Algum tempo atrás, quando caminhava com a minha solidão pela Avenida das Rendeiras, fui interpelado por alguém que não via há meses. Depois do encontro casual veio a pergunta inevitável:
- O que você anda fazendo?
- Trabalhando em um novo livro, respondi.
Está claro para todos os que me conhecem, penso que sou um escritor, mas para surpresa geral, o sujeito insistiu:
- Mas trabalhar mesmo você não trabalha né?
Observo aquele cidadão, professor universitário (dedicação integral) que deveria estar na universidade naquela hora, ali na minha frente, de agasalho esportivo com ar blasé, cobrando uma atividade (diversa da literária para a qual não tinha competência para exercer) de alguém que não lhe devia satisfação nenhuma, era o que me faltava.
Tem razão, argumento, assim como você eu não trabalho --- você está aqui agora porque ninguém te cobra produção intelectual nenhuma lá na universidade, mas no meu caso, se não escrever nada, estou assinando o meu atestado de óbito.
- Não quis dizer isso, tenta redimir-se...
- Tudo bem, concluo, com a “pobreza de espírito” não há economia que resolva mesmo, passe bem...
Antes de me afastar jogo a pá de cal:
- Fique tranquilo que não vou contar para ninguém que te vi aqui nesse horário, ah, ah, ah...
Não gasto mais o tempo discutindo sobre essa concepção ortodoxa de um “imaginário” coletivo do que deva ser o trabalho, como uma atividade remunerada que te dá uma recompensa imediata, após sua conclusão. Aliás, talvez o fracasso no meu casamento se deva a isso, não há paixão que resista a falta de dinheiro, salário mensal, férias, décimo terceiro, essas coisas comezinhas da vida. Não lamento, construí um projeto de vida antes de me apaixonar por qualquer outra coisa depois da literatura, continuo obcecado.
O escritor francês Jules Renard costumava afirmar “Escrever é a única profissão em que ninguém é considerado ridículo se não ganhar dinheiro”.
Quando me separei, minha filha menor decidiu morar comigo, segundo ela, para eu não ficar sozinho, enquanto que o filho mais velho permaneceu com a mãe. Fizemos boa camaradagem. Um dia, após abrir a geladeira e constatar a presença apenas do básico para a existência, enquanto tomávamos chimarrão na varanda ela sugeriu: “o pai nunca pensou em ter um trabalho como todas as pessoas normais?”... Olhei para ela e afirmei “quem é que disse para você que teu pai é uma pessoa normal?” Ela devolveu o olhar e rimos um bocado. Claro, depois que expus o meu projeto, ela me apoiou integralmente e até hoje, os meus filhos são os meus maiores incentivadores.
O fato de provir de uma família de idealistas fez com que me voltasse mais para a introspecção, dita humanista do que para a especulação, dita monetária: “aprender a pensar” me afastou de “ganhar dinheiro”, o que talvez explique um aparente sucesso “no negócio das ideias” e justifique um total fracasso “nas ideias dos negócios”.
Já se passaram quase 20 anos depois disso, outro tanto de obras escritas e não enxergo a luz no fim do túnel, como sendo a locomotiva em sentido contrário, na blague do humorismo, mas sim, nas palavras de L. F. Celine “A experiência é uma lâmpada fraca que só ilumina quem a carrega” e nesse caso, eu e a lâmpada nos confundimos, longe dos trilhos convencionais, é claro.
Somente um “agente literário” pode mudar essa realidade e quando eu o(a) encontrar, talvez então, ninguém mais me julgue um “vagabundo”, o que nunca fui!
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