De Elio Gaspari (O Globo)
Era uma vez um índio chamado Juruna. Ele escandalizou o país no fim dos anos 70 com um simples gravador. O xavante ia aos gabinetes de Brasília, apresentava seus pleitos, ouvia o blá-blá-blá dos burocratas e gravava. Quando Juruna tocou suas fitas o Brasil percebeu que não era só ele quem estava sendo feito de bobo e tratado como um estorvo. Juruna transformou-se numa celebridade e, em 1982, tornou-se o primeiro índio a sentar na Câmara dos Deputados. Deu-se à bebida e morreu no anonimato em 2002.
Para felicidade geral, existem hoje a internet e o YouTube. O garoto Leandro dos Santos de Paula, que vive no conjunto Nelson Mandela, em Manguinhos, perto de uma área conhecida como Faixa de Gaza, gravou em vídeo uma breve conversa com Lula e Sérgio Cabral durante uma visita dos dois ao bairro e tornou-se um Juruna 2.0.
Leandro queixou-se ao Nosso Guia de que na área esportiva da obra que os maganos visitavam não podia jogar tênis. Tomou a primeira, de Lula: "Isso é esporte da burguesia, porra." (Se Leandro tivesse o chassi de Serena Williams, ele não arriscava uma cortada dessas.) Na condição de pai dos pobres, aconselhou: "Por que você não faz natação?"
"Porque a gente não pode entrar na piscina." Por quê? "Porque não abre para a população."
Nosso Guia virou-se para o governador Sérgio Cabral e ensinou:
"No dia em que a imprensa vier aqui e pegar um final de semana com essa porra fechada, o prejuízo político será infinitamente maior do que colocar dois guardas aqui."
Maravilha. A patuleia paga a piscina, não pode entrar, e Lula se preocupa com a possibilidade de a imprensa flagrar a cena. Sem imprensa, tudo bem. Ademais, o que ele teme é o "prejuízo político". O da Viúva é desprezível.
Leandro reclamou do barulho que o Caveirão (o blindado com que a PM demonstra sua força) faz à noite na sua rua. Entrou em cena o governador Sérgio Cabral, chamando Leandro de "otário" e "sacana". A intervenção de Cabral foi claramente intimidatória, mas o jovem não baixou a bola. Afinal, como no caso de Juruna, sua ação foi premeditada. Ele é freguês das comemorações triunfalistas do governador. À diferença do índio, ele faz o registro em vídeo.
Cabral sustenta que Leandro está sendo usado por interesses eleitorais. Engano. Foram ele e Nosso Guia quem usaram a autoridade que a choldra lhes confere para desfilar vulgaridades, o resto é registro. Como diria o bandido Elias Maluco, "não esculacha". Em seu benefício, foi arrogante, mas não chamou Leandro para a briga, como fez Ciro Gomes em Tianguá, nem estapeou um eleitor em Campo Grande, como fez o governador André Puccinelli. (Nos dois casos, os doutores haviam sido chamados de "ladrão".)
Bem-aventurados os leandros desta vida, bem-aventurado o YouTube e glória eterna ao Juruna. O xavante, depois de eleito deputado, fez um discurso chamando todos os ministros do governo João Figueiredo de "ladrões". O general invocou os sentimentos do ministro do Exército e quis que o ministério o processasse: "Eu quero todos! Quem não fizer, eu demito!" Onze fizeram, e chegou-se a temer uma crise com o Congresso. Deu em nada. O Brasil tinha começado a melhorar.
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