Olsen Jr.
ATÉ BREVE CAMARADA!
Soube da morte do amigo Sérgio Gonzaga na quinta-feira. Encontrei com sua filha Daniela, visivelmente abatida, num bistrô aqui na Lagoa da Conceição que costumo frequentar nas folgas da minha escrita, quando o trabalho andou bem.
Perguntei como estava, mas já sabia o que me iria responder, foi uma maneira de ganhar tempo para tomar a decisão de sair logo do local. Disse-me que o pai tinha falecido no sábado. Apoiei minha mão direita em seu ombro e, olhando dentro dos olhos dela exclamei, estou solidário... Ouvi um “obrigado” antes de me afastar. Ela estava acompanhada e, isso me deixou livre para buscar sozinho, as palavras que naquela hora tinham esvaziado a minha mente.
Na verdade só mudei de bar... Penso num poema de John Donne, um verso que dizia “... A morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte da humanidade”...
É uma purgação, todas às vezes que alguém que me é próximo morre, tenho de ficar sozinho, foi assim com a minha mãe, meu pai... Continua sendo com os amigos que partem sem se despedir... Sozinho não! Gosto de ver as bolinhas de gás carbônico que saem do fundo da taça de champanhe quando sobem rápidas e se espraiam ali na superfície do líquido gelado que vou ingerir em celebração a vida que sempre continua de outras maneiras.
Tínhamos muitos amigos em comum, Romeu Lourenção, Rosangela de Souza, Adolfo Dias, Valdir Alves... Houve um tempo em que nos reuníamos todas as semanas em minha casa para discutir cinema, literatura e política... Sempre tinha uma carne na churrasqueira, uma cerveja gelada, boa música e o descompromisso com a voragem do tempo, típico dos homens que vivem sozinhos. “Sozinhos sim, solitários não” como uma amiga fazia questão de repetir sempre.
Vindo de uma família tradicional, advogado por formação, mas com um espírito demasiadamente livre para se coadunar com uma vida metódica e presa aos ditames de uma existência padrão, mesmo
De volta à terra natal, o mundo parece menor. A sensação das possibilidades abertas, de tudo para ser feito, bastando só boa vontade, permitiu uma capacidade inesgotável para se adaptar em qualquer situação, mesmo as adversas. O que fazia do Sérgio um excelente parceiro para qualquer coisa em qualquer hora. Não hesitava em ir para a cozinha fazer a sua famosa “Galinha à Bocaina” (uma galinha metida à besta, recheada e refogada com cebolas inteiras) em panela de ferro; também em subir em uma cadeira e fazer um discurso para alguns membros de sindicato indecisos em tomar partido em alguma ação de caráter coletivo; da mesma forma que não relutava em afastar uma mesa da sala ou da copa e fazer uma demonstração de dança, ainda que fosse o rock’n roll (os Beatles que ele gostava) desde que alguém do sexo feminino topasse o desafio...
Falando nas mulheres, elas apareciam sempre... Umas mais outras menos... Cada uma que partia levava um pouco, deixavam também suas cicatrizes... Mas não havia amarguras e nem lamentos... Compreendia que esgrimir com os sentimentos também fazia parte da vida, e a vida – como se sabe – era para ser vivida e disso não podia queixar-se...
Menos de um mês atrás encontrei com o Romeu Lourenção, na Kibelândia, ele apareceu para buscar alguns quitutes para o Sérgio que – segundo ele – se recusava a comer... Lembrei do conto “O Artista da Fome”, do Kafka, em que o personagem – um jejuador – queria bater o recorde de permanência sem comer, mas afirmava que não tinha méritos nenhum pelo feito, uma vez que não gostava da comida mesmo, em outras palavras, porque não encontrara ainda a comida que o satisfizesse... Mas não era o caso, e ele estava tentando reverter o processo... Bom ver dois amigos engalfinhados naquela empreitada, cada um com suas convicções, mas tentando sempre esticar aquele fio tênue da vida que nos separa do infinito...
Não estive lá nos momentos derradeiros, Sérgio e Daniela, mas fiquem certos de que seu pai foi um homem bom, um grande amigo e junto com vocês, também vou sentir a sua ausência!
DESTERRO, 20/02/2010.
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