quarta-feira, 19 de abril de 2017

Geração perdida


por Emanuel Medeiros Vieira

Para os pais que lutam para que seus filhos escapem da dependência das drogas ilícitas (ou não)
  
O grande Leon Tolstoi – um dos maiores escritores de todos os tempos – já dizia (e já se tornou um lugar-comum a citação) que para conheceres o mundo, conhece antes a tua aldeia.
  Vivendo, nos últimos anos, entre Brasília (não a do Poder, dos verdes, dos pássaros, das flores, dos criadores, dos amigos – aliás, a maioria dos patifes chega lá terça e volta na quinta-feira) e Salvador, onde tenho passado os últimos meses, sinto que é preciso falar dos “lugares”.
   A vida é um assunto local, já dizia Chaplin...
   Então, falarei de um doloroso drama, inferno mesmo, que não é só da primeira capital do Brasil, mas de quase todo o país (e mundo).
   O folclore mercantilizado, desta cidade só fala dos cantores, das festas, da “alegria eterna” (puro estereótipo). É que não conhecem a cidade na qual não transitam turistas apressados e deslumbrados.
   Quero falar (não é uma tese) do problema dos dependentes de drogas ilícitas. (Fala aqui alguém que quer compreender, não um juiz.)
   Assunto doloroso e difícil, mas do qual não quero fugir.
   Chamou-me atenção uma matéria bem recente do “Correio da Bahia”, de autoria de Thaís Borges e Hilza Cordeiro.
   Uma das frases mais vistas quando é lido um jornal informa: “Adolescente morreu em confronto com a polícia”.
Causa principal, quase sempre: envolvimento com o tráfico de drogas.
   Diz um senhor: “Infelizmente, a morte dele era algo que a gente previa”, admitiu o pai de Valney do Rosário Pereira, 17 anos, morto numa operação policial no perigoso e populoso bairro de Engenho Velho de Brotas (não esqueçam: Salvador é a terceira capital do país em número de habitantes).
   É mais uma morte para a estatística. O pai do rapaz não está sozinho.
   Há quase uma fatalidade, mesmo quando a polícia chega logo atirando. São bairros de pretos e pobres, praticamente abandonados pelo Estado. Ganham pouco (se trabalham), desemprego enorme, conduções infamantes, em que nada funciona. Nada de novo escrevo, eu sei .
   E muitas vezes há confrontos mesmo. A visão, creio, não pode ser maniqueísta.
   Polícia má, traficante bonzinho. Nada disso. Há os dois lados, e muito mais..
   RESUMINDO: APREENSÕES DE ADOLESCENTES POR TRÁFICO SOBEM 1700 POR CENTO EM 11 ANOS, NA CAPITAL BAIANA.
  “Eles começam como usuários de drogas, daí partem para outras atividades". A maioria faz parte de facções, informa uma delegada.
   Nos bairros periféricos, a influência é ainda maior das facções, por causa (é claro) da vulnerabilidade social.
   Um defensor público diz que o jovem sente necessidade de reafirmar a sua identidade num grupo.
   Ele acrescenta: “Os adolescentes são a ponta desse sistema e é essa ponta que o aparato policial reprime primeiro”.
   Famílias desfeitas, falta de proteção, violência doméstica, pais inexistentes, falta de limites – tudo isso são causas.
   Reconheço: não tenho certezas. Só dúvidas. Talvez não haja maior flagelo como esse – só a guerra.
   Quem tem de lidar com um dependente em casa (conheço famílias) sabe disso: é um inferno diário, e até o amor mais desmedido não oferece resultados.
   Com tudo isso, ainda enfrentamos, no país, uma crise ética sem precedentes, e um mundo armado, violento e perigoso.
Mesmo que não sejamos uma ilha, como dizia o grande poeta John Donne, não está fácil.

(Perdoem: queria ter respostas, mas não tenho. Só  palavras. Mas lembro do mestre Machado de Assis: alguma coisa escapa ao naufrágio das ilusões).
(Salvador, abril de 2017)

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