segunda-feira, 9 de outubro de 2017

CANCELLIER

por Emanuel Medeiros Vieira
PARA O MEU AMIGO LUIZ CARLOS CANCELLIER DE OLIVO

“Poema nenhum nunca mais,/será um acontecimento;/escrevemos cada vez mais/para um mundo cada vez menos,/para esse público dos ermos/composto apenas de nós mesmos,/uns joões batistas a pregar/para as dobras de suas túnicas/seu deserto particular,/ou cães latindo noite e dia,/dentro de uma casa vazia”
(Alberto da Cunha Melo (1942-2007)

   Foi em Porto alegre que avisaram-me: havias partido.
  

   Sem computador, na semana final de um tratamento – onde também jogo uma partida de xadrez com a morte –, como no filme de Ingmar Bergman (“O Sétimo Selo”) – fiquei internalizando a notícia, meditando sobre a vida e a morte, a amizade, sobre as utopias que moveram nossas gerações, e também sobre as aves de mau agouro que caíram sobre o país desde a Colônia.

   Eu era treze anos mais velho que tu. Tinhas 59. Eu: 72

   Pensei em Albert Camus, para quem o único problema filosófico relevante é o suicídio. (Cito de memória – meus perdões por não ser rigorosamente fiel).

   E lembras do “Candanguinho”, o fraternal colégio – dos começos da vida ao antigo quarto ano primário? Minha filha Clarice nasceu em 1986, eu tinha já 41 anos.

   O amigo foi pai antes.

   E foi maravilhoso lá te encontrar com teus filhos (sinceramente, não lembro se foi só um), que também estudavam lá, e conversávamos todos os dias. Sobre o país, a “abertura”, a literatura, tudo. Eu pegando a “pequena” (Clarice) e tu os teus (ou o teu).

   Não sou adepto de “fakes news” e fico um pouco envergonhado em não fornecer a informação precisa. Não há “verdade alternativa”. Só há verdade e mentira.

   No país pelo qual tanto lutamos, a hegemonia é da mentira. Parece um apito do diabo. E a mentira parece imperar em nosso mundo desolador, árido e sombrio.

   Não: nunca foste árido, árido ou sombrio. Mesmo quieto, eras solar.

   Talvez só no final. Só após a bofetada da injustiça.

   Lembras – antes de eu ir para Brasília – quando eu e o Adolfo Luiz Dias e tu, e fomos de carro a Brusque? Havia lá um pessoal que estava batalhando intensamente pela cultura, com jornais alternativos e outros atalhos para poder respirar na ditadura.

   Outros lutavam na Ilha, como o meu amigo Celso Martins.

   No dia em que fomos, havia em Brusque uma Feira do Livro – a poeta Inês Mafra era uma das líderes.

      Conversamos muito sobre convicções: raízes cristãs, marxismo (minha opção anterior foi pela AP – Ação Popular). Lembro que muitos amigos aderiram ao velho e bom Partidão.

   Talvez eu tenha sido uma exceção, mas me dei bem com todos, como o querido Roberto Motta, o Jarbas Benedet, o Aristeu Rosa, o Cirineu Martins Cardoso, o Luiz Fernando Galotti, o Alécio Verzola e outros. Perdoem os que não citei – fiz questão de só lembrar dos mortos.

   Já fiz tanto obituário. Só queria dizer: “Adeus, meu amigo. Descansa em Paz!” . Farás muita falta ao Humanismo e à UFSC.

   E creio que só posso pedir que acreditem em mim, se previamente eu acredite naquilo que falo e escrevo. É o que na Ação Popular chamávamos de autenticidade.

   Então: não há luta justa, se os valores e ações não forem justos.

   Temos tipos messiânicos que se consideram salvadores da Pátria. Que têm o monopólio da virtude (acham que têm).

   Não é pelo espetáculo midiático, circense, operístico – carregado de vaidade e narcisismo – que alcançaremos a Justiça e a Democracia.

   É claro que ABOMINO A CORRUPÇÃO.

   Não estou demonizando operações que investigam e prendem antigos e novos malfeitores e bandidos da Pátria. Falo dos que não conseguem fazer nada sem a construção do espetáculo midiático.

   Nós todos passaremos. Mas o Brasil ficará.

Porto Alegre e Salvador, outubro de 2017

Oi, Emanuel, 

Tinha recebido e lido, sim, mas sem tempo para comentar. Hoje me pegaste aqui no fim de uma insônia, e li de novo, com muito gosto. 

Muito bonitas as tuas reflexões. Bom saber que continuas lúcidos e sempre são. És duro na queda, e tens muito que dizer e isso requer tempo, que Deus certamente há de te dar, ainda que a partida pareça ter entrado na final de peões. 

Lembra que a cada movimento do teu bispo ou da torre, tu tens a prerrogativa de fazer parar por segundos o relógio do tempo, enquanto Deus pensa em como sair da sinuca. Que ele pense cada vez mais devagar... e que no fim o cheque-mate seja teu. 

Mas veja lá... não vás matar a Deus! 

Um forte abraço, Emanuel. Uma hora dessas ligo para ti. Estás em Brasília ou alhures? 

Abraço fraternal. 

Ewandro Magalhães

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