sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Zero esnobou Gay Talese!

Por Ricardo Blue Barreto*

          
            Um ombudsman de imprensa mais do que apontar erros, antes de tudo existe para defender os interesses e direitos do leitor (e cidadão) em receber informacão atual, crível, ética e de qualidade. Nessa perspectiva e obrigado pela circunstância, abdico do direito de analisar a edição anterior para tratar de grave erro cometido pela redação, pois o impossível aconteceu: vou criticar a ausência, o que o jornal não publicou.
            Algumas semanas antes de ser concluída a edição que você lê, foi oferecida para uso uma entrevista exclusiva com Gay Talese, renomado escritor e jornalista americano, um dos pilares do new journalism e um dos mais célebres repórteres do mundo nos últimos 50 anos. Material de  boa qualidade que nenhum editor sensato recusaria, antes, trataria de publicar com a maior urgência - e com boa empolgação. O inédito é o fato da redação preterir e esnobar um inequívoco furo jornalístico, resultado da ousadia e audácia de uma jovem estudante do Curso de Jornalismo, para premiar o previsível, o costumeiro, o provinciano. E aqui, surge também um monumental equívoco pedagógico, tratando-se de um curso de Jornalismo, especialmente o nosso, certamente referência nacional, justamente por sua opção por esta única habilitação, que tratamos com muita seriedade.
            O que se ignorou é um primado do jornalismo e  essência da noticiabilidade, o da informação nova, fresca e exclusiva. Caso pudesse, como editor, ter um material assim, não hesitaria não só em publicar como dar o espaço mais nobre e fazer muito alarde na capa, pois o que foi oferecido é um diamante e não um brilhante. E, presumo, qualquer editor, especialmente de um jornal-laboratório. Lamentavelmente, não foi o que se deu. O que o Zero fez foi sonegar, esconder, material de vivo interesse para nosso inegável público-alvo prioritário: estudantes e professores de Jornalismo assim como profissionais. E como não se cria público-alvo por decreto, resta muito curiosa a insólita circunstância.
            Pois este jornal já fez esforços, em outros tempos, para entrevistar alguns dos mais importantes repórteres brasileiros. Temos entrevistas longas com José Hamilton Ribeiro, Caco Barcellos, Ricardo Kotscho, Clóvis Rossi, Fernando Morais, Bob Fernandes, Percival de Souza, Bernardo Kucinski, Lourival Sant'Anna, Luiz Cláudio Cunha, Marcelo Canellas, Maurício Dias, Juca Kfouri e Juca Varella, entre os mais relevantes, que trataram de bastidores da profissão e da reportagem (algo muito caro aos estudantes) além de ácidas abordagens sobre imprensa e os contextos políticos. E surge a chance de publicar, pela primeira vez, um dos repórteres mais importantes do mundo, ícone na profissão e a cúpula nega?! Triste momento, porque tal decisão, míope, contraria tudo que se entende por boa prática jornalística  - e mesmo estudantes sabem disso. O episódio traz outra lição: notícia boa não publicada também vira notícia.
            Ao assumir esta função jamais imaginei me defrontar com situação tão non-sense. Recorri aos editores e nenhuma das justificativas é convincente, lamentavelmente. Seria bom que lembrassem, que nosso primeiro objeto é o Jornalismo. E jornalistas, seguem sendo indispensáveis, especialmente na condição de entrevistados.


*Jornalista, professor do Curso de Jornalismo da UFSC, ex-diretor de redação e ombudsman do Zero, jornal-laboratório.


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