domingo, 8 de outubro de 2017

Trótski, Frida e Rivera

por José Padilha, O Globo

Como é que, conhecendo intimamente a história de Trótski, Frida e Rivera continuaram a acreditar no comunismo soviético?

Escrevo da Cidade do México, onde estou pesquisando a relação de Trótski e de sua mulher, Natalia, com Diego Rivera e Frida Kahlo, para um roteiro. Os casais moraram juntos na famosa casa azul de Frida, de janeiro de 1937 até abril de 1939..

  Na ocasião, Trótski estava exilado no México, onde foi assassinado (em 1942) por um emissário de Stalin — Trótski e Frida tiveram um caso amoroso nesse período, o que levou ao rompimento de Rivera com o Trotskismo. A paixão e a ideologia andam de mãos dadas…

   Duas coisas me chamaram a atenção. A primeira foi a extensão com que o marxismo moldou a arte e a visão de mundo dos mais importantes intelectuais mexicanos da época, que retratavam a História de seu país, inclusive a subjugação das complexas civilizações mesoamericanas pelos espanhóis, como uma ratificação empírica das ideias comunistas.

  A segunda foi o museu de Trótski. Criado por seu neto, o museu mostra que a Revolução Russa tinha um viés totalitário desde o seu início. Stalin manobrava, já na década de 1920, para tomar o poder e instaurar uma ditadura — ditadura esta que perseguiu e matou de forma extremamente violenta todos os seus “camaradas” de luta.

  Stalin foi particularmente cruel com Trótski. Não só destruiu a sua família — só o neto sobreviveu —, como fez dele um exemplo, ordenando que fosse assassinado de forma “marcante” — Trótski foi morto a golpes de picareta na cabeça, desferidos por um espião espanhol.

  Ao observar a obra de Frida e de Rivera e visitar o museu de Trótski, não pude deixar de perguntar a mim mesmo: como é que, conhecendo intimamente a história de Trótski, Frida e Rivera continuaram a acreditar no comunismo soviético?

  Eu sei, às vezes é necessário algum distanciamento histórico para se ver o óbvio. Mesmo assim, a pergunta me parece relevante. Afinal, apesar de a História da humanidade ter demonstrado cabalmente que todo governo socialista clássico (excluo as sociais democracias) se transforma em ditadura, ainda hoje boa parte dos intelectuais latino-americanos acredita que a concentração de poder pressuposta pelo socialismo pode gerar governos justos.

  Normalmente, a direita lida com estes intelectuais de forma irônica. Um exemplo é o livro de Mendoza, Montaner e Vargas Llosa, o Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano. Outro é Nelson Rodrigues, que dizia que no Brasil, “o marxismo adquiriu uma forma difusa, volatizada, atmosférica. É-se marxista sem estudar, sem pensar, sem ler, sem escrever, apenas respirando.”

  Não deixo de concordar com Nelson. E, no entanto, acho que a História demonstra que o capitalismo tem problemas estruturais sérios, que colocam em questão a sua sobrevivência nos moldes atuais.

  Não é difícil constatar, por exemplo, que o capitalismo dá origem a grandes corporações; que as grandes corporações usam o poder econômico para influenciar a política e a lei; e que esta influência tende a gerar monopólios e oligopólios que eliminam a competição, impedem a aplicação correta e necessária das leis antitruste e concentram a renda — Vide Piketty em O Capital no Século XXI.

  Ou ainda, que o capitalismo tem grande dificuldade de lidar com os problemas ecológicos causados pelo crescimento econômico e com a crescente mecanização do trabalho resultante da robótica.

  O resultado de tudo isso é particularmente visível nos EUA de hoje, onde o “top 1%” da população detém mais riquezas do que o “botton 90%”. De forma que, piadas a parte, Frida, Rivera e cia tinha lá as suas razões.

  Não sei por que a História de Frida, de Rivera e de Trótski me levou a pensar em coisas tão abrangentes. Seja qual for a razão, a minha estada aqui no México me fez pensar que as duas ideologias dominantes do mundo de hoje têm sérios problemas em lidar com os dados históricos, e que nenhuma delas nos indica, com clareza, o que precisa ser feito para termos um futuro melhor.

  Precisamos urgentemente de novas ideias.
 

*José Bastos Padilha Neto é um cineasta, roteirista, documentarista e produtor cinematográfico brasileiro.

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