir a segurança de todos.
Os carnavalescos que estavam na frente da igreja de Nossa Senhora das Necessidades e da praça Getúlio Vargas foram enxotados a balas de borracha e gases lacrimogênio para a rua Professor Osni Barbato, mais acima. O mesmo ocorreu com foliões no trecho final da rua Padre Lourenço, na altura da praça Roldão da Rocha Pires/Alfaias, sendo então corridos pela tropa na direção da entrada do bairro. Os dois grupos foram encurralados nas ruas General Aleluia e Senador Mafra. E dá-lhe pau!
Nem os trabalhadores da Comcap, que iniciavam a limpeza do local, foram poupados. A sede do bloco Baiacu de Alguém também foi alvo de investidas. “Deram diversas porradas na porta de metal e em seguida soltaram umas três bombas de efeito moral na rua Padre Lourenço de Andrade”, relata o arquiteto Joel Balconi, dirigente do Baiacu. “O pessoal, lá dentro ficou apavorado achando que iam arrombar o portão e baixar o pau em todo mundo”, complementa.
Os fatos ganharam as redes sociais e as rodas de conversas do pós-Carnaval no distrito de Santo Antônio de Lisboa. Muitos acreditam que a tropa, constituída basicamente por alunos do Centro de Ensino da PM, aproveitou a multidão para realizar um treinamento de guerra. Afinal, as balas, as bombas e os gases atingiram famílias, crianças, mulheres e idosos. Nas fotos da cobertura dos carnavais em Santo Antônio e Sambaqui, sem nenhuma ocorrência policial, verificamos essa composição de público.
Segundo organizadores do Carnaval na área, essa tem sido a prática da PM nos últimos três anos. Eles não denunciam por temer represálias na organização da próxima festa.
Outros fatos durante o Carnaval
“Durante os dias de folia, a profissional autônoma Adriana de Andrade Lima, que mora no início da rua Isid Dutra, na Barra do Sambaqui, montou uma barraca de cachorro quente no quintal de casa e acabou presenciando cenas do que classificou como “abuso de poder”. No domingo, viu três rapazes serem pressionados a ir embora pela Barra, apesar de morarem na praia do Fogo, ou seja, na direção contrária. “Eles disseram que já tinham levado jatos de spray de pimenta e golpes de cassetetes nas costas. Pedi a minha vizinha que os colocasse para dentro de casa, senão iam apanhar”, disse.
Na terça, um casal amigo de Adriana estava terminando de lanchar na frente da sua residência quando, segundo ela, uma policial se aproximou e disse: “Sobe, sobe, não pode ficar ninguém na rua”. O casal morava na Ponta do Sambaqui, também na direção oposta. “A menina ficou nervosa e começou a dizer que eles não podiam obrigá-la a sair da rua. Aí, eu mesma os botei para dentro do meu terreno”, relatou. “Proteger a população é uma coisa. Abusar do poder é outra”, comentou.”
“No domingo, por volta da meia-noite, o professor Bruno Nichel estava voltando para sua casa, no início da rua Isid Dutra, na Barra do Sambaqui. Para evitar o trânsito do Carnaval em Santo Antônio de Lisboa, pegou o caminho da rua Padre Rohr, onde foi parado em uma barreira policial. “Expliquei que estava indo para casa, mas o PM não acreditou. Ele disse: ‘Acho que você está me dando o migué para conseguir estacionar lá’. Minha esposa não acreditou, abriu a janela e falou: ‘A gente tá com a nossa filha de menos de um ano dormindo no carro. Você acha que a gente quer ir para a festa?’ O outro PM entendeu e nos liberou. Mas o primeiro ficou indignado e ainda foi brigar com o colega”, diz. O pai de Bruno considerou o tratamento como “de meliante”.
Antecedentes
As relações dos moradores do distrito de Santo Antônio de Lisboa e da PM têm sido tensas.
Um protesto na rodovia SC-401 pedindo mais segurança e a reabertura do posto policial local teve como resposta uma espécie de estado de sítio, com a realização de operações de trânsito (blitz) durante três semanas seguidas, infernizando a vida dos moradores. Só depois disso é que foi destacada uma viatura com dois policiais para rondas na área.
Numa reunião do Conseg Costa do Sol Poente, o então oficial comandante do 21º BPM expulsou do local uma equipe de televisão que cobria o evento. Moradores que reclamaram da ausência da PM foram hostilizados e xingados pelo mesmo oficial.
Numa reunião da diretoria do bloco Engenho de Dentro (Sambaqui) com o promotor de Justiça Daniel Paladino, o então oficial comandante da mesma unidade da PM mandou que alguns diretores calassem a boca, pois eles não entendiam nada de segurança.
Em outra ocasião, durante reunião dos integrantes do referido bloco com o comando do 21º BPM, no quartel do mesmo, um diretor recebeu voz de prisão vinda do oficial comandante por haver discordado de argumentos que apresentara.
Represália
Quando a PM deixou o posto policial de Santo Antônio de Lisboa, alegando insalubridade, ficou abandonado no local um saco plástico com dezenas de documentos (de Identidade, Passaportes etc.). O material foi localizado pelo dirigente da Associação de Moradores de Santo Antônio de Lisboa (Amsal), entidade que passou a ocupar o imóvel da antiga Intendência e onde funciona atualmente a Casa da Cultura Clara Manso de Avelar.
Pois bem: como a PM demorou para recolher os referidos documentos, fizemos uma matéria para o portal Daqui na Rede informando sobre o abandono dos documentos, num serviço de utilidade pública.
Com isso, a secretaria da Segurança Pública (SSP-SC) mandou abrir sindicância pela corregedoria. Dias depois, um policial-militar se dirigiu à residência do editor do referido portal e invadiu o terreno para entregar uma intimação.
*Celso Martins é jornalista, editor do portal Daqui na Rede.
Estimado Sérgio
Depois de ler no "teu blog" (de todos nós, democratas...), repetindo a leitura no do Celso, não poderia de deixar de escrever o modesto e curto texto abaixo, contra a violência policial. Creio que a ditadura está internalizada ainda em certos corações e mentes.
Abração do Emanuel
Caro amigo Celso Martins
Da velha Bahia, quero enviar minha (modesta) mas total solidariedade em relação à violência cometida pela Polícia Militar - que existe para proteger o povo - , atacando foliões e profissionais da imprensa no carnaval.
(Escrevo com sincera indignação.)
É um lugar-comum, mas precisa ser repetido: SEM LIBERDADE DE IMPRENSA NÃO EXISTE DEMOCRACIA.
E toda uma geração sofreu muito para o restabelecimento do regime democrático em nosso país.
É de estarrecer que tais práticas ainda ocorram em pleno século XXI.
Que essa violência não fique impune. Estamos contigo e com todos que foram vítimas de tais abusos.
Emanuel Medeiros Vieira (velho homem do Desterro, que não suporta arbitrariedades...)
(Salvador, 8 de março de 2017)*
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