“Cada dia com sua agonia”, diz o dito popular. A agonia de hoje do cidadão informado e, por isso, “mordido” com o péssimo funcionamento da política e da democracia brasileiras, deveria ser a adoção do “voto distrital puro” para as eleições de vereador e deputados estadual e federal. É que esse sistema consubstancia-se, dentre todas as propostas apresentadas à discussão e aprovação das comissões especiais formadas na Câmara Federal e no Senado, na única que tem o poder de mudar, radicalmente, o panorama político nacional.
A começar que os partidos políticos seriam obrigados a realizar prévias entre os seus filiados, para escolher o candidato que disputaria as eleições em cada distrito. Sim, porque seria antinômico com o novo sistema a cúpula partidária impor uma candidatura, ou prevalecer a figura do “candidato nato”, ou seja, a recandidatura de quem já exerce o mandato legislativo. Aí está uma das mais importantes vantagens desse sistema: solapar por dentro o poder das oligarquias partidárias.
Mas há muitas outras! Por exemplo: aproximar o parlamentar dos anseios da população e da região que o elegeu. Assim, acabar-se-ia com o “descolamento” dos mandatos em relação ao eleitorado, o que advém do fato de os candidatos, no sistema proporcional vigente, poderem “pingar” votos num grande número de municípios para suprir a falta deles em sua região de origem. Nesse ponto, esgrimem alguns a crítica de que o sistema do voto distrital puro “paroquializaria” o debate político. Os parlamentares brasileiros já não estão há muito tempo capacitados, intelectual e civicamente, para discutir os grandes temas políticos e ideológicos e dar solução às demandas importantes do país, do estado e do município como um todo. Pelo contrário: sob o sistema do voto distrital puro, a camada esclarecida do eleitorado e os formadores de opinião passarão a ter mais peso político. Um outro benefício notório seria reduzir a influência do poder econômico nas eleições parlamentares. O eleitor, por conhecer o candidato, não se deixaria impressionar com a visibilidade das campanhas, ou atentaria para esse detalhe com vistas à desqualificação da candidatura. Assacam ainda os críticos do voto distrital puro, que o sistema pode levar o partido político que obtenha a maior votação num estado ou município, a receber um número menor de cadeiras no legislativo. Isso não pode ser levado à conta de distorção do sistema. O vetor de legitimação eleitoral e partidária passa a ser o voto “de qualidade” nos distritos e não mais o sufrágio “em quantidade” no estado ou município.
Há uma miríade de propostas contraditórias sendo apresentadas pelos senadores e deputados federais, bem como pelos partidos políticos, nas duas comissões especiais. O PSDB, que tem a adoção do voto distrital como item do seu programa, vem defendendo o sistema do voto distrital misto, ou seja, com parte dos candidatos, escolhidos pelos partidos, disputando votos em todo o território do estado ou município. Na votação da comissão especial do Senado, o PSDB contribuiu para aprovar as famigeradas “listas partidárias fechadas”, que representam a antítese do voto distrital. O PMDB, para atrapalhar o debate sobre o voto distrital puro, mas reconhecendo, indiretamente, a propriedade desse sistema, apresentou a proposta do “distritão”. O “distritão” se resumiria no preenchimento do número de cadeiras dos parlamentos pelos mais votados nas eleições. Por exemplo: as 40 vagas da Assembleia Legislativa de Santa Catarina seriam ocupadas pelos 40 candidatos a deputado mais votados. Como visto, o “distritão” não guarda nenhuma semelhança com o voto distrital.
Aí é que entraria o poder catalisador da Ordem dos Advogados do Brasil. Não se entende como uma corporação profissional cujo estatuto reza que “tem por finalidade: defender...a ordem jurídica do Estado Democrático de Direito”, possa não ter na ponta da língua, para apresentar à população, os pontos básicos de uma reforma política que viesse trazer autenticidade à democracia brasileira, dentre os quais avulta a adoção do voto distrital puro.
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