segunda-feira, 29 de junho de 2015

Exercícios para sobreviver


Nas reflexões de Jorge Semprún sobre a tortura, que acabam de ser publicadas na França, não há autocompaixão nem arrogância, mas um pensamento que ultrapassa a superficialidade e chega ao fundo da condição humana
   
Por Mario Vargas Llosa
      Quando, aos vinte anos, Jorge Semprún decidiu juntar-se a um dos grupos da Resistência francesa contra o nazismo, o chefe da Jean-Marie Action, a rede da qual faria parte, o advertiu: “Antes de aceitar, você deve saber onde está se metendo”. E o apresentou aTancredo, um sobrevivente das torturas às quais a Gestapo submetia os combatentes do maquis que capturava. Semprún sofreria na pele as atrocidades descritas por ele, dois anos mais tarde, quando, a partir da delação de um infiltrado, os nazistas o emboscaram na chácara de Joigny onde se escondia.

   O pesadelo transformou-se em realidade: a imersão nas águas geladas de uma banheira cheia de lixo e excremento; a privação do sono; as unhas arrancadas; o crepitar de todos os ossos do esqueleto ao ser pendurado no teto com os calcanhares amarrados às suas mãos; as descargas elétricas e as surras selvagens em que o desmaio chegava como uma libertação.

   Nunca antes de escrever esse livro, que foi publicado postumamente na França (Exercices de Survie), Jorge Semprún havia falado em primeira pessoa da tortura, do horror extremo a que pode ser submetido um ser humano, de quem os carrascos não só querem tirar informação, mas também humilhar, torná-lo indigno e traidor de seus irmãos de luta. Mas, embora nunca falasse dela em nome próprio, aquela experiência o acompanhou como uma sombra e supurou em sua memória todos os anos de sua juventude e maturidade, na Resistência, no campo nazista de Buchenwald e em suas constantes visitas clandestinas à Espanha como enviado do Partido Comunista, para construir laços entre os dirigentes no exílio e os militantes no interior. Nesse livro inconcluso, somente esboçado, e no entanto lúcido e comovedor, Semprún revela que a tortura – a lembrança das que sofreu e a perspectiva de voltar a suportá-las – foi a mais íntima companheira que teve entre os vinte e os quarenta anos de idade. Descreve-a como o apogeu da ignomínia exercitada pela besta humana transformada em carrasco, e como a prova decisiva para, superando o espanto e a dor, alcançar os maiores valores de decência e dignidade.

   Em suas reflexões sobre o significado da tortura não há autocompaixão nem arrogância, mas um pensamento que ultrapassa a superficialidade e chega ao fundo da condição humana. Em Buchenwald, seu chefe no grupo de resistência o parabeniza por não ter delatado ninguém durante os suplícios – “Nem sequer foi necessário mudar os esconderijos e as senhas”, diz –, e o comentário de Semprún não pode ser mais lacônico: “Fiquei feliz em ouvir isso”. Em seguida, explica que a resistência à tortura é “uma vontade inumana, sobre-humana, de superar o padecido, da busca por uma transcendência” que encontra sua razão na descoberta da fraternidade.

   Leia o artigo completo no El País. Beba na fonte.

*Jorge Semprún Maura (Madrid, 10 de dezembro de 1923 - Paris, 7 de junho de 2011) foi um escritor, intelectual, político e roteirista cinematográfico espanhol, cuja obra foi escrita majoritariamente, em francês. Durante a Segunda Guerra Mundial, com a França ocupada pela Alemanha nazista, Semprún combateu entre os partidários da resistência francesa, como o fizeram muitos outros refugiados espanhóis, na França, depois da Guerra Civil espanhola.
Ingressou em 1942 no Partido Comunista da Espanha (PCE). Em 1943, após ter sido denunciado, foi preso, torturado e, em seguida, deportado para o campo de concentração de Buchenwald, período que marcou a sua experiência mais tarde literária e política1 .

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