terça-feira, 9 de outubro de 2018

DEPOIS DE TUDO

“Quando morto estiver meu corpo, evitem os inúteis disfarces os disfarces com que os vivos procuram apagar no morto o grande castigo da morte (…)

Descubram bem minhas mãos!
Meus amigos, olhem as mãos!
Onde andaram, o que fizeram, em que sexos demoraram seus dedos sabidos? 

(…) Quero ser um tal defunto, um morto tão acabado, tão aflitivo e pungente que possam ver, os meus amigos, que morre-se do mesmo jeito como se vão os penetras escorraçados, as prostitutas recusadas, os amantes despedidos, que saem enxotados mas voltariam sem brio a qualquer gesto de chamada

Meus amigos, tenham pena - senão do morto ­- ao menos dos dois sapatos do morto. Olhem bem para eles. E para os vossos também!”
("O Defunto" - Pedro Nava - 1903-1984).
 
por Emanuel Medeiros Vieira
 
    Depois de tudo. Quando será? Sempre acreditamos que nos salvaremos pela memória. Como saberemos?
   A vida é menos heroica, não napoleônica.
   É só ela. Nascer do sol, pôr do sol. E escrevemos. Todos já escreveram.
   São toneladas de meditações. E, no fundo, nunca entendemos.

    Nunca entenderemos.

    O que queria dizer? Tudo e nada. E o que consegui escrever, é quase menor do que a epígrafe de mestre Pedro Nava (bem melhor,­ diz tudo e não engana ninguém).
    Porque ­ na vida social ­ precisamos de disfarces, blindagens, camuflagens., representações, máscaras.
   Alguém disse que envelhecer não é para frouxos.
   Estar doente, com enfermidade incurável, também não é.
   Uma pessoa pediu que eu tivesse mais fé.
   Para quem não está doente, "está fora de ti” e das tuas dores diárias, é mais fácil…

    Nós sabemos (e NÃO queremos “saber”) QUE TODA A DOR HUMANA É INTRANFERÍVEL.
   Ninguém carregará os nossos trambolhos e fardos ­ por mais solidariedade que tiverem.
   Não tenho mais idade (ou paciência) para dissimulações.
   O ser que me pediu mais fé talvez tenha razão.

   Mas somos o que somos.

   Há que viver cada dia (e ainda agradecer).
   Existem seres amados, sol, um pássaro
   Viver também não é fácil -­ e só digo um clichê, uma platitude, nada de novo.
   O diabo sempre ri para mim e pergunta-me se o Deus que me foi ensinado não irá aliviar as minhas dores…
   Eu fico em silêncio e, no geral, leio um poema e (pelas minhas raízes) a oração de São Miguel Arcanjo, e tento rezar a prece de São Francisco de Assis ­ que sempre foi o santo de minha predileção. Seria bom ter a fé de guri.

    Lamento (mesmo tendo ido à Itália três vezes - na primeira, fugindo da nossa ditadura- não ter ido à cidade natal de Francisco). Ficará para uma outra vida… E ninguém quer ir embora…

    Como disse o bardo inglês (tantas vezes citado)“o resto é silêncio”.
    Depois de tudo… 
(Brasília, setembro de 2018)

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