QUARTA-FEIRA DE CINZAS & DOM QUIXOTE
Olsen Jr.
Para os cristãos é o primeiro dia da quaresma. Um dia para se lembrar a finitude da vida. O quanto isso tudo é transitório. Para os católicos, um dia de jejum e abstinência. Também, quando os padres sinalizam na testa dos fieis com cinza que deve ser retirada somente ao por do sol. Para o cidadão comum, o último dia do carnaval.
O carnaval brasileiro, considerando os desfiles das escolas de samba, é um fenômeno que está a exigir um estudo sério, seja filosófico, sociológico, psicológico ou apenas behaviorista, porque em nível de estética, como arte, não tem nada que se equipare. A mesmice da batida é que cansa.
Mas esse ano me surpreendeu. Estava na biblioteca lendo “Ambrose Bierce e a Dama de Espadas”, de Oakley Hall que funde – nos molde do romance histórico – fatos com ficção. No caso, recria a atmosfera da cidade de São Francisco no século XIX onde um serial killer é procurado tendo como protagonistas o conhecido jornalista, escritor e filósofo Ambrose Bierce com seu ambicioso assistente e tudo o que cerca uma boa história policial. Junte-se aí, claro, as tiradas de Bierce e você terá um bom álibi para um breve afastamento do convívio mundano.
Nessa época, levo muito à sério essa coisa da renovação apregoada pelos meus ancestrais católicos, mas fiz – por conta própria – algumas alterações no ritual: substitui o jejum pela presença de um espumante de boa procedência, sem ser afetado mas também me afastando um pouco do meramente trivial e ao desvario do contubérnio antropológico, optei pela companhia dos livros que nunca me decepcionam.
Conhecendo a grande admiração que tenho pelo Miguel de Cervantes, meu filho liga dizendo que uma escola do Rio de Janeiro está entrando na Sapucaí com o enredo sobre o Dom Quixote... Agradeço, largo o que estou fazendo e vou assistir... A “União da Ilha do Governador”, escola fundada em 1953, traz o samba-enredo “Dom Quixote de
A empatia é imediata, o primeiro carro vem com o Cavaleiro da Triste Figura, sentado, lendo um livro de cavalaria (coisa que o autor detestava e sua famosa obra começou como uma sátira aos livros do gênero)... Ele adormece com o livro entre as mãos e todo o desvario edênico tem início...
Estou apreciando o desfile e o tema, quando decido abrir um espumante para acompanhar aquele que considero o melhor companheiro de viajem para um idealista, romântico, sonhador, enfim, de uma alma gêmea, quando apaga a luz... Pô! Exclamo, agora! Acho que é um castigo, penso, sempre digo para todo o mundo que aqui na Lagoa da Conceição sempre falta luz, água, a infraestrutura é precária, os restaurantes são caros, enfim, um lugar inadequado para se fazer turismo... Mas ninguém me acredita e agora, estava ali a purgação, logo com o meu personagem favorito...
Vou tateando até a cozinha e abro a última gaveta de um móvel ao lado da geladeira, onde guardo “coisinhas” que nunca vou precisar, mas nunca se sabe (como diria a minha avó) e encontro três pacotes de velas que estão lá desde o famoso “apagão” que deixou a Ilha no escuro... Faço três arranjos com duas velas cada e disponho os pires na cozinha, copa e sala... Abro o espumante, coisa que iria fazer de qualquer jeito, e fico por ali observando as sombras bruxuleantes nas vidraças e na mesa de mármore onde jazem algumas dezenas de livros que não pude guardar ainda.
Lá fora a chuva cai sem piedade, a cortina de água invade a varanda e tenho de fechar as portas... Lembrei logo do livro “Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse”, do Ibañez, mas ali, a única figura desolada era eu, com uma bacia entre as mãos tentando ver naquelas silhuetas da janela, uma Dulcinéia precisando de proteção enquanto a luz não voltava para mostrar na televisão o velho sonho de Dom Quixote!
Olá, camaradas, salve!
Sérgio, meu caro, salve!
ResponderExcluirSe você continuar assim "matando a pau" nas ilustrações, quando voltares de Nice (prefiro assim, afinal é assim que o Scott Fitzgerald e o velho Hemingway - mais o primeiro que o segundo- nos (des)encaminharam) terás um emprego garantido...
Grato e um abração extensivo a família...
Até!