quarta-feira, 10 de outubro de 2018

Mitos e Ideias Eleitorais

por Eduardo Guerini
“Ubi bene, ibi pátria"
 (Onde se está bem, aí é a pátria)
 (Cícero, Século II a.C. O Livro das Citações. Eduardo Giannetti,2008)
  
O primeiro turno das eleições de 2018 traduziram o desejo consciente ou não da vontade geral dos eleitores e eleitoras brasileiras. A decisão das urnas exprimiu uma onda de insatisfação e rejeição ao modelo de representação partidária, e, em segundo plano, transformou os desejos individuais de cada votante em expressão coletiva. A competição eleitoral evidenciou duas preferências que emergem da complexa e diversa realidade brasileira de um eleitor que não sai da cabine de votação como cidadão.

   O mito do salvacionismo, expresso na caricata concepção do líder carismático que resolverá magicamente todos os males que aflige uma massa de despreparados e depauperados cidadãos, que seguirão cegamente por ordem e disciplina, a hierarquia dos afetos e sentimentalismo passional em torno do seu líder. Neste conjunto que infantiliza a cidadania, a autoverdade é visão distorcida da realidade, emanada do olhar construído pelos indivíduos em torno de suas convicções e crenças. A fé é inabalável, as crenças individuais associadas em conjunto, é mola propulsora das mudanças. Eis o enredo que constitui a crença do mito Jair Bolsonaro, associando a competição pelos votos, em guerra santa de conversão dos hereges em liberais.

   A ideia eleitoral é uma construção do exclusivismo de um líder que libertará o brasileiro de todas as mazelas produzidas na história política, econômica e sociocultural na desigual sociedade brasileira. A compreensão e visão de um partido-seita, produz narrativas político-religiosas, da perseguição de um povo e seu líder, da travessia pelo deserto, fruto dos pecados capitais do sistema e sua elite perversa, e, finalmente, a chegada no paraíso utópico da igualdade e liberdade infinitas. Nesse éden existencial, as eleições são o momento de conversão, com total ausência de crítica e autocrítica. Afinal, os pecados são perdoados quando consubstanciado o voto na urna eletrônica.

   Neste contexto, os partidos são a representação simbólica das igrejas políticas que vivenciamos na decisão do pleito presidencial de 2018, catequizados e convertidos de última hora, em guerra santa nas redes sociais, tratam de duelar para cristianizar os hereges e aniquilar os inimigos, na tortuosa construção da cidadania brasileira. Os partidos se transformam em organizações privadas, com caciques proprietários e filiados subordinados, que sobrevivem com o maná do fundo eleitoral público, irrigados com sopro adicional dos recursos privados, expressão máxima dos escândalos de corrupção que levaram partidos e suas lideranças ao descrédito republicano.

   O patronato político seduz os filiados e militantes, com a comunhão de cargos comissionados em clientelismo de ocasião, alianças que forjam uma dependência visceral dos partidos, coligações, grupos de interesse, na administração dos recursos públicos e definição da agenda política. Neste momento, as crenças e ideologias de direita, centro ou esquerda, desvanecem em conversão pragmática aos interesses particulares e individuais.

   Os mitos e ideias sucumbem à tentação dos privilégios e benefícios seletivos, as promessas esboçadas em narrativas eleitoreiras são olimpicamente esquecidas ou negadas, as garantias constitucionais são remodeladas às coalizões partidárias, os programas de governo são renegados ao esquecimento atávico das lideranças salvacionistas.

   O surpreendente se transforma em mágico. Os eleitores devotam suas aspirações na tentação autoritária ou populista, seus desejos e interesses particulares, cansados de acreditar na realização de nosso futuro edênico.

   Seguimos calmamente em silêncio cúmplice, uma marcha da insensatez rumo à crise institucional e caos social, na terra dos deserdados e desesperançados.

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