De Schio, Itália, especial para o Cangablog
"Quero poder contar aos meus netos a história de que um dia existiu a máfia na Itália. Nós devemos fazer aquilo que acreditamos. é difícil, mas devemos crer qualquer seja o resultado. Devo seguir a minha consciência e ir adiante independente do que acontecer porque penso que faço aquilo que é justo. Creio que um dia a máfia será exterminada”. Estas foram as últimas palavras do procurador nacional antimáfia da Itália, Piero Grasso, que em Schio, província de Vicenza, cumpre uma série de visitas em vàrias regiões do pais esclarecendo os principais problemas que o governo italiano enfrenta para combater o crime organizado.
Criado em Palermo, um dos principais locais onde a máfia atua no Sul da Itália, Grasso acompanhou desde pequeno o drama de viúvas, mães que perderam filhos e famílias que tiveram parentes assassinados pelos mafiosos. De 1979 a 1992 todos que se opunham a máfia eram mortos de forma cruel não importando a que classe pertenciam. Foram assassinados neste período12 juízes, vários empresários, políticos, prefeitos e, em 1980, o presidente da província da Sicília. “Sem falar dos jornalistas que foram simplesmente exterminados porque a máfia tem medo da palavra e a imprensa deve retratar a realidade. Mas que senso há para a máfia tratar da realidade se ela teoricamente é a parte que está fora do poder?”, explica o procurador que pela primeira vez conseguiu identificar por escrito as regras que regem a organização mafiosa da Cosa Nostra (ver quadro).
Emocionado, o magistrado relatou o seu relacionamento com o juiz antimáfia Giovanni Falcone que no dia 23 de maio de 1992 foi assassinado pelo crime organizado. “Ele sabia que estava em perigo entretanto dizia que os cidadãos confiavam nele e que ele não poderia traí-los. E é por isso que continuo a dedicar meu tempo por esta causa. Falcone era um amigo em comum, eu ainda acredito na vitória contra o crime”, disse Grasso.
O procurador esclareceu que discute frequentemente com outros governos sobre a máfia buscando alternativas em comum para combater o crime organizado uma vez que existem fortes ramificações nos EUA e inclusive no Brasil. No encontro de Schio ele reafirmou ainda que a máfia age como uma organização criada para sanar as necessidades das pessoas suprindo uma lacuna deixada pelo Estado. “54% dos jovens italianos do Sul são desocupados e procuram como solução a delinquência. Temos que tratar isso lembrando que infelizmente a máfia ainda está ligada ao voto. No Sul o voto é dado em câmbio de qualquer coisa. Os mafiosos infelizmente influenciam as eleições”, confirmou. Grasso contou a história de um político que por vários anos manteve o poder independente do partido porque existia um sistema que privilegiava os mafiosos inerente a vontade dos cidadãos. “Vivemos em uma selva mas devemos mudar nosso modo de fazer política. Claro que existem políticos de boa fé mas outros nem tanto. Falcone era meu amigo pessoal e muitos magistrados queriam que ele abandonasse a causa mas ele lutou ate o fim pagando com a própria vida”, disse.
O procurador esclareceu ainda que a máfia é um problema de toda a Itália porque há ramificações em todo o território e fora dele. Entretanto no Sul, devido as condições sociais, ela é ainda muito forte e várias coisas ainda são feitas na base da troca. “A máfia não premia quem fala mal. Tanto que, repito, vários jornalistas foram ameaçados e mortos porque não seguiram os conselhos e diretrizes da máfia. Lembro ainda as inúmeras crianças que foram seqüestradas e mortas nos subterraneos. A máfia usa termos como familia, amizade, honra e respeito a seu favor. Mas que senso tem os empresários que trabalham honestamente dever dar parte do lucro aos chefes da máfia?” esclareceu, lembrando que muitos tem como opção dar parte dos ganhos ou sofrer retaliações pagando muitas vezes com a própria vida.
Entretanto, o mais interessante além da prisão de chefes mafiosos e assessores diretos que trabalhavam na magistratura e repassavam dados confidenciais foi a descoberta de documentos que mostram as regras da máfia, especialmente da organização Cosa Nostra. “Encontramos documentos inéditos que além de esclarecer as ações dos marginais revelam um verdadeiro código de ética. A máfia é uma grande empresa que tem regras, organização, sanções, povo e território”, confirmou.
1 - Não se pode dizer jamais ao companheiro que é mafioso. Isso deve se feito por um terceiro
2 – Mulher de mafioso deve ser respeitada. Não se olha a mulher dos outros mafiosos. Respeitar sempre a mulher mesmo que o mafioso tenha amantes. A mulher muitas vezes convence o marido a colaborar com a policia para proteger os filhos e outras, ao contrário, assumem o cargo quando ele são presos
3 - Não se batiza filhos com padrinhos policiais porque a familia é sagrada e o padrinho deverá conviver com o grupo
4 - Não se freqüenta bares e grupos sociais porque os integrantes poderão se embebedar e abrir o jogo
5 – Os mafiosos devem estar sempre disponíveis mesmo que a mulher esteja em trabalho de parto
6 – Quem faz parte da máfia deve respeitar as reuniões indo sempre aos encontros mesmo sabendo que poderá não tornar vivo
7 – Na máfia não tem corno. Não é admitida a traição conjugal.
8 - Dizer sempre a verdade (entre os membos da máfia, obviamente)
9 – Jamais apropriar-se de dinheiro de membros da mesma familia
10 - Não se pode ser mafioso e ter um parente policial
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