Na primeira sessão do Pleno do Tribunal de Justiça do Estado, realizada no dia 20/01/10, após o término das férias forenses, foram analisadas as providências que deveriam ser tomadas em relação à denúncia, formulada pelo Ministério Público Estadual, que acusa o vice-governador Leonel Pavan de cometimento dos crimes de “advocacia administrativa” (quando o funcionário defende interesse privado na administração pública), de “violação de sigilo funcional” (quando o agente público revela fato de que teve ciência em razão do cargo), e de “corrupção passiva” (quando o servidor público solicita ou recebe vantagem indevida- no caso, a propina de R$ 100 mil-, em razão da função exercida). E, nela, os desembargadores tiveram de se manifestar, dentre outras questões levantadas pela relatora, desembargadora Salete Sommariva, sobre a quebra do sigilo que é inerente ao inquérito policial, tendo em vista o vazamento, para a imprensa, das conversas telefônicas legalmente grampeadas.
Nessa sessão, vários desembargadores assentaram, de forma contundente, a necessidade de vir a ser apurada e devidamente punida, a autoria do vazamento, por se constituir o mesmo em crime. Eu não estive presente à sessão, mas, pelo que li nos jornais, uma das manifestações sobressaiu-se pela correção da interpretação que deu aos vários princípios constitucionais e normas legais que protegem bens jurídicos que se apresentavam em conflito, tais os direitos individuais e os interesses públicos: foi a do desembargador Eládio Rocha. Disse, na ocasião, o referido magistrado: “A imprensa cumpriu o seu papel e fez muito bem feito. Os fatos são de real interesse público. O povo quer saber o que seus governantes estão fazendo.”
Pois eu aprofundo o raciocínio do ilustre desembargador: se “os fatos” objeto do inquérito policial da “Operação Transparência”, “são de real interesse público”, então por que fazer o Tribunal de Justiça “cavalo de batalha” da quebra do seu sigilo? Na verdade, numa democracia substantiva, que é o que todos deveríamos almejar para o Brasil, é muito pouco que “o povo” somente “queira saber o que seus governantes estão fazendo”: tem ele, mais do que o direito, o dever de “saber o que seus governantes estão fazendo” com os interesses públicos ou em nome deles. Some-se a isso, o fato incontestável de que os políticos não são cidadãos iguais a nós, e, portanto, a eles não pode ser aplicado o mesmo raciocínio jurídico que visa proteger os nossos direitos individuais. Sobre a última afirmação, transcrevo trecho do brilhante- sob todos os ângulos- voto proferido pelo eminente ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Britto, na condição de relator da “ação de arguição de descumprimento de preceito fundamental”, que, recentemente, redundou na decisão de considerar inconstitucional a integralidade da chamada: “Lei de Imprensa”, que vigia até então, suprimindo-a, pois, do arcabouço jurídico brasileiro: “Nova categoria de direito individual e coletivo ao real conhecimento dos fatos e suas circunstâncias, protagonismos e respectivas motivações, além das ideias, vida pregressa e propostas de trabalho de quem se arvore a condição de ator social de proa, principalmente se na condição de agente público.”
Por certo que os vazamentos, para a imprensa, de provas produzidas em inquéritos policiais que investigaram políticos conhecidos e influentes, quase sempre realizados pela Polícia Federal, são ricochetes da desconfiança que a parcela esclarecida da sociedade brasileira alimenta em relação a setores da Justiça.
Em todo o caso, é muito engraçado ver alguém que haja “violado o sigilo funcional” tão gravemente como o fez o vice-governador Leonel Pavan, ainda ter o atrevimento de reclamar da quebra do sigilo do inquérito policial que o investigou. Só mesmo no Brasil...
OBS.: Publicado no jornal “Diário do Litoral” ( “Diarinho” ), nos dias 20 e 21 de fevereiro de 2.010 ( sábado e domingo )
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