por Emanuel Medeiros Vieira
Para os pais que
lutam para que seus filhos escapem da dependência das drogas ilícitas (ou não)
Vivendo, nos últimos anos, entre Brasília (não a do Poder,
dos verdes, dos pássaros, das flores, dos criadores, dos amigos – aliás, a
maioria dos patifes chega lá terça e volta na quinta-feira) e Salvador, onde tenho passado os últimos meses, sinto que é
preciso falar dos “lugares”.
A vida é um assunto
local, já dizia Chaplin...
Então, falarei de um
doloroso drama, inferno mesmo, que não é só da primeira capital do Brasil, mas
de quase todo o país (e mundo).
O folclore mercantilizado, desta cidade só fala dos
cantores, das festas, da “alegria eterna” (puro estereótipo). É que não
conhecem a cidade na qual não transitam
turistas apressados e deslumbrados.
Quero falar (não é uma
tese) do problema dos dependentes de drogas ilícitas. (Fala aqui alguém que
quer compreender, não um juiz.)
Assunto doloroso e
difícil, mas do qual não quero fugir.
Chamou-me atenção uma matéria bem recente do “Correio da
Bahia”, de autoria de Thaís Borges e Hilza Cordeiro.
Uma das frases mais vistas quando é lido um jornal informa:
“Adolescente morreu em confronto com a polícia”.
Causa principal, quase sempre: envolvimento com o tráfico de
drogas.
Diz um senhor: “Infelizmente, a morte dele era algo que a
gente previa”, admitiu o pai de Valney do Rosário Pereira, 17 anos, morto numa
operação policial no perigoso e populoso bairro de Engenho Velho de Brotas (não
esqueçam: Salvador é a terceira capital do país em número de habitantes).
É mais uma morte para a estatística. O pai do rapaz não está
sozinho.
Há quase uma fatalidade, mesmo quando a polícia chega logo
atirando. São bairros de pretos e pobres, praticamente abandonados pelo Estado.
Ganham pouco (se trabalham), desemprego enorme, conduções infamantes, em que
nada funciona. Nada de novo escrevo, eu sei .
E muitas vezes há confrontos mesmo. A visão, creio, não pode ser maniqueísta.
Polícia má, traficante bonzinho. Nada disso. Há os dois
lados, e muito mais..
RESUMINDO: APREENSÕES
DE ADOLESCENTES POR TRÁFICO SOBEM 1700 POR CENTO EM 11 ANOS, NA CAPITAL BAIANA.
“Eles começam como
usuários de drogas, daí partem para outras atividades". A maioria faz parte de facções, informa uma delegada.
Nos bairros periféricos, a influência é ainda maior das
facções, por causa (é claro) da vulnerabilidade social.
Um defensor público diz que o jovem sente necessidade de
reafirmar a sua identidade num grupo.
Ele acrescenta: “Os adolescentes são a ponta desse sistema e
é essa ponta que o aparato policial reprime primeiro”.
Famílias desfeitas, falta de proteção, violência doméstica,
pais inexistentes, falta de limites – tudo isso são causas.
Reconheço: não tenho certezas. Só dúvidas. Talvez não haja maior flagelo como esse
– só a guerra.
Quem tem de lidar com um dependente em casa (conheço famílias)
sabe disso: é um inferno diário, e até o amor mais desmedido não oferece
resultados.
Com tudo isso, ainda enfrentamos, no país, uma crise ética
sem precedentes, e um mundo armado, violento e perigoso.
Mesmo que não sejamos
uma ilha, como dizia o grande poeta John Donne, não está fácil.
(Perdoem: queria ter respostas, mas não tenho. Só palavras. Mas lembro do mestre Machado de Assis: alguma coisa escapa
ao naufrágio das ilusões).
(Salvador, abril de 2017)
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