Por Janer Cristaldo
Me pergunta um leitor: ainda és gaúcho? É uma boa pergunta.
Minha definição de gaúcho não é a que vige no Brasil, a de gentílico de quem nasceu no Rio Grande do Sul. Entendo como gaúcho o homem que nasce no campo, entre vacas, ovelhas e cavalos. Não concebo como gaúcho gente nascida no asfalto. Quanto aos cetegistas, recorro à definição dos catarinenses. Qual é o menor circo do mundo? São as bombachas. Só cabe um palhaço dentro.
Nasci na pampa, entre vacas, ovelhas e cavalos. Sei o que é o gaúcho. É homem que geralmente nasceu pobre, vive afastado do mundo contemporâneo e tem uma visão peculiar de mundo, que nada tem a ver com a do homem urbano. Para começar, um gaúcho sabe o que é horizonte, noção cada vez mais rara nas cidades. Em minha infância, tive 360º graus de horizonte, que se situava a mais de légua de distância. Isso mexe com a psicologia de qualquer um.
Nasci em um deserto verde, salpicado de capões de árvores e umbus solitários. Quando fui para a cidade, meu primeiro espanto foi ver que nossa propriedade terminava no pátio. Lá no Upamaruty, terminava no horizonte. Meu espanto só foi maior quando passei a morar em apartamento. Meu espaço terminava na janela.
Meu pai, quando foi para o "povoado" – em função de minha educação – sentiu-se como peixe fora d’água. Cheguei em Dom Pedrito numa época em que botas e bombachas eram sinônimo de “grosso lá de fora”. Mesmo assim, Canário enfrentava a cidade com suas pilchas. Que não eram para bailes, mas seus trajes costumeiros lá no campo. Quanto a mim, larguei as botas, por uma questão de conforto. Mas mantive as bombachas. Com sapatos. O que me valeu muitas piadas no colégio. Acabei traindo os meus. Optei pela calça corrida. Meu pai morreu amargurado, longe dos pagos. Jamais se adaptou à vida urbana. Sentia falta das lides do campo, das vacas e dos cavalos.
Me pergunta um leitor: ainda és gaúcho? É uma boa pergunta.
Minha definição de gaúcho não é a que vige no Brasil, a de gentílico de quem nasceu no Rio Grande do Sul. Entendo como gaúcho o homem que nasce no campo, entre vacas, ovelhas e cavalos. Não concebo como gaúcho gente nascida no asfalto. Quanto aos cetegistas, recorro à definição dos catarinenses. Qual é o menor circo do mundo? São as bombachas. Só cabe um palhaço dentro.
Nasci na pampa, entre vacas, ovelhas e cavalos. Sei o que é o gaúcho. É homem que geralmente nasceu pobre, vive afastado do mundo contemporâneo e tem uma visão peculiar de mundo, que nada tem a ver com a do homem urbano. Para começar, um gaúcho sabe o que é horizonte, noção cada vez mais rara nas cidades. Em minha infância, tive 360º graus de horizonte, que se situava a mais de légua de distância. Isso mexe com a psicologia de qualquer um.
Nasci em um deserto verde, salpicado de capões de árvores e umbus solitários. Quando fui para a cidade, meu primeiro espanto foi ver que nossa propriedade terminava no pátio. Lá no Upamaruty, terminava no horizonte. Meu espanto só foi maior quando passei a morar em apartamento. Meu espaço terminava na janela.
Meu pai, quando foi para o "povoado" – em função de minha educação – sentiu-se como peixe fora d’água. Cheguei em Dom Pedrito numa época em que botas e bombachas eram sinônimo de “grosso lá de fora”. Mesmo assim, Canário enfrentava a cidade com suas pilchas. Que não eram para bailes, mas seus trajes costumeiros lá no campo. Quanto a mim, larguei as botas, por uma questão de conforto. Mas mantive as bombachas. Com sapatos. O que me valeu muitas piadas no colégio. Acabei traindo os meus. Optei pela calça corrida. Meu pai morreu amargurado, longe dos pagos. Jamais se adaptou à vida urbana. Sentia falta das lides do campo, das vacas e dos cavalos.
Leia o artigo completo. Beba na fonte.
Diccionario de la lengua española, da Real Academia Española: Dícese del hombre natural de las pampas del Río de la Plata em Argentina, Uruguay y Río Grande do Sul; úsa-se más como substantivo, para designar a naturales de estas pampas, que son por lo común mestizos de español e índio, grandes jinetes, dedicados a la ganadería o a la vida errante.
Larousse de la langue française: Gardien de troupeaux de la pampe argentine.
Dizionario de Agostini della lengua italiana: mandriano a cavallo della pampa argentina.
No Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, já encontramos uma nova acepção: diz-se de ou o habitante da zona rural do Rio Grande do Sul e, por extensão, de todo o Estado; o habitante da região rural (pampas) do Uruguai e da Argentina, que se dedica à criação de gado; peão de estância; bom cavaleiro.
Dicionário da Língua Portuguesa, de Aurélio Buarque de Holanda: Primitivamente, o habitante do campo, descendente, na maioria, de indígenas, de portugueses e de espanhóis; rio-grandense-do-sul; o natural do interior do Uruguai e de parte da Argentina; peão de estância; cavaleiro hábil.
Como se pode ver, a o conceito de gaúcho está intimamente associado a campo. O dicionário da RAE fala em Rio Grande do Sul, mas no "hombre natural de las pampas". Só nos dicionários brasileiros é que a palavra se associa a rio-grandense. Mesmo assim, a tônica é dada a campo e gado. Uruguai e Argentina, onde também há gaúchos, não se apropriaram da palavra para designar os habitantes do país. Nenhum buenairense ou montevideano se pretende gaúcho.
Janer
cosmonauta deixou um novo comentário sobre a sua postagem "SE AINDA SOU GAÚCHO": Nem oito, nem oitenta. Nasci em
Porto Alegre e sou gaúcho sim. E também sou brasileiro do Rio Grande do Sul. Não
é porque gaúcho foi um dia um andarilho maltrapilho e desgarrado dos campos que
hoje ele não possa ser o gentílico do Rio Grande do Sul. Há uma história aí que
não se pode ignorar, por isso sou gaúcho sim. Não é porque o MTG inventou uma
alegoria da figura do gaúcho e a RBS vendeu e vende essa imagem fabricada que
não existem gaúchos de verdade. Por isso sou gaúcho sim. Aqueles que se
consideram de outra forma, porque são filhos de "imigrante europeu" ou porque
acham que todo ajuntamento de gaúcho é bagunça, deveriam, PELO MENOS, conhecer
melhor a história do Rio Grande do Sul (que é formada por índios, africanos e
europeus) e ir visitar outras paragens do estado para não achar que a cidade
onde moram e seus próprios antepassados representam toda uma cultura. É muito
fácil generalizar, difícil é conhecer.
Janer Cristaldo:
Esteja a
gosto.
Sempre que discuto a
questão gaúcha, costumo citar o Crátilo, de Platão. Nos Diálogos, Crátilo
considera que os nomes das coisas estão naturalmente relacionados com as coisas.
As coisas nascem — ou são criadas, descobertas ou inventadas — e em seu ser
habita, desde a origem, o inadequado nome que as assinala e distingue das
demais. Já Hermógenes pensa que as palavras não são senão convenções
estabelecidas pelos homens com o propósito de entender-se. As coisas aparecem ou
se apresentam ao homem e este, defrontando-se com a coisa recém nascida, a
batiza. O significado das coisas não é o manancial do bosque, mas o poço
escavado pela mão do homem, diz Camilo José Cela, comentando Platão. O animal
doméstico e familiar do qual há muitas espécies e todas ladram, poderia ter-se
chamado lombriga, e o che
muove il sole e l'altre stelle, de Dante, poderia chamar-se reumatismo, se
assim os homens o quisessem.
Se os rio-grandenses houveram por bem chamar-se gaúchos, que se vai fazer? Seguiram Hermógenes. O que não se pode é ao mesmo tempo chamar de amor e de reumatismo o mesmo fenômeno. Prefiro Crátilo: os nomes das coisas devem estar relacionados com as coisas. Considero gaúcho apenas quem nasceu na pampa, entre vacas e cavalos, e hoje provavelmente tem uma tapera em seu passado. E que conheça alguma copla de Fierro. Nada a ver com seres urbanos nascidos no asfalto. Quem não conhece Fierro, em meu conceito não é gaúcho.
Em algum final de noite dos anos 90 em Paris, encontrei uma uruguaia que vivia na Noruega, em Oslo, e se dizia gaúcha. Dei o santo:Aqui me pongo a cantar
al compás de la vigüela,
Ela deu a senha: que el hombre que lo desvela
una pena estrordinaria,
como la ave solitaria
con el cantar se consuela.
Era gaúcha, sem dúvida alguma. O mesmo eu não poderia afirmar das centenas de pessoas que encontrei em meus dias de Porto Alegre. Pois o poema maior que o continente latino-americano deu à literatura universal, de um modo geral, é desconhecido pelos habitantes da capital de um Estado que se pretende gaúcho.
Se os rio-grandenses houveram por bem chamar-se gaúchos, que se vai fazer? Seguiram Hermógenes. O que não se pode é ao mesmo tempo chamar de amor e de reumatismo o mesmo fenômeno. Prefiro Crátilo: os nomes das coisas devem estar relacionados com as coisas. Considero gaúcho apenas quem nasceu na pampa, entre vacas e cavalos, e hoje provavelmente tem uma tapera em seu passado. E que conheça alguma copla de Fierro. Nada a ver com seres urbanos nascidos no asfalto. Quem não conhece Fierro, em meu conceito não é gaúcho.
Em algum final de noite dos anos 90 em Paris, encontrei uma uruguaia que vivia na Noruega, em Oslo, e se dizia gaúcha. Dei o santo:Aqui me pongo a cantar
al compás de la vigüela,
Ela deu a senha: que el hombre que lo desvela
una pena estrordinaria,
como la ave solitaria
con el cantar se consuela.
Era gaúcha, sem dúvida alguma. O mesmo eu não poderia afirmar das centenas de pessoas que encontrei em meus dias de Porto Alegre. Pois o poema maior que o continente latino-americano deu à literatura universal, de um modo geral, é desconhecido pelos habitantes da capital de um Estado que se pretende gaúcho.
Esta nomenclatura deriva de um equívoco
anterior, o de chamar gaúcho todo habitante do Rio Grande do Sul. Vejamos em
alguns dicionários como é definido o gaúcho:
Diccionario del uso del
español, de María Moliner: Se aplica a los naturales de las pampas de
la Argentina y del Uruguay, generalmente mestizos; son muy buenos ginetes y se
dedican a la ganadería o la vida errante.Diccionario de la lengua española, da Real Academia Española: Dícese del hombre natural de las pampas del Río de la Plata em Argentina, Uruguay y Río Grande do Sul; úsa-se más como substantivo, para designar a naturales de estas pampas, que son por lo común mestizos de español e índio, grandes jinetes, dedicados a la ganadería o a la vida errante.
Larousse de la langue française: Gardien de troupeaux de la pampe argentine.
Dizionario de Agostini della lengua italiana: mandriano a cavallo della pampa argentina.
No Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, já encontramos uma nova acepção: diz-se de ou o habitante da zona rural do Rio Grande do Sul e, por extensão, de todo o Estado; o habitante da região rural (pampas) do Uruguai e da Argentina, que se dedica à criação de gado; peão de estância; bom cavaleiro.
Dicionário da Língua Portuguesa, de Aurélio Buarque de Holanda: Primitivamente, o habitante do campo, descendente, na maioria, de indígenas, de portugueses e de espanhóis; rio-grandense-do-sul; o natural do interior do Uruguai e de parte da Argentina; peão de estância; cavaleiro hábil.
Como se pode ver, a o conceito de gaúcho está intimamente associado a campo. O dicionário da RAE fala em Rio Grande do Sul, mas no "hombre natural de las pampas". Só nos dicionários brasileiros é que a palavra se associa a rio-grandense. Mesmo assim, a tônica é dada a campo e gado. Uruguai e Argentina, onde também há gaúchos, não se apropriaram da palavra para designar os habitantes do país. Nenhum buenairense ou montevideano se pretende gaúcho.
Janer
MUITO BOM! SOMOS DOIS,TBM NASCI NO MEIO DOS QUERO-QUEROS,OUVINDO O BERRO DO TOURO EO PIU DAS CORUJAS.SOM MELHOR Q ESSE NAO EXISTE AO ENTARDECER.ABRAÇO!
ResponderExcluirDiz o blogueiro – hoje visitando do jornalista Sergio Rubim, http://www.cangablog.com/, ali encontrei esse texto do excelente Janer Cristaldo, nascido em Santana do Livramento. Faz já um bom tempo que descobri o blog do Cristaldo e envie-lhe email solicitando me autorizasse alguns de seus excelentes textos a fim de postar aqui. Ele prontamente respondeu ao meu email autorizando-me.
ResponderExcluirEssa história do gauchismo, hoje uma doença que acomete muita gente para a alegria da RBS. Explico por que afirmo tal. Faz não mais de 60 anos que um grupo de jovens oriundos da região da campanha eram ridicularizados em nossa Capital por usarem as vestes de uso comum nas lidas diárias nas fazendas. Ali surgiu o tal CTG. Desde então a RBS adotou essa ideia, pois viu ali mais uma maneira de faturar em cima. E desde então vende e muito bem, essa ideia enraizada em nosso estado e que já me faz lembrar a religião de tão arraigada, especialmente nas cabeças da maioria que não tem o hábito de pensar.
Todos os anos é montada uma favela no Parque da Harmonia, em setembro, é o favelão farroupilha em que milhares de fazendeiros de mentira ali se alojam e esbanjam grossura.
Aqui em Xangri-Lá ano passado esse sujeito que está na Prefeitura já faz oito anos torrou algo em torno de 1,5 milhão para alegria dos bombachudos. Eles alugam centenas de vacas e fazem os animais correrem de um lado a outro de forma desesperada por três dias e noites. Esse pessoal aqui de segunda à sexta-feira se comporta como pessoas normais. No final da sexta-feira vestem essa fantasia, atravessam uma faca nas costas, na altura da bunda, bebem de uma só vez copo de cachaça, enchem o peito e neles baixa um espírito do outro mundo e começam a falar grosso assim como ficam mais machos que os demais.
Quando nos estabelecemos aqui na praia no ano de 2.000, numa dessas festas em Osório foram mortos dois a facadas. Meses depois noutra dessas “festas”, desta vez em Capão da Canoa outros dois foram assassinados.
Eu nasci em Porto Alegre, filho de mãe brasileira de origem lusa e de pai imigrante europeu e assim nada tenho a ver essa cultura castelhana comum nas fronteiras de nosso estado com os vizinhos de língua castelhana.
Finalizo dizendo que isto hoje de transformou numa seita e logo ali adiante vai ser mais uma religião e que um pouco mais adiante eles vão pretender proibir a festa da uva aos italianos de origem assim como com proibir os de origem germana de comemorarem a festa da colheita em outubro.
Sou brasileiro assim como meus filhos e netos e disto sim me orgulho.
Nem oito, nem oitenta. Nasci em Porto Alegre e sou gaúcho sim. E também sou brasileiro do Rio Grande do Sul. Não é porque gaúcho foi um dia um andarilho maltrapilho e desgarrado dos campos que hoje ele não possa ser o gentílico do Rio Grande do Sul. Há uma história aí que não se pode ignorar, por isso sou gaúcho sim. Não é porque o MTG inventou uma alegoria da figura do gaúcho e a RBS vendeu e vende essa imagem fabricada que não existem gaúchos de verdade. Por isso sou gaúcho sim. Aqueles que se consideram de outra forma, porque são filhos de "imigrante europeu" ou porque acham que todo ajuntamento de gaúcho é bagunça, deveriam, PELO MENOS, conhecer melhor a história do Rio Grande do Sul (que é formada por índios, africanos e europeus) e ir visitar outras paragens do estado para não achar que a cidade onde moram e seus próprios antepassados representam toda uma cultura. É muito fácil generalizar, difícil é conhecer.
ExcluirJaner
ExcluirVocê está colocando em minha boca palavras que eu não proferi. Não me considero o único gaúcho do mundo e nem mesmo gaúcho. Sou filho de gaúchos, isto sim. Asfalto não me causa repulsa. Vivo há décadas no asfalto e não tenho nada contra. Não tenho nada a ver como idealismo platônico. Citei apenas uma discussão dos Diálogos. De fato, ser gaúcho era um pejorativo. Foram os palhaços de CTG que transformaram um outlaw em herói. O que rende muito dinheiro e prebendas, e inclusive poder político.
Janer