Por Nei Duclós
Refém da madrugada, o galo forja a brasa da manhã. Seu canto, lance solitário, rasga a paisagem. O esforço trava na garganta exausta. Cercada pela indiferença, a sentinela se alimenta de dúvidas. É um mistério que ainda se entregue ao ofício. Poderia abaixar a crista e insistir no sonho, mas prefere ser garimpeiro de brita. Romper os dias que nascem escuros nas promessas, se transformar num adivinho de tocaias, enfrentar pânicos ameaçados por ciclones, molhar-se em súbitas tempestades. Nem sempre o ano tem a sorte de ser maio.
O galo é a impaciência que vem a furo. Não confia, não desiste, não delega. Ignora as luzes artificiais que tentam mascarar o tombo do abismo sobre o mundo. Não deixa que permaneça impune a mudança do dia para o poço que torna a criação indistinta. Tudo se confunde ao redor. Há submissão, enquanto se instala a certeza de que não veremos mais a separação entre o morro e a lua, a rã e a coruja. Quando tudo dorme, é comum perder a esperança, acostumar-se ao luxo de esquecer.
Talvez seja a memória que torne o galo prematuro. Ele se recorda e arrisca uma conversa com o destino, num jogo mortal de cabra-cega. Os duendes ocultos repetem histórias de assombração, tentando dobrar o teimoso. Há um desespero no peito, que vomita a insubordinação. Ainda é cedo, no entanto. O breu não sucumbe ao primeiro intruso. Leia tudo. Beba na fonte.
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